segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Ir a jogo

António Costa e o PS devem pagar um elevado preço político por derrubarem um governo dos vencedores das eleições

O PR tem o dever de convidar Passos Coelho para formar governo, “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (artº 187º da Constituição).

Há quem defenda que, dadas as movimentações à esquerda, Cavaco Silva deveria passar por cima desta fase e convidar já António Costa. Estou totalmente em desacordo. Em primeiro lugar, não é nada óbvio que o secretário-geral do PS esteja em condições de garantir a disciplina de voto dentro do seu próprio partido, tendo em atenção várias reacções que já foram tornadas públicas, a mais corajosa e responsável das quais da parte de Francisco Assis (mesmo estando fora da AR).

Em segundo lugar, Costa e o PS devem ser obrigados a pagar o preço político de chumbar um governo formado pelos vencedores das eleições, sobretudo tendo em atenção que a coligação já tinha anunciado que não levantaria obstáculos a um executivo minoritário socialista, como o PSD já tinha feito em 1995. Julgo que para os eleitores não será nada indiferente a diferença de atitude entre quem se mostra cooperante e quem não aceita o veredicto eleitoral ao ponto de o sabotar.

Em terceiro lugar, também se lhes deve exigir que paguem o preço político pelo tipo de argumentação com que justificarão o derrube do novo governo, sobretudo para se poder confrontar essa argumentação com aquela que venha a ser a acção futura dum eventual executivo que integre o PS. Seria verdadeiramente indesculpável perdoar o comportamento indigno de António Costa e evitar que pague as consequências dos seus actos.

Chumbado um governo do PàF, será a vez do líder do PS tentar a sua sorte. Nesse caso teríamos duas hipóteses: uma primeira, em que o PCP não aceita integrar o executivo, mas em que o BE aceita ou não; uma segunda, com uma coligação dos três partidos de esquerda no governo.

Se o parlamento não aceita que 107 deputados sustentem um executivo, parecerá muito estranho que aceitem um governo apenas socialista, com o apoio directo de apenas 86 deputados, ou mesmo uma coligação do PS com o BE, que teria apenas 105 deputados. Ou seja, se António Costa não conseguir levar tanto o BE como o PCP para o governo, perde a razão para ter derrubado o governo do PaF.

Na segunda hipótese, parece evidente que esse governo terá uma vida extremamente difícil, em que todos terão que engolir muito do que disseram nos últimos anos. O mais grave nem serão os ataques que receberão da oposição ou da rua, mas os conflitos internos dentro de cada partido e as divergências entre os parceiros governamentais. É impossível acreditar que esta aliança contra-natura tenha uma vida longa, se acrescentarmos a tudo isto, já mais do que suficiente, os variados sinais de deterioração das condições internacionais nos próximos tempos.

Na verdade, para o PS, o que faria mais sentido era fazer rapidamente eleições internas, substituir este líder que se revelou incapaz de ganhar as eleições mais fáceis desde 1995 e deixar a direita queimar-se com as consequências do enfraquecimento da conjuntura externa.

Há muitos políticos que colocam os interesses partidários acima do interesse nacional, mas o que António Costa está a fazer, como antes dele já Sócrates o fizera, é colocar os seus interesses pessoais acima do próprio partido.

Para o país, o que parece imprescindível é que se altere a Constituição, no seu artigo 172º, que proíbe a dissolução da AR com prazos absurdos, que deveriam ser totalmente eliminados. Tudo indica que o país vai perder seis meses por causa de – mais uma – norma constitucional disparatada.


[Publicado no jornal “i”]

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