terça-feira, 22 de junho de 2010

Alemanha egoísta mas não irracional

Um equívoco frequente na coordenação de políticas económicas é pensar que todos os países envolvidos devem ter as mesmas políticas. Na actual conjuntura, é evidente que a política orçamental recomendada para a Alemanha é completamente diferente das recomendadas para Portugal e Grécia. Nós não temos alternativa à consolidação orçamental mas a Alemanha tem, porque tem fácil acesso a crédito a baixas taxas de juro.

Dada a dimensão da sua economia, uma expansão orçamental alemã, para além de reduzir o seu desemprego, estimula as economias em praticamente todos os países europeus o que, por seu turno, beneficia as exportações alemãs. Uma melhoria das condições económicas na Europa ajuda à consolidação orçamental de todos, o que diminui a pressão sobre as dívidas soberanas, às quais os bancos alemães estão fortemente expostos. Assim, a Alemanha está numa posição ímpar para beneficiar dos resultados de uma expansão orçamental que decida fazer. Dada a excepcional sensibilidade dos mercados à dívida soberana, os benefícios até poderiam exceder os custos.

Ou seja, por questões de puro egoísmo a Alemanha poderia escolher ajudar a Europa, ao ajudar-se a si própria. Infelizmente, continua a teimar irracionalmente na ortodoxia orçamental.


[também publicado no http://cachimbodemagritte.blogspot.com/]

5 comentários:

Adriano Volframista disse...

Pedro Braz Teixeira

Parece-me que enquadra a questão de um ângulo tão agudo que cria uma paralaxe de visão.
Numa coordenação de políticas, os parceiros não podem ter duas filosofias diferentes: uns descontarem já o rendimento futuro (gregos e quejandos) e outros viverem do rendimento esperado para o período :alemães e finlandeses.
Num primeiro a sustentabilidade futura do modelo é posta em risco em favor do conforto presente, no segundo é exactamente o contrário.
Nesta situação temos duas posições paralelas: estão condenadas a nunca se encontrarem, salvo se desejarem suportar sacrfícios muito grandes.
A questão neste sentido é de saber identificar duas variáveis:
a) Qual o ponto em que a dor não é suportável politicamente falando, isto é, até quando podemos prometer um rendimento superior que compense a má situaçao actual;
b) Até que ponto valerá a pena manter a relação, isto é qual o ponto em que a melhoria é considerada como não alcançável.

Em qualquer dos casos,a escolha da Alemanha é racional e egoísta, na mesma medida em que o é, a dos países do sul...
Cumprimentos
joão

Pedro Braz Teixeira disse...

1) A taxa de desconto dos alemães é muito mais baixa do que a dos gregos.
2) Eu só defendo um estímulo orçamental (ou apenas não contracção) alemã no curto prazo, como forma de ajudar à recuperação da pior crise das últimas décadas.
3) A escolha dos países do Sul não é racional, é simplesmente irresponsável.

ricardo disse...

Os alemães sabem que têm uma montanha de responsabilidades futuras com reformas que não estão contabilizadas, portanto como não são irresponsáveis, têm que manter uma taxa de poupança elevada para não fazer aos seus reformados aquilo que os países endividados vão fazer.
Chamem-lhe egoísmo, eu chamo boa gestão.

Anónimo disse...

O problema dos alemães é que é único pais do mundo onde se verifica a equivalência ricardiana. E os alemães ocidentais já estão fartos de sustentar os calões de Leste, convém também que se diga

na mesma linha de abordagem

É curioso ver que há países, como a Alemanha, que querem ter excedentes comerciais - para isso, vendendo a outros - e depois reclamam dos défices dos seus clientes. Vamos deixar de comprar carros alemães para lhes fazer a vontade?

Adriano Volframista disse...

Pedro Braz Teixeira

Comentários:
a) A diferença reflecte o modo como a estratégia de cada um dos países face à situação presente e futura é valorada e, necessariamente, qual é a expectativa do cumprimento no médio prazo, das obrigações assumidas; nesse sentido, a situação grega (e nossa) é uma questão de solvência e não de liquidez;
b) O facto dos europeus se conhecerem há mais de mil anos, permite inferir com algum grau de certeza que, a solução (transitória na sua proposta), que propõe, apenas adia o inevitável, ergo, porque adiar?
c)A escolha dos países do sul é racional na medida em que optaram por antecipar rendimentos futuros, é egoísta, porque transferiram para gerações futuras o pagamento do rendimento presente; por isso, a bancarrota eliminaria o ónus futuro e é, realmente, a melhor solução.
Cumprimentos
joão