quarta-feira, 16 de junho de 2010

Limitar os défices (2)

O ministro Luís Amado veio insistir no debate sobre os limites aos défices públicos inscritos na constituição. Parece-me que, mais importante do que proibir défices excessivos, é a constituição conter normas que facilitem o cumprimento desse objectivo. Devia haver uma norma de importância superior, à qual muitas outras deveriam ser subordinadas: a sustentabilidade das finanças públicas. O princípio dos direitos adquiridos deveria ser constitucionalizado explicitamente, mas subordinado ao princípio da sustentabilidade das finanças públicas. Sempre que os direitos adquiridos pusessem em causa este princípio, deixavam de ser “adquiridos”.

Mas é preciso ainda perguntar: o que é um défice “excessivo”? Há um forte equívoco que continua a minar o pensamento europeu sobre isto. Um défice excessivo não é um défice superior a 3% do PIB, mas sim um défice que impede a estabilização macroeconómica. Por exemplo, em 1999 em Portugal um défice de apenas 0,1% do PIB deveria ser considerado excessivo porque na altura precisávamos de ter superavits orçamentais, para contrariar o estímulo excessivo provocado pela descida das taxas de juro associadas à entrada no euro. O facto de não os termos tido foi um erro gravíssimo, para o qual muitos na altura chamaram a atenção e que provocou a nossa drástica perda de competitividade e a divergência estrutural com a UE. Ou seja, colocar na constituição o equívoco de que um défice excessivo é um défice superior a “x” é uma infeliz ideia.

Também se deveria considerar introduzir na constituição um limite à despesa pública (em percentagem do PIB). A nossa despesa pública tem dois problemas: um estático e outro dinâmico. O problema estático é a falta de eficiência, obtemos muito poucos resultados em troca do que gastamos. O combate ao desperdício poderá minorar o problema da ineficiência, mas nunca resolverá o problema dinâmico. Este existe porque há acordos que fazem crescer exponencialmente a despesa nas suas duas componentes principais: salários e pensões. Há quase uma década que todos os anos se têm aplicado medidas de contenção orçamental, mas como é que evoluiu a despesa? Subiu de 44% para 51% do PIB entre 2001 e 2010 (Ameco). A dinâmica da nossa despesa pública é tão intensa que numa década de contenção orçamental esta explodiu. Se não se tivesse feito nenhum esforço de consolidação orçamental, onde estaria hoje a despesa pública?

Como é óbvio, esta dinâmica precisa de ser travada e para isso proponho as seguintes medidas (tão drásticas quanto a gravidade do problema o exige). Qualquer tabela salarial no Estado que pressuponha para a maioria dos trabalhadores aumentos superiores aos aumentos médios de produtividade da economia devem ser consideradas em violação do novo princípio constitucional da sustentabilidade das contas públicas e consequentemente revogadas. Isto levaria à revogação de todas as tabelas salariais públicas em vigor, que deveriam ser substituídas por tabelas salariais em que as progressões automáticas passariam a estar indexadas ao crescimento da produtividade do conjunto da economia (em média de vários anos). As tabelas em vigor dificilmente seriam sustentáveis numa economia a crescer 3% ao ano (média até final dos anos noventa), mas são completamente insustentáveis numa economia que, estruturalmente, só cresce 1%.

As pensões acima de 1 500€ que não decorram de toda a carreira contributiva ficam congeladas até que a pensão calculada pelo conjunto de toda a carreira contributiva atinja aquele valor. Os chefes que autorizem pensões antecipadas em serviços com falta desse tipo de pessoal perdem um ano de descontos para a reforma por cada pensão antecipada que autorizem. Se houver vários chefes envolvidos, corta-se um ano a cada um deles.

Qual é a alternativa? Chegarmos a 2020 com o IVA a 30%, uma economia de rastos e uma bancarrota pelo meio.

PS. Por favor, lembrem-se que Portugal não é a Grécia, mas a Grécia é um indicador avançado de Portugal.

[Publicado hoje no Jornal de Negócios]

1 comentário:

Adriano Volframista disse...

Pedro Braz Teixeira

Sobre este tema que me parece mais uma manobra para desviar as atenções apenas os seguintes comentários, que aliás, os fiz no 4ª Republica:

a) O facto de estar consagrado na Constituição torna a regra aplicável: não necessariamente, veja o caso da regionalização que anda para ser feita há mais de 35 anos;
b) Quais são as consequências da declaração de inconstitucionalidade no plano administrativo? E como se processa a declaração ? Quem tem legitimidade para suscitar? Não está resolvido e seria o debate mais importante
c)Não podemos alcançar os mesmos objectivos, sem ter de criar uma norma constitucional? Claro que se pode, através de uma nova lei de enquadramente orçamental, com evidentes vantagens, porque se poderia impor sanções.

Acho que está na altura de se discutir com maturidade os problemas.
Cumprimentos
joão