sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Comemorar o 25 de Abril

 

Era muito bom que pudéssemos comemorar os três ‘D’ de outra forma: que a Descolonização não tivesse redundado em sangrentas e muito prolongadas guerras civis; que a Democratização fosse plena; que o Desenvolvimento fosse evidente e já tivéssemos alcançado o nível da média da UE.

 

Em relação à polémica em curso sobre as comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, gostaria de deixar três sugestões. Em primeiro lugar, que as comissões em preparação sejam genuinamente diversificadas, quer política, quer socialmente, para que não se gere o cúmulo da contradição: para que os festejos do fim de um regime de cor única não sejam organizados por uma cor única.

 

Em segundo lugar, que se evitem os ridículos encómios unanimistas do “novo” regime, que seriam tão ao estilo do Estado Novo. É evidente que há muita coisa de que o novo regime se pode orgulhar, como, aliás, quase qualquer outro regime em qualquer parte do mundo que se compare com o que se verificava cinco décadas antes. Mas há também outras partes menos boas, que não devem ser escamoteadas, quer porque são reais, quer porque a essência da democracia é a diversidade e o escrutínio exigente e livre do poder.

 

Olhemos, de forma exigente, para os três DD de Abril: Descolonizar, Democratizar, Desenvolver. É verdade que a descolonização ocorreu atrasada, em termos históricos, mas gerou cerca de 800 mil “retornados”, nas piores condições, para além de ter deixado um rasto de guerras civis em regimes não democráticos e um brutal retrocesso económico nos novos países. Não poderíamos mesmo ter feito melhor?

 

Quanto à democratização, temos que reconhecer que ela é, ainda, muito imperfeita e que deveríamos ter a ambição de a melhorar, até para honrar Abril. Precisamos de melhorar a fiscalização dos governos e da administração pública e impedir a colonização dos postos dirigentes por incompetentes com o cartão partidário certo. Para diminuir a escandalosa abstenção sugiro que as transferências para as autarquias passem a ser função do número médio de votantes e não do de eleitores, que tem gerado cadernos eleitorais inflacionados. Pode ser que, com este incentivo, as autarquias passem a assumir a responsabilidade de fomentar a participação nas eleições, quer indo ao encontro das necessidades genuínas dos eleitores, quer facilitando a logística do voto.

 

No capítulo do desenvolvimento, com duas décadas de estagnação e sendo ultrapassados por tantos países do Leste, dificilmente poderemos estar satisfeitos, quanto mais ter motivos para comemorar. Como já falta pouco tempo para o cinquentenário, não é realista definir, agora, metas ambiciosas para as comemorações. Mas podemos, ainda assim, celebrar Abril com a definição de um máximo de espera de seis meses nas consultas de saúde. Na educação, continuamos a precisar de sair da cauda da Europa, mas teremos que definir metas para os 55º e 60º aniversário do início do novo regime.

 

A vergonha do combate à corrupção é um fracasso, em simultâneo, da democracia e do desenvolvimento. Se definirmos como meta recuperar mil milhões de roubados aos contribuintes euros (uma fracção pequena do total), até 2024, quais serão as reacções? a) o tempo é insuficiente; b) o montante é excessivo; c) a justiça portuguesa nem quer saber de “recuperar”; d) todas as anteriores.

 

De qualquer forma, a terceira sugestão é esta: definir metas ambiciosas, nas mais variadas áreas, para comemorar o cinquentenário do 25 de Abril.

 

[Publicado no Jornal Económico]

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