O excedente externo
alemão é mau não só para a zona do euro, como para o mundo como um todo
Políticos demagogos e irresponsáveis, demasiadas vezes o
espelho do eleitorado, têm tendência para criar défices públicos e défices
externos. Os défices públicos surgem de despesas públicas imparáveis, para
satisfazer inúmeras clientelas, a par de impostos insuficientes, devido à sua
impopularidade.
As políticas que gerem défices públicos têm tendência para
gerar défices externos (por isso, muitas vezes designados como défices gémeos),
a que muitas vezes se adiciona outra, uma taxa de câmbio artificialmente
elevada, que os agrava. Uma taxa de câmbio elevada diminui o preço dos bens
importados, o que no caso dos bens alimentares e combustíveis é muito popular e
atraente para políticos de todas as cores.
Em 1978 e 1983, foi exactamente o problema de um défice
externo elevado a razão porque tivemos que pedir ajuda ao FMI. Em 2011, embora
não fosse essa a face visível, foi também esse o motivo porque tivemos de pedir
ajuda à troika. Com moeda própria, os
défices públicos não são um problema porque podemos sempre imprimir moeda para
os financiarmos. Mas como não podemos imprimir dólares, temos mesmo que
eliminar o défice externo. Dentro do euro, é o défice público que tem que ser
corrigido, porque imprimir moeda deixou de ser uma opção.
Há, no entanto, uma diferença muitíssimo importante entre um
défice público e um défice externo. Se um país tem um défice público elevado,
isso não tem implicações sobre o saldo orçamental dos outros, que tanto pode
ser positivo, como negativo.
Com as contas externas já não se passa o mesmo. Se um
determinado país tem um défice externo, então há algures no mundo um
correspondente excedente externo de igual montante. Tudo isto porque a soma de
todos os saldos externos de todos os países é zero.
Por isso, se um grande país, como a Alemanha ou a China, têm
um elevado excedente externo, eles estão – necessariamente – a gerar, algures
no mundo, défices externos elevados.
O problema é que existe uma brutal assimetria nos desvios ao
equilíbrio externo. Se os desvios a um saldo nulo forem negativos (défices), o
país terá rapidamente que encontrar forma de os reduzir, sob pena de ficar sem
financiamento externo. Já se os desvios forem positivos (excedentes), o país
não é forçado a fazer nada, podendo limitar-se a acumular reservas em divisas,
ir emprestando dinheiros aos países deficitários ou comprar activos no
exterior.
Se os desvios do equilíbrio externo produzissem,
naturalmente, uma pressão idêntica de ambos os lados, o trabalho dos países
deficitários ficava muito mais facilitado. Por isso é que faz sentido que, para
corrigir esta imperfeição natural, se introduzam medidas de política que forcem
os países excedentários a reduzir o seu excedente.
Segundo as actuais regras europeias, ao ultrapassar um
superavit de 6% do PIB (entre 2012 e 2015), a Alemanha comete uma infracção,
embora seja muito duvidoso que seja alvo de alguma sanção.
No entanto, defendo que o limite para o superavit seja
reduzido, como seja introduzido um outro limite nominal, porque aqui é isso que
conta. Um excedente de 1% do PIB na Alemanha é muitíssimo mais importante do
que um excedente de 10% do PIB no Luxemburgo.
Ao ter um excedente elevado, a Alemanha está a prejudicar a
periferia da Europa de duas formas. Em primeiro lugar, por lhes dificultar
reduzir os défices externos e, em segundo, por estar a conduzir a uma
apreciação do euro, que também aumenta aquela dificuldade.
Mas a Alemanha também está a dificultar a recuperação da
economia mundial. Um excedente externo ocorre quando um país gasta menos do que
o que produz. Como a economia mundial se depara, neste momento, com um défice
de procura, a Alemanha, está a agravar este défice e a reduzir o crescimento da
economia mundial.
Por tudo isto, os países periféricos deveriam estar a fazer
pressão para a Alemanha reduzir o seu excedente externo. Qualquer que seja a
política usada para isso, subida dos salários alemães ou aumento da sua despesa
pública, ela ajudaria os outros países. Para além disso, este tema também
deveria fazer parte do debate do G20.
[Publicado no jornal i]
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