A decisão do TC é
profundamente injusta e contra a lei da gravidade
A decisão do Tribunal Constitucional (TC) de vetar uma
proposta do governo de convergência de pensões entre o sector público e o
sector privado é triplamente injusta e contra a lei da gravidade.
As pensões em causa são triplamente injustas. Em primeiro
lugar, por, na generalidade dos casos, não dependerem do conjunto da carreira
contributiva, tendo assim uma relação muito fraca com a efectiva contribuição
dos pensionistas para o sistema. Em segundo lugar, não só são, na esmagadora
maioria dos casos, claramente acima das contribuições, como esta diferença vai
subindo à medida que a pensão sobe. Este sistema é altamente regressivo, em
flagrante desrespeito pelo princípio constitucional da progressividade. Não é
escandaloso que os maiores benefícios ocorram nas maiores pensões?
Em terceiro lugar, estas pensões são injustas, porque são um
privilégio que nunca foi nem poderia ter sido alargado ao sector privado e
porque jamais poderão continuar a ser atribuídas nestes montantes no futuro.
Mas, pelos vistos, corrigir uma fortíssima injustiça é, de
acordo com a leitura que estes juízes fazem da actual constituição,
inconstitucional.
Fica-se com uma dúvida profunda: que peso atribuiu o TC ao
preceito constitucional de ter as contas públicas equilibradas, em contraponto
com o corte nas pensões? Isto para já não falar na gravidade do desequilíbrio
das nossas finanças públicas, que nos tem mantido em estado de protectorado
desde 2011. Fica-se com a sensação que o TC colocou extremamente mal o
problema. Para o TC parece que a dúvida é cortar ou não as pensões, em vez de
ser cortar as pensões para equilibrar as contas públicas ou não cortar as
pensões e correr o risco de precisarmos de um segundo resgate, com mais vários
anos de desrespeito pelo preceito constitucional sobre contas públicas, para
além do prolongamento do período de soberania diminuída, que também contraria a
constituição.
Como venho defendendo há vários anos, parece evidente a
necessidade de uma revisão constitucional que atribua uma importância acrescida
ao equilíbrio das contas públicas e submeta todos os direitos adquiridos à
sustentabilidade das finanças públicas. Os direitos adquiridos deveriam passar
a estar explicitamente previstos na Constituição, o que, por mais estranho que
pareça, não é o caso, para também passarem a estar subordinados ao respeito
pelo equilíbrio orçamental.
Para além de profundamente injusta, a decisão do TC é também
contra a lei da gravidade. Há mais de três décadas que Portugal tem uma taxa de
natalidade inferior ao necessário para a sustentabilidade da população e há
mais de uma década que a economia praticamente não cresce. Para além destas
condições altamente precárias de sustentar qualquer sistema de pensões, acresce
que Portugal tem também, no sector público, pensionistas a beneficiar de um dos
sistemas mais louca e impossivelmente generosos que é possível de imaginar.
Como é que pode passar pela cabeça de alguém que este estado de coisas pode
continuar como está?
Como ainda não chegámos à fase em que o Estado legisla o
número de filhos que cada pessoa deve ter, nem ainda podemos decretar qual a
taxa de crescimento potencial da economia, a única alternativa possível parece
ser cortar nas pensões, sobretudo nas mais injustas.
Para além disso, estamos já a sofrer de uma forte sangria de
emigração e, se tivermos mais impostos, em substituição dos cortes das pensões,
teremos mais desemprego e mais emigração. Tudo isso deverá corroer ainda mais a
capacidade da nossa economia suportar as actuais pensões.
Se não for com este governo, será com outro. Se não for com
este TC, será com outro. Se não for com esta constituição, será com outra. Se
não for dentro do euro, será fora do euro. Mas uma coisa vos garanto: as
pensões vão cair, e muitíssimo mais do que o corte modesto que este governo
pretendia aplicar. A “lei da gravidade” económica assim o forçará.
[Publicado no jornal “i”]
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