Era muito bom que pudéssemos comemorar os três ‘D’ de
outra forma: que a Descolonização não tivesse redundado em sangrentas e muito
prolongadas guerras civis; que a Democratização fosse plena; que o
Desenvolvimento fosse evidente e já tivéssemos alcançado o nível da média da
UE.
Em relação à polémica em curso sobre as comemorações do
cinquentenário do 25 de Abril, gostaria de deixar três sugestões. Em primeiro
lugar, que as comissões em preparação sejam genuinamente diversificadas, quer
política, quer socialmente, para que não se gere o cúmulo da contradição: para
que os festejos do fim de um regime de cor única não sejam organizados por uma
cor única.
Em segundo lugar, que se evitem os ridículos encómios
unanimistas do “novo” regime, que seriam tão ao estilo do Estado Novo. É
evidente que há muita coisa de que o novo regime se pode orgulhar, como, aliás,
quase qualquer outro regime em qualquer parte do mundo que se compare com o que
se verificava cinco décadas antes. Mas há também outras partes menos boas, que
não devem ser escamoteadas, quer porque são reais, quer porque a essência da
democracia é a diversidade e o escrutínio exigente e livre do poder.
Olhemos, de forma exigente, para os três DD de Abril:
Descolonizar, Democratizar, Desenvolver. É verdade que a descolonização ocorreu
atrasada, em termos históricos, mas gerou cerca de 800 mil “retornados”, nas
piores condições, para além de ter deixado um rasto de guerras civis em regimes
não democráticos e um brutal retrocesso económico nos novos países. Não
poderíamos mesmo ter feito melhor?
Quanto à democratização, temos que reconhecer que ela é,
ainda, muito imperfeita e que deveríamos ter a ambição de a melhorar, até para
honrar Abril. Precisamos de melhorar a fiscalização dos governos e da administração
pública e impedir a colonização dos postos dirigentes por incompetentes com o
cartão partidário certo. Para diminuir a escandalosa abstenção sugiro que as
transferências para as autarquias passem a ser função do número médio de
votantes e não do de eleitores, que tem gerado cadernos eleitorais
inflacionados. Pode ser que, com este incentivo, as autarquias passem a assumir
a responsabilidade de fomentar a participação nas eleições, quer indo ao
encontro das necessidades genuínas dos eleitores, quer facilitando a logística
do voto.
No capítulo do desenvolvimento, com duas décadas de
estagnação e sendo ultrapassados por tantos países do Leste, dificilmente
poderemos estar satisfeitos, quanto mais ter motivos para comemorar. Como já
falta pouco tempo para o cinquentenário, não é realista definir, agora, metas
ambiciosas para as comemorações. Mas podemos, ainda assim, celebrar Abril com a
definição de um máximo de espera de seis meses nas consultas de saúde. Na
educação, continuamos a precisar de sair da cauda da Europa, mas teremos que
definir metas para os 55º e 60º aniversário do início do novo regime.
A vergonha do combate à corrupção é um fracasso, em
simultâneo, da democracia e do desenvolvimento. Se definirmos como meta
recuperar mil milhões de roubados aos contribuintes euros (uma fracção pequena
do total), até 2024, quais serão as reacções? a) o tempo é insuficiente; b) o
montante é excessivo; c) a justiça portuguesa nem quer saber de “recuperar”; d)
todas as anteriores.
De qualquer forma, a terceira sugestão é esta: definir metas
ambiciosas, nas mais variadas áreas, para comemorar o cinquentenário do 25 de
Abril.
[Publicado no Jornal Económico]
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