quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Excedente alemão (2)

As críticas ao excedente alemão só podem aumentar o sentimento anti-euro na Alemanha

Retomo o tema da semana passada, por duas razões: para o explicar com mais detalhe; para olhá-lo do lado da Alemanha e para as suas implicações políticas.

O saldo das contas externas depende, essencialmente, de três factores: da competitividade, da procura interna e da procura externa. Há ideia de que só a competitividade contaria, mas essa visão é incompleta. Para percebermos melhor a importância da procura interna darei dois exemplos. A Alemanha teve sempre tendência para ter excedentes externos, mas a seguir à reunificação passou a ter défices externos. Isso deveu-se ao facto de se ter lançado num enorme programa de investimento na Alemanha de Leste, para colocar as infra-estruturas nessa zona do país ao nível do que se verificava no resto. Foi esse forte estímulo da procura interna que conduziu esta economia competitiva a ter défices externos durante uma década.

Um outro exemplo é o actual caso português. Apesar de termos tendência para ter défices externos, estamos agora com um excedente externo. Neste caso, a alteração também não é fruto de uma recuperação da competitividade, mas sim de uma queda drástica da procura interna, em resultado das medidas de austeridade.

Em relação à procura externa, ela também afecta as contas externas, embora de forma menos diferenciada do que os outros dois efeitos, por ser mais genérico.

Vejamos agora porque a Alemanha tem um excedente sem paralelo nos pós-guerra e porque isso é grave. A razão porque a Alemanha tem um excedente externo tão elevado deve-se a dois factores. Por um lado, a uma procura interna insuficiente; por outro, devido a uma taxa de câmbio demasiado baixa para este país.

Se a Alemanha mantivesse o marco, este já se teria apreciado muitíssimo e este país não conseguiria ter um excedente tão elevado. Já que a Alemanha está a beneficiar de uma taxa de câmbio tão favorável, por estar no euro, deveria “compensar” os seus parceiros por isso.

A razão porque este excedente é grave é porque quer a Europa, quer o mundo estão a passar por um período de escassez de procura, agravada pela política alemã.

Passemos agora a analisar esta questão na perspectiva do eleitorado germânico. Para ele, esta reivindicação é absurda e inédita. Mais uma vez, é necessário assinalar que este é mais um conflito político criado unicamente pelo euro e que jamais existiria sem o euro. Com o marco alemão, este moeda apreciar-se-ia muito mais e não haveria tantas razões de queixa, até porque o excedente nunca seria tão elevado.

Para o eleitorado alemão, desconhecedor da análise económica que expus hoje e na semana passada, esta queixa inédita dos parceiros europeus e EUA não faz sentido. Para a opinião pública germânica, um excedente externo é um sinal de saúde e de robustez, uma óbvia qualidade, que é absurdo criticar. Imaginem uma pessoa inteligente ser acusada de ser inteligente, uma pessoa simpática ser insultada por ser simpática.

É natural que protestem, indignados, que a Alemanha não faz dumping (venda abaixo de custo) social nem ambiental, como a China, mas isso não deverá desarmar as críticas internacionais.  

Os alemães já estavam bastante desagradados com o facto de o euro estar a desrespeitar aquilo que lhes tinha sido prometido em Maastricht, de que nunca teriam que pagar pelos erros dos outros. Agora, a somar a este descontentamento, vem esta crítica que, para eles, é incompreensível. O resultado final só pode ser uma ainda maior deterioração da imagem desta moeda.

Se as críticas ao excedente alemão se prolongarem e intensificarem não é difícil prever um crescimento eleitoral do partido Alternativa para a Alemanha, que defende a saída do euro, nas eleições europeias, de Maio de 2014. Por seu turno, este crescimento do sentimento anti-euro tem todas as condições para acelerar o fim da moeda única.


[Publicado no jornal “i”]

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