quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sistema bancário em risco

A imperiosa necessidade de consolidar as finanças públicas e as dificuldades em o concretizar colocam sérios riscos sobre o sistema bancário português.

Parece-me interessante analisar o que se passaria em Portugal se tivéssemos que pagar a dívida pública com o spread com que a Grécia actualmente paga (cerca de 200pb), embora esta análise não incida tanto sobre as contas públicas, mas sobretudo sobre o sistema bancário. Ao ritmo a que as coisas se estão a deteriorar, rapidamente chegaremos à actual situação da Grécia, pelo que talvez convenha ponderar um pouco este cenário.

Cerca de dois quintos do crédito concedido em Portugal é crédito à habitação, com spreads muito abaixo dos 200pb e por prazos muito longos. Ou seja, os bancos portugueses passariam a ter quase metade da carteira a dar fortes prejuízos e algemados por um período muito longo. Isto não aconteceria imediatamente porque parte deste crédito já está “casado” com financiamento de médio prazo com spread já negociado, mas é importante recordar que os mercados financeiros não reagem a acontecimentos passados, mas costumam antecipar o futuro.

Como é evidente, os credores externos dos bancos portugueses não iriam ficar nada agradados com esta situação, que tem todas as condições para se transformar numa espiral de agravamento sucessivo de spreads, que gera mais prejuízos, que gera maior alargamento de spreads, etc.

Entretanto, os bancos portugueses seriam tentados a recuperar no resto da carteira os prejuízos do crédito à habitação. Ou seja, seriam tentados a cobrar bastante mais por esse crédito do que o seu risco justificaria (e não esquecer que o spread base “sem risco” estaria nos 200pb).

Todas as empresas tenderiam a ser prejudicadas por isso, em particular as empresas do sector transaccionável, que têm naturalmente maior risco e que veriam a sua competitividade agravada. De qualquer forma a economia como um todo passaria a ter menos crédito ou em piores condições. Tudo isto agravaria as condições gerais de crescimento (e por conseguinte travaria o crescimento da receita fiscal) e agravaria a competitividade (e por conseguinte deterioraria a trajectória da dívida externa).

O apertar do crédito iria gerar falências e desemprego, aumentando o crédito mal parado e deteriorando a posição dos bancos.

À medida que os bancos fossem cortando crédito ao resto da economia, o peso relativo da sua carteira de crédito à habitação (o tal que passaria a dar sempre prejuízo) iria aumentando, fragilizando ainda mais a posição dos bancos.

Os prejuízos dos bancos criariam uma pressão adicional sobre as finanças públicas, seja ao nível de ajudas aos bancos que se aguentassem, seja através da garantia dos depósitos dos bancos que falissem. Se as coisas se agravarem ao ponto a que estão aqui descritas nem vale a pena argumentar sobre quem tem as responsabilidades pela garantia dos depósitos em tempos “normais”.

Tendo em atenção o que o Estado já gastou com o BPN, imaginar a factura para o conjunto do sistema bancário é do domínio do filme de terror.

Com as finanças públicas ainda mais agravadas (nada do que aqui escrevi está reflectido nas actuais previsões sobre a dívida pública) todo o cenário de descalabro se reforça, com os spreads de financiamento do Estado e da banca a subir.

Já teríamos entrado numa espiral que se alimentaria de vários canais. A dado momento o mais provável é que o crédito externo pura e simplesmente parasse e então teríamos uma catástrofe de proporções bíblicas, sendo muito provável que passássemos a ter mais de um milhão de desempregados.

Há banqueiros que aplaudem os projectos faraónicos de endividamento público (na expectativa de ganhar umas comissões de financiamento), esquecendo que este endividamento ajuda a que o cenário atrás descrito se materialize, colocando os bancos em sério risco.

Há várias conclusões óbvias desta análise, mas escolho a importância de acompanhar o caso grego como indicador avançado do que nos pode vir a acontecer. As condições de finanças públicas são piores na Grécia, mas parecem menos difíceis de resolver. A Grécia tem hoje uma despesa pública ao nível da de 2000 (em Portugal subiu 8pp do PIB) e as receitas fiscais estão abaixo das desse ano (em Portugal subiram 5pp). Para além disso, tem um potencial de crescimento da ordem dos 4% (o nosso é pouco mais de 1%), o que lhe permite ter alguma esperança na capacidade da retoma de melhorar as contas públicas.

Há uma outra diferença, que poderá ser decisiva a fazer-nos “ultrapassar” a Grécia: eles têm um governo maioritário e nós temos um governo minoritário e uma oposição que não prima pela responsabilidade.

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