A “austeridade” vai-se
manter nas próximas décadas e o seu fim não traria o crescimento económico
Há em Portugal, e não só, muitas pessoas que pensam que a
única coisa que nos separa da prosperidade é o fim da austeridade. Esta extrema
ingenuidade, mais grave em dirigentes partidários, está a bloquear a reflexão
sobre o muito que é necessário fazer.
Em primeiro lugar, quando se fala em austeridade, também se
deveria considerar a reforma da despesa pública, que seria a forma
“inteligente” de fazer austeridade. Em segundo lugar, é preciso perceber que
nos aguardam várias décadas de “austeridade”, não imposta pela Alemanha, nem
por nenhum outro papão externo, mas ditada pela nossa realidade interna.
Nesta realidade interna começa por pesar a dívida que
acumulámos até hoje e não vale a pena dizer que muita dela surgiu após a
chegada da troika (ou das “instituições”,
se fizerem questão). É preciso repetir que parte se deveu ao reconhecimento de
dívidas escondidas. Há quem defenda que poderia ter sido desenhado um programa
mais escalonado no tempo, esquecendo que politicamente isso seria muito mais
difícil de concretizar, devido ao cansaço provocado pela austeridade e à
proximidade das eleições, o que é extremamente visível no orçamento deste ano.
De qualquer forma, partindo de um défice orçamental de quase
10% do PIB em 2010, era praticamente impossível reduzi-lo sem que isso
provocasse um impacto recessivo. A recessão poderia ter apresentado um perfil
diferente, mas não era evitável. Por isso, não faz sentido dizer que foi a troika que criou a “espiral recessiva”,
porque esta foi gerada pelo descalabro orçamental produzido por um certo futuro
presidiário.
O que se pode criticar – duramente – é a impreparação do
PSD, que, tendo chamado a atenção para a situação orçamental, não ter preparado
qualquer tipo de reforma da despesa pública, menos ainda qualquer reforma do
Estado, enquanto estava na oposição. Aliás, nem sequer no governo foram capazes
de o fazer, tendo Paulo Portas fracassado vergonhosamente nesta tarefa que lhe
foi confiada.
A outra dimensão da realidade interna que vai forçar a haver
“austeridade” durante as próximas décadas é, em parte, o fraco potencial de
crescimento (que poderá ser lentamente melhorado), mas, sobretudo, o
envelhecimento da população, que vai pressionar duplamente as contas públicas,
na saúde e nas pensões.
Para além disso, a nossa fraca natalidade (a mais baixa da
Europa), que continua – inexplicavelmente – a não ser um tema sério de reflexão
sustentada do debate político, vai contribuir para agravar estas perspectivas,
já de si “desafiantes”.
Ou seja, não se espere que o Estado possa desempenhar
qualquer papel de estímulo do crescimento, através da despesa pública, mesmo
que esta tenha o nome aparentemente atraente de “investimento público”, rótulo
sob o qual se têm perpetrado os mais incríveis disparates (não preciso de dar
exemplos, pois não?) e as maiores corrupções (sugestões?).
Mas ainda bem que o Estado não pode estimular a procura
interna, porque foi isso que foi feito na década antes de termos sido obrigados
a pedir auxílio à troika, e em que
Portugal teve a década de mais baixo crescimento do século precedente e isto
não é uma figura de estilo. Essa despesa pública só nos trouxe endividamento,
sobretudo externo, e muita dívida pública encapotada nas PPP.
Para crescer mais, o essencial é aumentar o nosso potencial
de crescimento, um problema do lado da oferta e não da procura, muito mais
difícil de concretizar.
Apesar dos progressos alcançados, é evidente que há ainda muito
a fazer, sendo que a ineficiência da burocracia pública, as elevadas taxas de
imposto, a dificuldade de financiamento, a instabilidade das políticas públicas
e a legislação laboral são considerados os cinco maiores obstáculos ao
investimento externo no país (Global Competitiveness Index, 2014, do Fórum
Económico Mundial). Esqueçam a panaceia do investimento público, é aqui que
está a chave do crescimento genuíno e saudável (e não estou a falar dos vistos
Gold).
[Publicado no jornal “i”]
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