A Constituição que
nasceu “torta” precisa de ser substituída
Há 40 anos, o golpe falhado de Spínola de 11 de Março de
1975 iniciou um período dos mais graves da nossa história recente, só em parte
culminando a 25 de Novembro desse mesmo ano. O falhanço da tentativa insensata
de Spínola (re)tomar o poder, serviu de pretexto para um recrudescer do poder
comunista.
Poucos dias depois, deu-se início ao processo de
nacionalizações (directas e indirectas), com graves danos para a economia
nacional, de que ainda hoje sofremos as consequências. Em vez de darem lugar a
indemnizações minimamente razoáveis, elas deram lugar a um quase confisco, uma
brutal transferência de capital do sector privado para o público, onde foi
drasticamente delapidado.
O país perdeu empresas dinâmicas, com gestão qualificada,
muita da qual foi forçada a exilar-se, devido à histeria anticapitalista do
momento. É verdade que hoje se regista uma fuga de cérebros, muitos dos quais
em início de carreira, mas naquele momento emigraram aqueles que estavam no
auge.
Entretanto, nacionalizadas as empresas, o lucro ou o serviço
dos clientes deixou de constituir preocupação dos novos gestores. Aliás, numa
empresa pública, um problema laboral não é apenas laboral, é também e talvez
sobretudo político. Não tardou muito a que os sindicatos se apercebessem disso
e durante anos foi o abuso foi total. Para quem não viveu esses anos, imaginem
o que se passa hoje na TAP e no Metropolitano de Lisboa generalizado às maiores
empresas nacionais.
Para além disso, dois factos da maior importância ocorreram,
o choque petrolífero de 1973 e a perda do império colonial português, esta
última em péssimas condições, em parte também devido ao aumento do poder dos
comunistas, que tudo fizeram para sabotar uma descolonização digna. Estas duas
alterações estruturais exigiriam repensar estrategicamente as maiores empresas
portuguesas, mas para isso não havia tempo nem cabeça.
Entretanto, para animar à festa, teve início um conjunto de
ocupações de herdades no Alentejo, onde ocorreu nova destruição de capital
físico e uma forte quebra da produção.
Mais grave do que passou com a economia foi o que ocorreu
com a criação de uma nova constituição. Para aceitar a realização de eleições
para uma Assembleia Constituinte, os partidos políticos foram obrigados a
assinar um Pacto MFA-Partidos, que impunha inúmeras condições sobre o conteúdo
programático do que seria a próxima constituição, um total desrespeito pelas
regras elementares de uma democracia.
A gravidade deste desrespeito é acentuada pelo resultado das
eleições de 25 de Abril de 1975, que dão apenas 12,5% aos comunistas, fonte de
inspiração daquelas restrições. Para além dos trabalhos da Assembleia
Constituinte terem sido condicionados pelo malfadado Pacto, a acção dos IV e V
governos, incompreensivelmente dominados por comunistas, em flagrante contradição
com os resultados eleitorais, também teve o seu papel.
Um dos momentos mais escandalosos foi o sequestro da
Assembleia Constituinte, em Novembro desse ano, se ainda restassem as menores
dúvidas de que os deputados estão a trabalhar sob coacção.
Poucos dias depois, com o golpe militar de 25 de Novembro,
os comunistas foram finalmente apeados do poder que usurpavam. No entanto,
todos os artigos da Constituição já votados, sobretudo referentes à parte
económica, mantiveram-se como estavam, não tendo ninguém tido a coragem de
denunciar o óbvio, de que os trabalhos da Constituinte não tinham decorrido em
liberdade.
Pois é este desastre constitucional que nos rege, ainda que
parcialmente expurgado das partes mais abstrusas, como a irreversibilidade das
nacionalizações.
Como diz o povo, “o que nasce torto, cedo ou nunca se
endireita”. Parece assim que não vale a pena continuar a remendar esta
Constituição “torta”, sendo preferível substituí-la por uma nova, que não seja
um documento de facção, mas uma verdadeira constituição nacional, como têm as
democracias europeias.
[Publicado no jornal “i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário