sábado, 26 de setembro de 2015

Duodécimos

António Costa tornou mais provável que em 2016 o orçamento seja em duodécimos, o que é o pior para o PS

António Costa veio agravar o ambiente de incerteza que rodeia as perspectivas pós-eleitorais, ao assegurar que, se a coligação ganhasse, o PS chumbaria a sua proposta de orçamento, fosse ela qual fosse. Esta declaração, para além de revelar o seu – justificado – medo de perder as eleições, revela uma irresponsabilidade e um desprezo pelos interesses do país, completamente subalternizados a uma (má) táctica eleitoralista. Para além disso, corresponde a dinamitar pontes com o PSD e CDS, num cenário em que se prevê que elas sejam mais necessárias, porque o resultado mais provável de todos, e o líder do PS está perfeitamente ciente disso, é que nenhum dos partidos consiga uma maioria absoluta.

De acordo com o artigo 172º da Constituição, a “Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República”, o que corresponde a 4 de Abril, sendo que o próximo Presidente da República deverá iniciar o seu mandato a 9 de Março, como vem sendo hábito. Com os nosso prazos absurdos, é improvável que novas eleições consigam ter lugar antes de Junho e também não é certo que produzam um resultado mais estável.

A rapidez com que a Grécia tem conseguido marcar eleições é algo que nos devia envergonhar e uma das primeiras coisas que é urgente fazer é alterar estes prazos, sobretudo porque os tempos que se avizinham devem ser muito difíceis e é absurdo que tudo fique em condições muito mais graves por causa de prazos dilatadíssimos que nunca fizeram qualquer sentido. Um país ingovernável durante nove meses no meio da crise do euro e de uma eventual crise internacional é um autêntico filme de terror.

O mais provável é que o orçamento de 2016 não seja aprovado e que vivamos em regime de duodécimos durante grande parte do próximo ano. A primeira coisa que é preciso ter em conta é que a incerteza política e as recusas em aprovar um orçamento deverão arrefecer a economia e subir as taxas de juro, ambas com efeito negativo sobre o défice. A isto acresce o facto de ser altamente improvável que a meta orçamental de 2015 seja cumprida, o que coloca uma pressão maior sobre a contenção que será necessário no próximo ano.

Em termos de autorização de endividamento, o regime de duodécimos não deverá ser um problema, porque é suposto que as necessidades de financiamento diminuam à medida que o défice se reduz.

Em relação aos impostos, a inexistência de um novo orçamento significa que não será possível aumentar as taxas de imposto nem criar novos impostos, pelo que quem queira equilibrar as contas públicas por essa via, como é o caso do PS, tem a vida muito mais dificultada. Teoricamente, poderia haver aumentos de impostos autónomos do orçamento, mas se a AR não aprova um orçamento, porque é que aprovaria um aumento da carga fiscal?

Em relação à despesa, o orçamento cria autorizações de despesa, não cria obrigações de despesa. Significa isto que, mesmo com duodécimos, será possível, embora difícil, cumprir a meta de redução do défice público, cortando na despesa. No entanto, será mais difícil alterar a estrutura da despesa, um objectivo mais importante para o PS do que para a coligação, porque foi esta que definiu a actual estrutura.

Daqui decorre que viver em duodécimos não tem que ser terrível, embora se estime que seja sempre mais difícil para o PS fazê-lo do que para a coligação.

O que se me afigura pior para estes nove meses de agonia que nos esperam é a incerteza que se deverá instalar, a provável incapacidade em lidar com os desafios externos que devem ser significativos, a suspensão de qualquer tipo de reforma estrutural tão essencial para sairmos desta década e meia de estagnação económica, o recuo na recuperação conjuntural e de credibilidade junto dos mercados financeiros, que tanto nos custou. O pior mesmo de tudo, é que grande parte deste desastre poderia ser evitado ou, pelo menos, fortemente encurtado, se os partidos já tivessem reformado os absurdos prazos actualmente em vigor.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 20 de setembro de 2015

Balanço

Se o PS tivesse estado no governo nos últimos quatro anos é provável que a troika ainda cá mandasse

O Público desta quarta-feira publicou uma carta confidencial que Passos Coelho enviou a José Sócrates, em Abril de 2011, tendo o jornal mentido sobre o conteúdo da missiva, ao afirmar – na primeira página – que aquele dirigente do PSD estava a “exigir” a vinda da troika. Esta desonestidade daquele que já foi uma referência do jornalismo português é, para além de eticamente reprovável, um insulto à inteligência dos leitores. Ao ler-se o texto verificam-se duas coisas: 1) o atual primeiro-ministro estava muito mais consciente das dificuldades do país do que Sócrates; 2) para além disso, mostrava-se disposto a apoiar as diligências que fossem necessárias.

Esta segunda atitude não podia ser mais contrastante com a do PS de António Costa, sempre a colocar os interesses do partido acima dos interesses do país, ao ponto de ter rasgado a reforma do IRC que tinha sido acordada com o seu partido, deixando os investidores externos estarrecidos com esta falta de credibilidade do país, em que é impossível confiar.

Ainda em relação à vinda da troika, é preciso recordar que houve pressões comunitárias, para que ela fosse chamada em Novembro do ano anterior, coincidindo com o pedido de ajuda da Irlanda, para evitar transmitir a ideia de sucessivos novos problemas na crise do euro. Sócrates recusou um pedido atempado, do que resultou um programa de ajustamento com um caracter punitivo, como castigo por isso, para além de que o facto de a ajuda surgir quando o país já estava com a corda na garganta nos ter limitado ao mínimo o poder negocial.

Em relação ao Memorando inicial, é certo que a economia caiu mais e o desemprego subiu mais do que o esperado, devido ao excessivo otimismo do programa, como o FMI já reconheceu. Isso fez com que a diminuição do défice público e a contenção da dívida pública se tivessem tornado mais difíceis.

Mas as críticas de António Costa, contra a austeridade e sobre o aumento da dívida pública, são incoerentes, uma sua imagem de marca. Ou bem que critica a austeridade ou bem que critica a dívida. Como é evidente, se tivesse havido menos austeridade teríamos hoje ainda mais dívida pública do que temos.

Quanto a ter ido para além da troika, alguém é capaz de dizer onde é que isso se passou? O défice público caiu mais lentamente do que o combinado, o Estado quase não foi reformado, o número de câmaras municipais deixado intacto, as privatizações claramente aquém do acordado, as reformas estruturais foram menos e menos profundas do que o estipulado, etc.

Como é evidente, houve trabalho feito num contexto muito difícil, mas temos o direito de criticar um governo a quem faltava experiência e que se furtou a fazer muita coisa, em particular e insisto, a reformar a despesa pública. Demasiadas vezes a urgência de encontrar soluções e a falta de trabalho de casa levaram a decisões injustas, como foi o caso da segurança social, em que continua a faltar uma ligação clara entre as carreiras contributivas e a pensão recebida.

Mas imaginem agora que nestes últimos anos tínhamos sido (des)governados pelo PS. É evidente que os socialistas teriam reformado muito menos, que teriam ciclicamente assustado os mercados e é duvidoso que tivéssemos escapado da necessidade de um segundo resgate.

O que mais custa não é a debilidade das propostas do PS, é o que elas revelam sobre a falta de consciência deste partido sobre os problemas estruturais do país e da forma como o PS foi cúmplice na criação de alguns deles nas últimas duas décadas. Foi a partir de Guterres que o nosso endividamento externo começou, já que em 1995 era apenas de 8% do PIB. A forte perda de competitividade que decorreu da aposta na procura interna desde então produziu mesmo o impensável: há quinze anos que o país passou a divergir da Europa, apesar de receber fundos comunitários para convergir.

Tudo indica que vamos iniciar uma fase particularmente difícil em termos internacionais e exigente em termos nacionais e vamos entrar neste mar encapelado com um governo pouco preparado e provavelmente instável.  


[Publicado no jornal “i”]

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Pós-eleições

O próximo governo deverá ser socialista e dificilmente durará muito tempo

As últimas sondagens continuam a dar um empate técnico entre os principais contestantes e a campanha eleitoral, quase totalmente afastada do mais importante, não deverá alterar esta circunstância.

Continuo a não acreditar num governo de bloco central, que seria sempre muito instável, em clima de guerrilha interna permanente. Vejo como mais provável um governo do PS, talvez em coligação com os novos pequenos partidos, do que um executivo do PSD-CDS, mesmo que estes tenham marginalmente mais deputados do que os socialistas. Com um parlamento com uma claríssima maioria de esquerda parece muito difícil que um governo de direita tenha qualquer hipótese de vingar. Já um executivo liderado pelo PS poderá contar, por algum tempo, com a abstenção do PC e BE, que o poderão assumir como mal menor.

Mas será sempre um governo muito condicionado, enfrentando uma conjuntura desfavorável em vários aspetos.

Antes de mais, a conjuntura internacional parece estar a mudar para pior. Até há não muito tempo, o próximo ano era considerado como de continuação da recuperação internacional, mas várias nuvens têm ensombrado esse cenário. Aproxima-se o momento de subida das taxas de juro de referência nos EUA e teme-se que isso provoque um terramoto nos países emergentes demasiado endividados em dólares. A China tem apresentado sinais também pouco favoráveis e um abrandamento daquela que tem sido a locomotiva do crescimento mundial deverá espalhar-se a quase todos os países, avançados e emergentes.

Uma desaceleração internacional deverá pressionar ainda mais o preço do petróleo, colocando dificuldades adicionais a Angola, com múltiplas ramificações a Portugal tais como a repatriação de nacionais, suspensão de remessas, quedas das exportações, problemas de crédito e nas filiais dos bancos portugueses naquele país.

A nível europeu, temos sempre que contar com a caixinha de surpresas em que se transformou a Grécia, que foi obrigada a aceitar um terceiro resgate impossível de cumprir, que não deverá demorar muito tempo a causar novos problemas. Para além disso, estamos perante uma crise de refugiados, cuja proposta de solução, com quotas obrigatórias, parece fadada para criar mais problemas do que os que vai resolver.

Em Portugal, teremos um governo obrigado a engolir a generalidade das suas promessas eleitorais, criticado por uma direita que, na oposição, deve adotar uma irresponsabilidade como a que o PSD exibiu a partir de 1995. A esquerda que, pela sua abstenção, permitirá a sobrevivência do executivo, terá cada vez mais dificuldades em continuar a fazê-lo, sempre que novas medidas de austeridade tiverem que ser aprovadas.

Para além disso, teremos o julgamento de Sócrates que, dada a sua personalidade, jamais aceitará ser imolado sozinho. Até aqui, o PS tem conseguido – miraculosamente – manter-se à margem dos problemas judiciais do seu antigo secretário-geral mas, quando as acusações forem tornadas públicas, é muito provável que haja várias novas “baixas” socialistas, porque é impossível ele ter agido sozinho.

Se um governo socialista, já fragilizado, assistir à exposição pública de muitos dos podres do seu partido é provável que aconteçam três coisas. Um primeiro efeito será o esvaziamento do PS como partido de poder, como aconteceu ao PASOK na Grécia. Uma segunda consequência deverá ser o surgimento de novas agremiações políticas, tal como tem acontecido noutros países e que, para surpresa de muitos, ainda não aconteceu em Portugal. Finalmente, deveremos ter a queda do governo, eleições antecipadas e um novo espectro partidário, que já não me atrevo a antecipar. 

Em relação ao Presidente da República que deverá ser eleito entretanto, não me parece que tenha grande margem para alterar o cenário descrito, a não ser, talvez, a de gerir a sua duração.


[Publicado no jornal “i”]

sábado, 5 de setembro de 2015

Refugiados

A política europeia face às migrações precisa de ser mais abrangente, com ênfase na diplomacia

Esta semana tivemos a infelicidade de ver a fotografia do pequeno sírio Aylan Kurdi, morto à beira-mar, que parece estar a produzir um efeito muito significativo nas populações europeias, de reconhecimento do problema dos refugiados que tentam chegar à Europa. Na verdade, quase em simultâneo tinha surgido o rumor de que Juncker se prepara para quadruplicar as quotas para o conjunto da UE para 160 mil pessoas, o que continua a parecer muito pouco, sobretudo se atendermos ao facto de que só a Alemanha já se disponibilizou a aceitar 800 mil deslocados.

Se olharmos para a política oficial da UE, em que a migração é assumida como uma das dez prioridades da Comissão, ficamos desapontados com o caracter eminentemente burocrático dos quatro pilares daquela política, preocupados, entre outras questões, com a redução dos incentivos à imigração irregular, desmantelando redes de tráfico entre outras ações preconizadas.

Parece que há na política europeia duas grandes omissões: a diplomacia e o envolvimento de terceiros países. A primeira razão porque há refugiados é porque há conflitos armados, que provocam a deslocação de populações. Parece, assim, que deveria haver uma primeira preocupação com um envolvimento diplomático muito superior ao que existe atualmente nas zonas de conflito. Não se espera uma solução milagrosa, rápida e indolor, mas também custa a crer que a UE, com a sua importância económica, comercial, financeira, fornecedora de armamentos, não consiga ajudar a minorar a situação, seja através da negociação de tréguas, de maior proteção das populações civis, com evacuações programadas ou outras ações.

No caso da Síria, ainda que muito complexo, tem havido apoio de França e do Reino Unido à oposição do governo, pelo que haverá margem para influenciar o que se passa e, talvez, a limitar os danos nos civis.

Em relação ao envolvimento de terceiros países, parece pacífico reconhecer que a maioria dos refugiados preferirá ficar em Estados próximos da sua zona de origem, do que viajar milhares de quilómetros, nas mais precárias, caras e perigosas condições, desde que consigam ali níveis mínimos de subsistência.

Na verdade, é exatamente isso que têm feito os refugiados sírios, cuja maioria se tem concentrado em países com fronteira com a sua terra natal. Dos cerca de 20 milhões de habitantes que a Síria tinha antes dos conflitos, estima-se (com todas as limitações que estas estatísticas têm) que cerca de metade foram forçados a deslocar-se dentro do próprio país e que cerca de 4 milhões se tenham refugiado no exterior. Destes, mais de metade estará na Turquia, outro quarto residirá no Líbano, havendo ainda contingentes significativos na Jordânia e no Iraque. Na UE, estarão neste momento pouco mais de 5% do total de refugiados sírios.

Ou seja, por um lado, parece fazer todo o sentido que a UE ajude financeiramente os Estados que já recebem um grande número de deslocados da guerra, com destaque, para o Líbano que tem arcado com um número desproporcionado de pessoas para a sua dimensão. Para além disso, justificar-se-á que a UE faça pressão junto de outros países da região para também eles receberem sírios, em particular a Arábia Saudita, que tem bolsos fundos (atualmente afeados pela queda do preço do petróleo) e que estão abertamente envolvidos no conflito, pelo apoio que têm dado a uma das partes.

Para além do que ficou dito, é evidente que nos cabe acolher da melhor forma possível os refugiados que nos procuram, começando por assegurar um transporte condigno, para colocar um fim no tráfico de pessoas e nas mortes trágicas.

Gostava de concluir com uma ressalva: uma má gestão da questão dos refugiados e imigrantes pode redundar, a prazo, num recrudescimento da extrema-direita. E é preciso ver, em primeiro lugar, que os apoiantes deste extremismo estão nos trabalhadores mais pobres e com maior risco de desemprego. Será necessário acompanhar eventuais impactos nestes grupos mais desfavorecidos, para garantir que os seus receios não se materializam.


[Publicado no jornal “i”. A partir de hoje, por exigência do jornal, seguindo o novo Acordo Ortográfico.]