segunda-feira, 16 de março de 2015

1975

A Constituição que nasceu “torta” precisa de ser substituída

Há 40 anos, o golpe falhado de Spínola de 11 de Março de 1975 iniciou um período dos mais graves da nossa história recente, só em parte culminando a 25 de Novembro desse mesmo ano. O falhanço da tentativa insensata de Spínola (re)tomar o poder, serviu de pretexto para um recrudescer do poder comunista.

Poucos dias depois, deu-se início ao processo de nacionalizações (directas e indirectas), com graves danos para a economia nacional, de que ainda hoje sofremos as consequências. Em vez de darem lugar a indemnizações minimamente razoáveis, elas deram lugar a um quase confisco, uma brutal transferência de capital do sector privado para o público, onde foi drasticamente delapidado.

O país perdeu empresas dinâmicas, com gestão qualificada, muita da qual foi forçada a exilar-se, devido à histeria anticapitalista do momento. É verdade que hoje se regista uma fuga de cérebros, muitos dos quais em início de carreira, mas naquele momento emigraram aqueles que estavam no auge.

Entretanto, nacionalizadas as empresas, o lucro ou o serviço dos clientes deixou de constituir preocupação dos novos gestores. Aliás, numa empresa pública, um problema laboral não é apenas laboral, é também e talvez sobretudo político. Não tardou muito a que os sindicatos se apercebessem disso e durante anos foi o abuso foi total. Para quem não viveu esses anos, imaginem o que se passa hoje na TAP e no Metropolitano de Lisboa generalizado às maiores empresas nacionais.

Para além disso, dois factos da maior importância ocorreram, o choque petrolífero de 1973 e a perda do império colonial português, esta última em péssimas condições, em parte também devido ao aumento do poder dos comunistas, que tudo fizeram para sabotar uma descolonização digna. Estas duas alterações estruturais exigiriam repensar estrategicamente as maiores empresas portuguesas, mas para isso não havia tempo nem cabeça.

Entretanto, para animar à festa, teve início um conjunto de ocupações de herdades no Alentejo, onde ocorreu nova destruição de capital físico e uma forte quebra da produção.

Mais grave do que passou com a economia foi o que ocorreu com a criação de uma nova constituição. Para aceitar a realização de eleições para uma Assembleia Constituinte, os partidos políticos foram obrigados a assinar um Pacto MFA-Partidos, que impunha inúmeras condições sobre o conteúdo programático do que seria a próxima constituição, um total desrespeito pelas regras elementares de uma democracia.

A gravidade deste desrespeito é acentuada pelo resultado das eleições de 25 de Abril de 1975, que dão apenas 12,5% aos comunistas, fonte de inspiração daquelas restrições. Para além dos trabalhos da Assembleia Constituinte terem sido condicionados pelo malfadado Pacto, a acção dos IV e V governos, incompreensivelmente dominados por comunistas, em flagrante contradição com os resultados eleitorais, também teve o seu papel.

Um dos momentos mais escandalosos foi o sequestro da Assembleia Constituinte, em Novembro desse ano, se ainda restassem as menores dúvidas de que os deputados estão a trabalhar sob coacção.

Poucos dias depois, com o golpe militar de 25 de Novembro, os comunistas foram finalmente apeados do poder que usurpavam. No entanto, todos os artigos da Constituição já votados, sobretudo referentes à parte económica, mantiveram-se como estavam, não tendo ninguém tido a coragem de denunciar o óbvio, de que os trabalhos da Constituinte não tinham decorrido em liberdade.

Pois é este desastre constitucional que nos rege, ainda que parcialmente expurgado das partes mais abstrusas, como a irreversibilidade das nacionalizações.

Como diz o povo, “o que nasce torto, cedo ou nunca se endireita”. Parece assim que não vale a pena continuar a remendar esta Constituição “torta”, sendo preferível substituí-la por uma nova, que não seja um documento de facção, mas uma verdadeira constituição nacional, como têm as democracias europeias.


[Publicado no jornal “i”]

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