quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

As rendas do euro

Os sectores que mais beneficiaram com o euro, banca, construção e energia, deverão ser os mais sofrerão com o seu fim

Em economia, uma renda económica é um rendimento fruto de um défice de competição, que tanto pode ser natural como artificial. O euro criou muitas rendas, sobretudo nos sectores da banca, construção e energia, que não poderiam ter ocorrido se tivéssemos mantido o escudo.

A bem dizer, não é inteiramente correcto dizer que o euro criou estas rendas. Na verdade, foi um défice de compreensão dos mecanismos económicos do euro que levaram muitos, com particular destaque para Vítor Constâncio, a ignorar a necessidade de continuar a respeitar a restrição externa e a declarar que o défice externo tinha deixado de ser relevante.

Partindo desta erradíssima premissa, que nos haveria de levar directamente para os braços da troika, os sucessivos governos, desde 1995, estimularam fortemente a procura interna. Este estímulo criou uma profunda distorção na economia, gerando uma abundância totalmente artificial nos sectores dedicados à economia portuguesa e um sufoco nos sectores que competiam no exterior, esmagados por uma escalada de custos, quer nos serviços quer nos salários, que aquele estímulo gerou e que seria impossível de acompanhar.

Com os sinais – totalmente errados – criados pela política económica, os sectores não transaccionáveis (dependentes da procura interna) expandiram-se enquanto os sectores expostos à concorrência internacional definharam quase todos.

Vejamos, em particular, três sectores, que foram dos maiores beneficiários com o euro: a banca, a construção e a energia.

Ainda antes da entrada no euro, a descida drástica e estrutural das taxas de juro para os níveis que iriam vigorar na nova moeda provocou uma explosão na concessão de crédito. Se o aumento do crédito era inevitável, já a distribuição sectorial deste não tinha que ser o disparate que foi, com a esmagadora fatia a ir para a habitação e construção, o que jamais permitira pagar a brutal dívida externa criada em contrapartida da explosão do crédito bancário. No entanto, enquanto a bonança durou, o sector bancário pôde inchar em pessoal, regalias aos trabalhadores e sobretudo administradores, bem como lucros aos accionistas.

É importante salientar que a euforia que se apoderou do sector bancário jamais poderia ter tido lugar com o escudo. Entretanto, o euro ainda não acabou, mas o sector bancário já está a pagar, muito parcialmente, os erros que cometeu. Quando o euro chegar ao fim, o sector bancário passará a pagar uma fatia muito maior dos seus erros.

O sector da construção foi outro enormemente beneficiado com o euro, não só pelo sector privado, mas também pelo sector público, em que a orgia de obras públicas, tantas vezes da mais duvidosa utilidade (sobretudo se submetidas a uma análise custo-benefício), expandiu o sector de forma totalmente insustentável. Deixando uma forte dúvida, como salientava um empresário: porquê criar tantos empregos num sector onde os portugueses não querem trabalhar? Será que isto teve alguma coisa a ver com financiamento partidário?

No caso da construção, o fim da insustentabilidade é ainda muito mais evidente do que na banca, sendo a actividade no exterior a única alternativa à falência dentro de portas. Pode ser difícil de acreditar, mas o fim do euro ainda deve trazer mais más notícias, sendo provável que se vejam à venda casas novas abaixo do preço de construir uma nova.

Finalmente, temos o caso da energia, onde se criaram as maiores alcavalas, para subsidiar as energias renováveis, mas não só. Estes excessos foram criados pelo euro, num duplo sentido. Por um lado, a ilusão de a restrição externa ter desaparecido permitiu que se subisse enormemente os custos de energia às empresas, destruindo a sua competitividade. Com o escudo, este disparate teria conhecido um forte travão e nunca poderia ter ido tão longe. Por outro lado, as baixas taxas de juro do euro permitiram a negociação de contratos leoninos, contra o Estado e os consumidores, que com as taxas de juro do escudo seriam proibitivos.

Neste momento, já há tímidas medidas de reversão destas asneiras, mas quando voltarmos ao escudo, a pressão será muito mais brutal e o sector da energia perderá muitas das rendas de que hoje beneficia (de forma muito pouco razoável).


[Publicado no jornal “i”]

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