A imperiosa necessidade de consolidar as finanças
públicas e as dificuldades em o concretizar colocam sérios riscos sobre o
sistema bancário português.
Parece-me interessante analisar o que se passaria em
Portugal se tivéssemos que pagar a dívida pública com o spread com que a Grécia actualmente paga (cerca de 200pb), embora
esta análise não incida tanto sobre as contas públicas, mas sobretudo sobre o
sistema bancário. Ao ritmo a que as coisas se estão a deteriorar, rapidamente
chegaremos à actual situação da Grécia, pelo que talvez convenha ponderar um
pouco este cenário.
Cerca de dois quintos do crédito concedido em Portugal é
crédito à habitação, com spreads
muito abaixo dos 200pb e por prazos muito longos. Ou seja, os bancos
portugueses passariam a ter quase metade da carteira a dar fortes prejuízos e
algemados por um período muito longo. Isto não aconteceria imediatamente porque
parte deste crédito já está “casado” com financiamento de médio prazo com spread já negociado, mas é importante
recordar que os mercados financeiros não reagem a acontecimentos passados, mas
costumam antecipar o futuro.
Como é evidente, os credores externos dos bancos portugueses
não iriam ficar nada agradados com esta situação, que tem todas as condições
para se transformar numa espiral de agravamento sucessivo de spreads, que gera mais prejuízos, que
gera maior alargamento de spreads,
etc.
Entretanto, os bancos portugueses seriam tentados a
recuperar no resto da carteira os prejuízos do crédito à habitação. Ou seja, seriam
tentados a cobrar bastante mais por esse crédito do que o seu risco
justificaria (e não esquecer que o spread
base “sem risco” estaria nos 200pb).
Todas as empresas tenderiam a ser prejudicadas por isso, em
particular as empresas do sector transaccionável, que têm naturalmente maior
risco e que veriam a sua competitividade agravada. De qualquer forma a economia
como um todo passaria a ter menos crédito ou em piores condições. Tudo isto
agravaria as condições gerais de crescimento (e por conseguinte travaria o
crescimento da receita fiscal) e agravaria a competitividade (e por conseguinte
deterioraria a trajectória da dívida externa).
O apertar do crédito iria gerar falências e desemprego,
aumentando o crédito mal parado e deteriorando a posição dos bancos.
À medida que os bancos fossem cortando crédito ao resto da
economia, o peso relativo da sua carteira de crédito à habitação (o tal que
passaria a dar sempre prejuízo) iria aumentando, fragilizando ainda mais a posição
dos bancos.
Os prejuízos dos bancos criariam uma pressão adicional sobre
as finanças públicas, seja ao nível de ajudas aos bancos que se aguentassem,
seja através da garantia dos depósitos dos bancos que falissem. Se as coisas se
agravarem ao ponto a que estão aqui descritas nem vale a pena argumentar sobre quem
tem as responsabilidades pela garantia dos depósitos em tempos “normais”.
Tendo em atenção o que o Estado já gastou com o BPN,
imaginar a factura para o conjunto do sistema bancário é do domínio do filme de
terror.
Com as finanças públicas ainda mais agravadas (nada do que
aqui escrevi está reflectido nas actuais previsões sobre a dívida pública) todo
o cenário de descalabro se reforça, com os spreads
de financiamento do Estado e da banca a subir.
Já teríamos entrado numa espiral que se alimentaria de
vários canais. A dado momento o mais provável é que o crédito externo pura e
simplesmente parasse e então teríamos uma catástrofe de proporções bíblicas,
sendo muito provável que passássemos a ter mais de um milhão de desempregados.
Há banqueiros que aplaudem os projectos faraónicos de
endividamento público (na expectativa de ganhar umas comissões de
financiamento), esquecendo que este endividamento ajuda a que o cenário atrás
descrito se materialize, colocando os bancos em sério risco.
Há várias conclusões óbvias desta análise, mas escolho a
importância de acompanhar o caso grego como indicador avançado do que nos pode
vir a acontecer. As condições de finanças públicas são piores na Grécia, mas parecem
menos difíceis de resolver. A Grécia tem hoje uma despesa pública ao nível da
de 2000 (em Portugal subiu 8pp do PIB) e as receitas fiscais estão abaixo das
desse ano (em Portugal subiram 5pp). Para além disso, tem um potencial de
crescimento da ordem dos 4% (o nosso é pouco mais de 1%), o que lhe permite ter
alguma esperança na capacidade da retoma de melhorar as contas públicas.
Há uma outra diferença, que poderá ser decisiva a fazer-nos
“ultrapassar” a Grécia: eles têm um governo maioritário e nós temos um governo
minoritário e uma oposição que não prima pela responsabilidade.
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