As críticas ao
excedente alemão só podem aumentar o sentimento anti-euro na Alemanha
Retomo o tema da semana passada, por duas razões: para o
explicar com mais detalhe; para olhá-lo do lado da Alemanha e para as suas
implicações políticas.
O saldo das contas externas
depende, essencialmente, de três factores: da competitividade, da procura
interna e da procura externa. Há ideia de que só a competitividade contaria,
mas essa visão é incompleta. Para percebermos melhor a importância da procura
interna darei dois exemplos. A Alemanha teve sempre tendência para ter
excedentes externos, mas a seguir à reunificação passou a ter défices externos.
Isso deveu-se ao facto de se ter lançado num enorme programa de investimento na
Alemanha de Leste, para colocar as infra-estruturas nessa zona do país ao nível
do que se verificava no resto. Foi esse forte estímulo da procura interna que
conduziu esta economia competitiva a ter défices externos durante uma década.
Um outro exemplo é o actual caso português. Apesar de termos
tendência para ter défices externos, estamos agora com um excedente externo.
Neste caso, a alteração também não é fruto de uma recuperação da
competitividade, mas sim de uma queda drástica da procura interna, em resultado
das medidas de austeridade.
Em relação à procura externa, ela também afecta as contas
externas, embora de forma menos diferenciada do que os outros dois efeitos, por
ser mais genérico.
Vejamos agora porque a Alemanha tem um excedente sem
paralelo nos pós-guerra e porque isso é grave. A razão porque a Alemanha tem um
excedente externo tão elevado deve-se a dois factores. Por um lado, a uma
procura interna insuficiente; por outro, devido a uma taxa de câmbio demasiado
baixa para este país.
Se a Alemanha mantivesse o marco, este já se teria apreciado
muitíssimo e este país não conseguiria ter um excedente tão elevado. Já que a
Alemanha está a beneficiar de uma taxa de câmbio tão favorável, por estar no
euro, deveria “compensar” os seus parceiros por isso.
A razão porque este excedente é grave é porque quer a
Europa, quer o mundo estão a passar por um período de escassez de procura,
agravada pela política alemã.
Passemos agora a analisar esta questão na perspectiva do
eleitorado germânico. Para ele, esta reivindicação é absurda e inédita. Mais
uma vez, é necessário assinalar que este é mais um conflito político criado
unicamente pelo euro e que jamais existiria sem o euro. Com o marco alemão,
este moeda apreciar-se-ia muito mais e não haveria tantas razões de queixa, até
porque o excedente nunca seria tão elevado.
Para o eleitorado alemão, desconhecedor da análise económica
que expus hoje e na semana passada, esta queixa inédita dos parceiros europeus
e EUA não faz sentido. Para a opinião pública germânica, um excedente externo é
um sinal de saúde e de robustez, uma óbvia qualidade, que é absurdo criticar.
Imaginem uma pessoa inteligente ser acusada de ser inteligente, uma pessoa
simpática ser insultada por ser simpática.
É natural que protestem, indignados, que a Alemanha não faz dumping (venda abaixo de custo) social
nem ambiental, como a China, mas isso não deverá desarmar as críticas
internacionais.
Os alemães já estavam bastante desagradados com o facto de o
euro estar a desrespeitar aquilo que lhes tinha sido prometido em Maastricht,
de que nunca teriam que pagar pelos erros dos outros. Agora, a somar a este
descontentamento, vem esta crítica que, para eles, é incompreensível. O
resultado final só pode ser uma ainda maior deterioração da imagem desta moeda.
Se as críticas ao excedente alemão se prolongarem e
intensificarem não é difícil prever um crescimento eleitoral do partido
Alternativa para a Alemanha, que defende a saída do euro, nas eleições
europeias, de Maio de 2014. Por seu turno, este crescimento do sentimento anti-euro
tem todas as condições para acelerar o fim da moeda única.
[Publicado no jornal “i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário