Os sectores que mais
beneficiaram com o euro, banca, construção e energia, deverão ser os mais
sofrerão com o seu fim
Em economia, uma renda económica é um rendimento fruto de um
défice de competição, que tanto pode ser natural como artificial. O euro criou
muitas rendas, sobretudo nos sectores da banca, construção e energia, que não
poderiam ter ocorrido se tivéssemos mantido o escudo.
A bem dizer, não é inteiramente correcto dizer que o euro
criou estas rendas. Na verdade, foi um défice de compreensão dos mecanismos
económicos do euro que levaram muitos, com particular destaque para Vítor
Constâncio, a ignorar a necessidade de continuar a respeitar a restrição
externa e a declarar que o défice externo tinha deixado de ser relevante.
Partindo desta erradíssima premissa, que nos haveria de
levar directamente para os braços da troika,
os sucessivos governos, desde 1995, estimularam fortemente a procura interna.
Este estímulo criou uma profunda distorção na economia, gerando uma abundância
totalmente artificial nos sectores dedicados à economia portuguesa e um sufoco nos
sectores que competiam no exterior, esmagados por uma escalada de custos, quer
nos serviços quer nos salários, que aquele estímulo gerou e que seria
impossível de acompanhar.
Com os sinais – totalmente errados – criados pela política
económica, os sectores não transaccionáveis (dependentes da procura interna) expandiram-se
enquanto os sectores expostos à concorrência internacional definharam quase
todos.
Vejamos, em particular, três sectores, que foram dos maiores
beneficiários com o euro: a banca, a construção e a energia.
Ainda antes da entrada no euro, a descida drástica e
estrutural das taxas de juro para os níveis que iriam vigorar na nova moeda
provocou uma explosão na concessão de crédito. Se o aumento do crédito era
inevitável, já a distribuição sectorial deste não tinha que ser o disparate que
foi, com a esmagadora fatia a ir para a habitação e construção, o que jamais permitira
pagar a brutal dívida externa criada em contrapartida da explosão do crédito
bancário. No entanto, enquanto a bonança durou, o sector bancário pôde inchar
em pessoal, regalias aos trabalhadores e sobretudo administradores, bem como
lucros aos accionistas.
É importante salientar que a euforia que se apoderou do
sector bancário jamais poderia ter tido lugar com o escudo. Entretanto, o euro
ainda não acabou, mas o sector bancário já está a pagar, muito parcialmente, os
erros que cometeu. Quando o euro chegar ao fim, o sector bancário passará a
pagar uma fatia muito maior dos seus erros.
O sector da construção foi outro enormemente beneficiado com
o euro, não só pelo sector privado, mas também pelo sector público, em que a
orgia de obras públicas, tantas vezes da mais duvidosa utilidade (sobretudo se
submetidas a uma análise custo-benefício), expandiu o sector de forma
totalmente insustentável. Deixando uma forte dúvida, como salientava um
empresário: porquê criar tantos empregos num sector onde os portugueses não
querem trabalhar? Será que isto teve alguma coisa a ver com financiamento
partidário?
No caso da construção, o fim da insustentabilidade é ainda
muito mais evidente do que na banca, sendo a actividade no exterior a única
alternativa à falência dentro de portas. Pode ser difícil de acreditar, mas o
fim do euro ainda deve trazer mais más notícias, sendo provável que se vejam à
venda casas novas abaixo do preço de construir uma nova.
Finalmente, temos o caso da energia, onde se criaram as
maiores alcavalas, para subsidiar as energias renováveis, mas não só. Estes
excessos foram criados pelo euro, num duplo sentido. Por um lado, a ilusão de a
restrição externa ter desaparecido permitiu que se subisse enormemente os
custos de energia às empresas, destruindo a sua competitividade. Com o escudo,
este disparate teria conhecido um forte travão e nunca poderia ter ido tão
longe. Por outro lado, as baixas taxas de juro do euro permitiram a negociação
de contratos leoninos, contra o Estado e os consumidores, que com as taxas de
juro do escudo seriam proibitivos.
Neste momento, já há tímidas medidas de reversão destas
asneiras, mas quando voltarmos ao escudo, a pressão será muito mais brutal e o
sector da energia perderá muitas das rendas de que hoje beneficia (de forma
muito pouco razoável).
[Publicado no jornal “i”]
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