quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Excedente alemão

O excedente externo alemão é mau não só para a zona do euro, como para o mundo como um todo

Políticos demagogos e irresponsáveis, demasiadas vezes o espelho do eleitorado, têm tendência para criar défices públicos e défices externos. Os défices públicos surgem de despesas públicas imparáveis, para satisfazer inúmeras clientelas, a par de impostos insuficientes, devido à sua impopularidade.

As políticas que gerem défices públicos têm tendência para gerar défices externos (por isso, muitas vezes designados como défices gémeos), a que muitas vezes se adiciona outra, uma taxa de câmbio artificialmente elevada, que os agrava. Uma taxa de câmbio elevada diminui o preço dos bens importados, o que no caso dos bens alimentares e combustíveis é muito popular e atraente para políticos de todas as cores.

Em 1978 e 1983, foi exactamente o problema de um défice externo elevado a razão porque tivemos que pedir ajuda ao FMI. Em 2011, embora não fosse essa a face visível, foi também esse o motivo porque tivemos de pedir ajuda à troika. Com moeda própria, os défices públicos não são um problema porque podemos sempre imprimir moeda para os financiarmos. Mas como não podemos imprimir dólares, temos mesmo que eliminar o défice externo. Dentro do euro, é o défice público que tem que ser corrigido, porque imprimir moeda deixou de ser uma opção.

Há, no entanto, uma diferença muitíssimo importante entre um défice público e um défice externo. Se um país tem um défice público elevado, isso não tem implicações sobre o saldo orçamental dos outros, que tanto pode ser positivo, como negativo.

Com as contas externas já não se passa o mesmo. Se um determinado país tem um défice externo, então há algures no mundo um correspondente excedente externo de igual montante. Tudo isto porque a soma de todos os saldos externos de todos os países é zero.

Por isso, se um grande país, como a Alemanha ou a China, têm um elevado excedente externo, eles estão – necessariamente – a gerar, algures no mundo, défices externos elevados.

O problema é que existe uma brutal assimetria nos desvios ao equilíbrio externo. Se os desvios a um saldo nulo forem negativos (défices), o país terá rapidamente que encontrar forma de os reduzir, sob pena de ficar sem financiamento externo. Já se os desvios forem positivos (excedentes), o país não é forçado a fazer nada, podendo limitar-se a acumular reservas em divisas, ir emprestando dinheiros aos países deficitários ou comprar activos no exterior.

Se os desvios do equilíbrio externo produzissem, naturalmente, uma pressão idêntica de ambos os lados, o trabalho dos países deficitários ficava muito mais facilitado. Por isso é que faz sentido que, para corrigir esta imperfeição natural, se introduzam medidas de política que forcem os países excedentários a reduzir o seu excedente.

Segundo as actuais regras europeias, ao ultrapassar um superavit de 6% do PIB (entre 2012 e 2015), a Alemanha comete uma infracção, embora seja muito duvidoso que seja alvo de alguma sanção.

No entanto, defendo que o limite para o superavit seja reduzido, como seja introduzido um outro limite nominal, porque aqui é isso que conta. Um excedente de 1% do PIB na Alemanha é muitíssimo mais importante do que um excedente de 10% do PIB no Luxemburgo.

Ao ter um excedente elevado, a Alemanha está a prejudicar a periferia da Europa de duas formas. Em primeiro lugar, por lhes dificultar reduzir os défices externos e, em segundo, por estar a conduzir a uma apreciação do euro, que também aumenta aquela dificuldade.

Mas a Alemanha também está a dificultar a recuperação da economia mundial. Um excedente externo ocorre quando um país gasta menos do que o que produz. Como a economia mundial se depara, neste momento, com um défice de procura, a Alemanha, está a agravar este défice e a reduzir o crescimento da economia mundial.


Por tudo isto, os países periféricos deveriam estar a fazer pressão para a Alemanha reduzir o seu excedente externo. Qualquer que seja a política usada para isso, subida dos salários alemães ou aumento da sua despesa pública, ela ajudaria os outros países. Para além disso, este tema também deveria fazer parte do debate do G20. 

[Publicado no jornal i]

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