Comparar o PRR português com o programa espanhol não só
ajuda a explicar muitos erros, como dá importantes pistas sobre o futuro.
O PRR revisto começa por ser decepcionante em relação à
forma como o governo não ouviu os inúmeros protestos da sociedade civil, que se
queixou de excesso de Estado.
Escolhendo apenas um tema, pela sua especial importância, o
da Formação e qualificação, verificamos que é um dos elementos mais mal
tratados do programa. Não se antecipa a reforma profunda que esta actividade
necessita, que deveria ser mais focada nas necessidades concretas da economia e
das empresas; os montantes previstos, em vez de serem largamente expandidos da
quota original de apenas 8%, sofreram um corte de 35 milhões de euros; mais de
metade da verba é destinada a “Modernização da oferta e dos estabelecimentos de
ensino e da formação profissional”, como se o problema residisse nas
instalações.
As insuficiências e defeitos do PRR português tornam-se
ainda mais flagrantes e indesculpáveis quando aquele é confrontado com o
programa espanhol (PRTE), também apresentado por um governo de esquerda,
sublinhe-se.
Um dos problemas maiores do nosso PRR é vir colmatar
investimento corrente, que o governo cortou (temos tido investimento público
ainda mais baixo do que no tempo da “troika”), para financiar políticas
eleitoralistas, como as 35 horas na administração pública. Assim, em vez de
termos novos investimentos, vamos apenas ter o que foi (mal) adiado.
Comparando com o caso espanhol, isso ainda se torna mais
flagrante. Em primeiro lugar, a saúde, em “18. Renovación y ampliación de las
capacidades del Sistema Nacional de Salud”, recebe apenas 1,5% dos
investimentos enquanto no caso português o SNS irá receber 8,3% do total, um
sinal evidente que o nosso governo pretende usar o PRR para colmatar os
investimentos que deixou de fazer nesta área nos últimos anos.
Em segundo lugar, todo o capítulo “XX. Modernización del
sistema fiscal”, não tem qualquer verba atribuída neste programa, sinal de que
será concretizado com base na actividade corrente do executivo e dos orçamentos
nacionais.
Um dos aspectos mais incompreensíveis é que este PRR,
infelizmente, por um lado, se assume mais como instrumento de recuperação de
curto prazo do que como desenvolvimento de médio prazo, e, por outro, tem um
calendário de investimento dos mais atrasados da UE. Isto é absurdo, porque se
a preocupação maior é a recuperação, então o investimento deveria ser realizado
o mais cedo possível.
Quando comparado o calendário português com o espanhol,
ainda se torna mais visível a incongruência: enquanto em Espanha se antecipa
realizar quase todo o investimento até 2023, no nosso caso há um atraso de dois
anos em relação a este desempenho.
Agora que o PRR, com todas as suas limitações, está
definido, temos que nos focar na sua fiscalização, para o que se exige a maior
transparência e uma oposição especialmente exigente.
[Publicado no Jornal Económico]
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