sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Subida dos preços da energia

 

Para já, parece que esta subida de preços é temporária, mas será necessário tomar medidas estruturais para que não se repita, pelo menos com a intensidade actual.

 

A recente subida dos preços da energia coloca, pelo menos, seis questões: 1) porque é que os preços do gás natural subiram? 2) porque é que os preços da electricidade subiram? 3) qual a posição relativa de Portugal? 4) esta subida é temporária? 5) quais as consequências desta subida? 6) quais as respostas políticas recomendadas? Como é evidente, neste espaço, as respostas terão que ser quase telegráficas.

 

1. Os preços da energia subiram por uma conjunção muito significativa de factores adversos, de acordo com a Agência Internacional de Energia: a recuperação forte da economia europeia depois de um Inverno longo e frio, que reduziu as reservas de gás natural; restrições na oferta desta matéria-prima, com interrupções não planeadas e operações prolongadas de manutenção; eventos climáticos desfavoráveis à produção de fonte renovável.

 

2. Estima-se que, da excepcional subida dos preços electricidade, 90% será explicada pela subida do preço do gás natural, a componente crítica na produção daquele factor de produção, e 10% será devida à subida do preço das licenças de CO2, que também foram influenciadas pela escassez de gás, que forçou à sua substituição por carvão.

 

3. Não há grandes diferenças entre o preço que Portugal paga pelo gás natural e o que se verifica no resto da Europa. Em relação à electricidade, em Setembro, o preço era o 2º mais elevado da Europa continental, cerca de 15% acima da média, devido a problemas excepcionais na produção de renováveis.

 

4. Os mercados de futuros de gás natural, onde se definem os preços previstos para os próximos meses, indicam que deverá haver uma substancial redução de preços no início de 2022, mais nítido a partir do 2º trimestre, correspondendo a uma quase normalização. Ou seja, com a informação actualmente disponível, espera-se que estes aumentos sejam temporários, durando menos de seis meses. Mas é preciso salientar que podemos voltar a ter um Inverno severo; as interrupções na produção de gás natural podem regressar; a “arma” da energia poderá ser usada com intuitos geopolíticos; etc.

 

5. A subida dos preços da energia ocorreu cerca de um ano depois da pandemia, tendo sido recebido por um tecido económico já fragilizado. As empresas mais dependentes de energia foram as mais afectadas, havendo riscos de consolidação nos sectores com excesso de capacidade, deixando como vítimas as que estavam em posição mais vulnerável. Em geral, deverá haver uma aceleração da inflação, mas, por se esperar que o fenómeno seja temporário, não deverá ter um impacto directo na política monetária.

 

6. Em relação às medidas conjunturais, deve-se ajudar as empresas a enfrentar este desafio, sobretudo por ocorrer após as dificuldades muito atípicas do COVID. Há queixas fundamentadas de que o governo português apoiou relativamente menos as empresas nacionais, colocando-as em desvantagem competitiva. Em termos estruturais, conviria que a UE se empenhasse na criação de um mercado único de electricidade, fortalecendo as ligações com a Península Ibérica, mas evitar as actuais disparidades de preços. Também se tem referido a necessidade de aumentar as reservas estratégicas de gás. Mais genericamente, tem que se fazer muito mais para a transição energética, sob pena de aumentos recorrentes de preços diminuírem a sua exequibilidade política.

 

[Publicado no Jornal Económico]

PRR, lições de Espanha

 

Comparar o PRR português com o programa espanhol não só ajuda a explicar muitos erros, como dá importantes pistas sobre o futuro.

 

O PRR revisto começa por ser decepcionante em relação à forma como o governo não ouviu os inúmeros protestos da sociedade civil, que se queixou de excesso de Estado.

 

Escolhendo apenas um tema, pela sua especial importância, o da Formação e qualificação, verificamos que é um dos elementos mais mal tratados do programa. Não se antecipa a reforma profunda que esta actividade necessita, que deveria ser mais focada nas necessidades concretas da economia e das empresas; os montantes previstos, em vez de serem largamente expandidos da quota original de apenas 8%, sofreram um corte de 35 milhões de euros; mais de metade da verba é destinada a “Modernização da oferta e dos estabelecimentos de ensino e da formação profissional”, como se o problema residisse nas instalações.

 

As insuficiências e defeitos do PRR português tornam-se ainda mais flagrantes e indesculpáveis quando aquele é confrontado com o programa espanhol (PRTE), também apresentado por um governo de esquerda, sublinhe-se.

 

Enquanto o nosso fala genericamente no digital, em Madrid assume-se claramente o investimento na Inteligência Artificial; enquanto nos queixamos das perdas no turismo, os nossos vizinhos têm um programa específico de revitalização do sector, aproveitando a baixa ocupação durante a pandemia para o concretizar.

 

Um dos problemas maiores do nosso PRR é vir colmatar investimento corrente, que o governo cortou (temos tido investimento público ainda mais baixo do que no tempo da “troika”), para financiar políticas eleitoralistas, como as 35 horas na administração pública. Assim, em vez de termos novos investimentos, vamos apenas ter o que foi (mal) adiado.

 

Comparando com o caso espanhol, isso ainda se torna mais flagrante. Em primeiro lugar, a saúde, em “18. Renovación y ampliación de las capacidades del Sistema Nacional de Salud”, recebe apenas 1,5% dos investimentos enquanto no caso português o SNS irá receber 8,3% do total, um sinal evidente que o nosso governo pretende usar o PRR para colmatar os investimentos que deixou de fazer nesta área nos últimos anos.

 

Em segundo lugar, todo o capítulo “XX. Modernización del sistema fiscal”, não tem qualquer verba atribuída neste programa, sinal de que será concretizado com base na actividade corrente do executivo e dos orçamentos nacionais.

 

Um dos aspectos mais incompreensíveis é que este PRR, infelizmente, por um lado, se assume mais como instrumento de recuperação de curto prazo do que como desenvolvimento de médio prazo, e, por outro, tem um calendário de investimento dos mais atrasados da UE. Isto é absurdo, porque se a preocupação maior é a recuperação, então o investimento deveria ser realizado o mais cedo possível.

 

Quando comparado o calendário português com o espanhol, ainda se torna mais visível a incongruência: enquanto em Espanha se antecipa realizar quase todo o investimento até 2023, no nosso caso há um atraso de dois anos em relação a este desempenho.

 

Agora que o PRR, com todas as suas limitações, está definido, temos que nos focar na sua fiscalização, para o que se exige a maior transparência e uma oposição especialmente exigente.

 

[Publicado no Jornal Económico]

Comemorar o 25 de Abril

 

Era muito bom que pudéssemos comemorar os três ‘D’ de outra forma: que a Descolonização não tivesse redundado em sangrentas e muito prolongadas guerras civis; que a Democratização fosse plena; que o Desenvolvimento fosse evidente e já tivéssemos alcançado o nível da média da UE.

 

Em relação à polémica em curso sobre as comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, gostaria de deixar três sugestões. Em primeiro lugar, que as comissões em preparação sejam genuinamente diversificadas, quer política, quer socialmente, para que não se gere o cúmulo da contradição: para que os festejos do fim de um regime de cor única não sejam organizados por uma cor única.

 

Em segundo lugar, que se evitem os ridículos encómios unanimistas do “novo” regime, que seriam tão ao estilo do Estado Novo. É evidente que há muita coisa de que o novo regime se pode orgulhar, como, aliás, quase qualquer outro regime em qualquer parte do mundo que se compare com o que se verificava cinco décadas antes. Mas há também outras partes menos boas, que não devem ser escamoteadas, quer porque são reais, quer porque a essência da democracia é a diversidade e o escrutínio exigente e livre do poder.

 

Olhemos, de forma exigente, para os três DD de Abril: Descolonizar, Democratizar, Desenvolver. É verdade que a descolonização ocorreu atrasada, em termos históricos, mas gerou cerca de 800 mil “retornados”, nas piores condições, para além de ter deixado um rasto de guerras civis em regimes não democráticos e um brutal retrocesso económico nos novos países. Não poderíamos mesmo ter feito melhor?

 

Quanto à democratização, temos que reconhecer que ela é, ainda, muito imperfeita e que deveríamos ter a ambição de a melhorar, até para honrar Abril. Precisamos de melhorar a fiscalização dos governos e da administração pública e impedir a colonização dos postos dirigentes por incompetentes com o cartão partidário certo. Para diminuir a escandalosa abstenção sugiro que as transferências para as autarquias passem a ser função do número médio de votantes e não do de eleitores, que tem gerado cadernos eleitorais inflacionados. Pode ser que, com este incentivo, as autarquias passem a assumir a responsabilidade de fomentar a participação nas eleições, quer indo ao encontro das necessidades genuínas dos eleitores, quer facilitando a logística do voto.

 

No capítulo do desenvolvimento, com duas décadas de estagnação e sendo ultrapassados por tantos países do Leste, dificilmente poderemos estar satisfeitos, quanto mais ter motivos para comemorar. Como já falta pouco tempo para o cinquentenário, não é realista definir, agora, metas ambiciosas para as comemorações. Mas podemos, ainda assim, celebrar Abril com a definição de um máximo de espera de seis meses nas consultas de saúde. Na educação, continuamos a precisar de sair da cauda da Europa, mas teremos que definir metas para os 55º e 60º aniversário do início do novo regime.

 

A vergonha do combate à corrupção é um fracasso, em simultâneo, da democracia e do desenvolvimento. Se definirmos como meta recuperar mil milhões de roubados aos contribuintes euros (uma fracção pequena do total), até 2024, quais serão as reacções? a) o tempo é insuficiente; b) o montante é excessivo; c) a justiça portuguesa nem quer saber de “recuperar”; d) todas as anteriores.

 

De qualquer forma, a terceira sugestão é esta: definir metas ambiciosas, nas mais variadas áreas, para comemorar o cinquentenário do 25 de Abril.

 

[Publicado no Jornal Económico]

Uma república das bananas será sempre pobre

Sem uma clara melhoria da qualidade das instituições portuguesas, públicas e privadas, Portugal continuará a caminhar para o último lugar na Europa.

 

Um dos problemas mais evidentes, mais graves – e mais esquecidos – de Portugal é a estagnação económica das duas últimas décadas.

 

Esta questão é evidente, porque o nosso país tem sido sucessivamente ultrapassado pelos países do Alargamento, caminhando para a última posição da UE, eventualmente adiada pela entrada de Estados ainda mais pobres.

 

É muito grave, porque daqui resultam alguns dos mais importantes bloqueios: a estagnação dos salários e do nível de vida; as dificuldades nas finanças públicas e as decorrentes “austeridade” ou “rigor”, consoante o partido no poder; a carga fiscal excessiva, especialmente sobre vencimentos modestos; etc., etc., etc.

 

Sublinho que está “esquecido” porque, como expliquei em “Uma confissão antecipada de fracasso”, o governo propõe-se gastar os fundos extraordinários do PRR sem que preveja que isso produza qualquer melhoria visível no nosso potencial de crescimento, que é baixíssimo.

 

Este tema importantíssimo é também ignorado e/ou desvalorizado pela oposição, que se dispersa por irrelevâncias.

 

Já se percebeu, há muito, que o actual governo foge de fazer (boas) reformas económicas como o diabo da cruz. As raras que fizeram ou que se propõem fazer mais valia que não o fizessem.

 

Mas, fora do campo (estritamente) económico, seria de esperar empenho na melhoria da qualidade das instituições, única forma de nos aproximarmos da “Europa”. Em vez disso, vemos que Portugal deixou de ser uma “democracia plena”, em 2019, para passar a “democracia com falhas”, em 2020, de acordo com o Índice de Democracia, da revista The Economist.

 

A calamidade instalada na justiça é encarada como “normal”, sobre a qual se lançam algumas “reformas” cosméticas, repetidas há décadas, com base em maus diagnósticos e com resultados risíveis se não fossem dramáticos.

 

O combate à corrupção é o desastre que se vem tornando cada vez mais público, com o caso emblemático de Sócrates, em que, ainda antes de ir a julgamento, mais de metade dos crimes já prescreveram.

 

O assalto da administração pública por “boys” cada vez mais incompetentes, realizado com descaramento crescente, é recebido por um silêncio inexplicável da oposição, da comunicação social e do público em geral.

 

A nova lei de censura, a pretexto do digital, foi aprovada por larga maioria sem um único voto contra.

 

Depois, da vergonha que foi a gestão do caso do Sporting, tivemos, poucas semanas depois, a repetição escandalosa do mesmo na Champions, também sem consequências.

 

Será que o PR, o governo, a oposição e os portugueses não percebem que a bandalheira, para além de ser civicamente degradante, é a estrada que conduz directamente à pobreza?

 

[Publicado no Jornal Económico]