O PS no governo não
vai conseguir diferenciar-se do actual executivo e isso irá criar uma profunda crise
de regime
Medeiros Ferreira, uma das vozes com maior independência de
espírito da área do PS, afirmou numa entrevista publicada neste jornal no
Sábado passado que o “PS, no fundo, tem seis meses a um ano para demonstrar que
governa de outra maneira.” Se falhar neste desafio, teremos “uma crise de
regime”. Julgo que a intenção desta frase é a de lançar um aviso sobre a
necessidade de o PS preparar uma verdadeira alternativa, mas temo que isto caia
em saco roto.
Aquele professor recomenda também que haja eleições
antecipadas, em Maio de 2014, em simultâneo com as europeias, o que até poderá
ser considerado optimista, tendo em atenção as dificuldades com que o governo
se vem defrontando, desde logo pelas fissuras internas.
Seja qual for o momento em que o PS volte ao poder,
parece-me que tem todas as condições para falhar o repto de governar de forma
diferente, por várias razões. Antes de mais, é preciso recordar que entre 1995,
início do descalabro das contas externas e 2011, o pedido de ajuda à troika, in extremis, o PS esteve no
governo mais de 80% do tempo.
Nesse período, o PS ignorou a globalização, destruiu a
competitividade e o potencial de crescimento da economia portuguesa, colocando
em causa o financiamento do Estado social. Possivelmente por razões
ideológicas, ignorou a defesa da família, e assistiu impávido a uma queda
desastrosa da natalidade, colocando de novo em risco a sustentabilidade do
Estado social.
Para além disso, para o PS, o Estado “social” parece ser
muito mais um Estado “clientelar”, no qual as maiores corporações do sector
público se sentam à mesa, onde as maiores negociatas públicas têm lugar (quem
assinou a maioria dos contratos das PPP, dos swaps, etc.?), para além de mais
umas quantas prebendas avulsas (a que propósito é que o Grande Moralista
Baptista Bastos vive numa casa da C.M. Lisboa?).
Para os socialistas, a verdadeira alternativa seria reviver
o passado no tempo em que Bruxelas estava cega para as asneiras que os países
periféricos iam perpetrando e no tempo em que o crédito era quase à borla. Mas,
quer já tenham tomado consciência disso, quer não, bem podem cantar para o
tempo voltar para trás, que ele não vos ouvirá.
Sendo assim, que alternativas se colocam ao PS? O primeiro
obstáculo a divisar alternativas prende-se com o facto de este partido se ter
tornado numa associação “clientelar”, muito mais do que ideológica. Se o norte
do PS fosse a preocupação pelos mais pobres e desfavorecidos, isso
permitir-lhe-ia uma agenda muito mais clara e desimpedida.
No entanto, como está prisioneiro das clientelas que
favoreceu até aqui, está numa camisa-de-onze-varas. Como é evidente, a
consolidação orçamental terá que ser conseguida justamente pela eliminação das
generosidades concedidas às corporações públicas, quer no trabalho, quer na
reforma. Como é que o PS pode sobreviver a atacar a sua base eleitoral por
excelência?
O estado lastimoso das contas públicas, bem como o estado de
urgência que deverá forçar a desrespeitar inúmeros contratos financeiros
públicos, deverão colocar um fortíssimo travão a qualquer grande contrato
público nos próximos tempos. Dado a péssima utilização que foi dada a estes
contratos, isto só pode ser encarado como uma excelente para os contribuintes.
No entanto, mais uma vez, isto é uma terrível notícia para o PS, que se tem
habituado a beneficiar um conjunto alargado de “empresários”, cuja vantagem
competitiva é o acesso aos corredores do poder. Sem o apoio desta “elite”, como
é que o PS (se) irá governar?
Em resumo, a menos de um golpe de asa, de que nem o actual
líder do PS, nem as alternativas parecem ser remotamente capazes, os
socialistas deverão ser obrigados a repetir as medidas do actual governo, com a
agravante de o fazerem contra a sua natural base de apoio. Como bem prevê
Medeiros Ferreira, isto tem todas as condições para criar uma “crise de
regime”. Mas não haja a menor ilusão que a queda do PS poderá beneficiar o
centro-direita.
Atrevo-me a antecipar que isto deverá levar à implosão dos
actuais partidos tradicionais e abrir espaço para verdadeiras alternativas,
possivelmente no quadro de uma 4ª República, então embrionária.
[Publicado no jornal “i”]
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