Sócrates teve de novo um comportamento lamentável, de total desrespeito pela AR, ao não responder às questões dos deputados. Sócrates pode permitir-se não responder, em primeiro lugar, porque existe em Portugal um duplo défice, de literacia e de empenho cívico. O défice de literacia impede muitos de perceber que aquela chuva de palavras de Sócrates não passa de lábia para evitar responder a perguntas incómodas. O défice de empenho cívico impede muitos outros de, percebendo que o PM não responde, se indignarem com este défice de explicações ao país. Voltamos quase sempre ao país do “respeitinho”.
Mas Sócrates pode permitir-se não responder, em segundo lugar, porque não há nenhuma sanção política para este comportamento de desrespeito pela AR. Sendo assim, proponho a criação dessa mesma sanção. Independentemente de outras ideias para a sanção em concreto, proponho que o governo seja penalizado nos minutos de que dispõe para falar na AR.
Depois do debate parlamentar, cada partido político entregaria ao presidente da AR uma lista das perguntas que considerava que não tinham sido respondidas, segundo uma grelha de complexidade e razoabilidade de tempos de resposta. Se a questão é demasiado específica, não é razoável esperar que o PM tenha sempre a resposta na ponta da língua. Mas é inadmissível que não responda à pergunta “mantém a confiança política em X, nomeado pelo governo e arguido num caso grave de corrupção?”
A comissão encarregue da avaliação das não respostas, presidida pelo presidente da AR, concluiria a lista das perguntas não respondidas, que seriam tornadas públicas, bem como a respectiva sanção. No debate seguinte, o governo seria penalizado em x minutos, pelas suas não respostas.
Este sistema tinha como primeira vantagem que a esperteza saloia de não responder seria claramente denunciada e publicitada. Passaria a ser um jogo pouco razoável de jogar, porque os benefícios passariam a ser mínimos. Em segundo lugar, se o PM se puser a jeito, leva penalizações sucessivas da AR, uma humilhação pública que não deve apreciar.
Penso que actualmente até estão reunidas as condições políticas para avançar com esta ideia. Aliás, mesmo que a ideia não avançasse a mera ameaça de a concretizar já seria boa. Em primeiro lugar, toda a oposição tem um elevado capital de queixa do PM, pela forma como tem desrespeitado a AR. Logo, deverá aprovar este conceito. Em segundo lugar, Sócrates tem chantageado a oposição para não o derrubar. Com esta sanção, após meses e meses de penalizações ao PM e sucessivas acusações de desrespeito pela AR, a oposição fica com toda a legitimidade para derrubar um governo, com o argumento que este vem desrespeitando a AR há imenso tempo.
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