Estamos a repetir os
mesmos erros dos anos 30, desta vez sem desculpa
A Grande Depressão, iniciada em 1929 e que só acabou, nos
EUA, mais de uma década depois, com a II Guerra Mundial (1939-1945), teve lugar
num contexto em que o pensamento económico dominante não era capaz de enquadrar
o que estava a acontecer. Por isso, foram tomadas medidas que só agravaram a
crise. Aquilo que começou como mais uma recessão, transformou-se numa enorme
depressão.
O pensamento económico alternativo, liderado por Keynes, não
tinha peso nem na academia nem nas principais instituições económicas.
Entretanto, com o passar do tempo, as ideias keynesianas
tornaram-se dominantes.
Em seguida, e simplificando, diria que o debate científico
passou a ser travado entre a escola neoclássica e a escola neo-keynesiana. Continuando
a simplificar, para distinguir melhor as diferenças, diria que os neoclássicos
defendiam que os mercados resolviam tudo e que ao Estado não caberia mais do
que uma função supletiva. Em contrapartida, os neo-keynesianos enfatizavam as
insuficiências dos mercados e a concomitante necessidade da intervenção do
Estado, para conseguir o equilíbrio nos mercados, em particular no mercado de
trabalho, para atingir o pleno emprego (que não deve ser confundido com a
eliminação do desemprego).
Mais do que um debate científico, esta divergência passou a
ser, na sua essência, um confronto ideológico, entre o Mercado e o Estado. A
honestidade intelectual foi substituída pela ideologia, de forma mais nítida do
lado neoclássico. A desonestidade intelectual que se seguiu, pretendendo forçar
a realidade a conformar-se com a teoria, levou alguns partidários da teoria
neoclássica a defender a ideia – totalmente escandalosa – de que o desemprego
durante as recessões resultava das decisões voluntárias dos desempregados.
Infelizmente, a “teoria” neoclássica domina hoje os
principais centros de poder, sobretudo os bancos centrais, forçando medidas
inconcebíveis, contra toda a evidência empírica. A economia tornou-se, nos dias
de hoje, uma das matérias mais anticientíficas, em que todas as experiências
concretas que rejeitam a ideologia dominante vigente são ignoradas e
vilipendiadas.
O extraordinário fracasso do mercado, em particular no
sector financeiro, tem sido desvalorizado duma forma inexplicável. Mais ainda,
os modelos neoclássicos têm produzido previsões totalmente erradas (a
austeridade virtuosa), enquanto os modelos neo-keynesianos se têm comportado
muito bem durante a crise.
Se o debate científico na economia não tivesse sido
sequestrado pela ideologia, há muito que as teses neoclássicas teriam sido
deitadas para o caixote de lixo da história. Não só isso não aconteceu, como
elas continuam dominantes.
Demos a volta completa. Nos anos 30, a teoria clássica era
dominante, estando a ser desafiada pela teoria keynesiana. Pouco tempo depois,
esta passou para a mó de cima, durante várias décadas. Nos anos 80 e 90 a
teoria neoclássica tornou-se na tese dominante, sendo desafiada, com pouco
sucesso institucional, pelos neo-keynesianos.
Estamos a repetir os erros dos anos 30. Então como agora, havia
uma teoria dominante que estava errada, sendo contestada por uma teoria
alternativa, muito mais correcta e útil. Mas há aqui uma grande diferença. Nos
anos 30 a teoria keynesiana era completamente nova e nunca tinha sido testada.
Neste momento, temos décadas de um historial de sucesso das teses keynesianas e
um claríssimo fracasso do defendido pelos neoclássicos. Não temos desculpa por
estar a repetir estes erros.
Em 1934, o presidente americano Roosevelt aprovou um
alargado programa de obras públicas, de contornos claramente keynesianos,
embora não assumidos. Em 1937, convencidos de que retoma já estava garantida,
as autoridades retiraram medidas de estímulo, fazendo regressar a recessão.
Temo imenso que o presidente da Reserva Federal, na sua
decisão recente de abrandar os estímulos monetários, esteja a ter o seu momento
“1937”. Com consequências péssimas para a economia mundial, na pior conjuntura.
[Publicado no jornal i]