A obsolescência programada
não só prejudica milhares de milhões de consumidores, como tem um impacto
brutal em termos ambientais. Se permitirmos a continuação da actual tendência,
corremos o elevado risco de nos transformarmos numa gigantesca ilha da Páscoa.
A obsolescência programada (OP) consiste em os produtores de
bens e serviços agirem no sentido de os seus produtos terem uma vida útil
propositadamente curta. Pode-se falar em OP de dois tipos: físico e virtual.
No caso da OP física, os produtos são feitos com material de
desgaste rápido que assegura que o equipamento se deteriora num período
relativamente curto. Este fenómeno não é novo e muitos se lembrarão de
electrodomésticos de pais e avós que duravam muito mais tempo do que os
actuais. Com os progressos tecnológicos das últimas décadas, esta evolução
seria paradoxal, sobretudo explicada pela OP. Na verdade, há ainda outra
explicação: com a descida do preço dos bens em termos de horas de trabalho,
compensa cada vez menos fazer arranjos e é preferível substituir por um novo
produto.
As empresas têm um óbvio interesse nisto, porque lhes
garante muito mais vendas, mas os consumidores são claros perdedores, sobretudo
nos produtos com tecnologia muito estabilizada, como é o caso da maioria dos
electrodomésticos.
Há quem tenha o descaramento de argumentar que isto é bom
para a economia como um todo, porque geraria produção e emprego, que de outro
modo não existiria. Isto é absurdo, porque é evidente que produtos mais
duradouros jamais se traduziriam em aumentos brutais da taxa de poupança das
famílias. Se as famílias pudessem gastar muito menos do seu rendimento em
produtos que hoje são objecto de OP é óbvio que escolheriam outros bens e
serviços onde gastar essas “poupanças”. Mesmo que, no limite, isso se
traduzisse em menor consumo, haveria sempre a possibilidade de recorrer a
políticas macroeconómicas de estímulo da procura que, ainda por cima, são, em
termos políticos, extremamente atractivas.
Mas o mais grave da OP é a sua pegada ambiental. Apesar de
todos os esforços, o nível de reciclagem ainda é demasiado baixo, sendo que o
ideal nem é reciclar, mas usar menos. Ou seja, estamos a dar cabo do planeta e
a prejudicar os consumidores só para algumas empresas terem lucros maiores,
sendo que algumas delas, como já vimos, têm já lucros excessivos devido ao seu
poder de mercado.
Do ponto de vista civilizacional, isto é de loucos. Estamos
a prejudicar milhares de milhões de consumidores, para benefício de uns poucos.
Estamos a permitir a destruição do único planeta que temos, com prejuízo da
esmagadora maioria dos habitantes da terra no curto prazo e maiores prejuízos a
longo prazo. Se permitirmos a continuação da actual tendência, corremos o
elevado risco de nos transformarmos numa gigantesca ilha da Páscoa.
A nossa mais básica liberdade, a de viver, está ameaçada e
não podemos assistir a isto de braços cruzados.
Qualquer genuíno liberal tem que responder a isto exigindo
uma forte e urgente intervenção dos Estados, de preferência de forma
concertada. Desde logo, a nível europeu.
Haverá muitas formas de intervenção útil e proponho uma
muito simples: aumentar o prazo padrão de garantia de bens e serviços.
[Publicado na Capital Magazine]