segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Governar contra o interesse nacional (1)


Portugal tem sido muito mal governado, sobretudo nas duas últimas décadas, em que muitas das medidas tomadas foram contra o interesse nacional. Abro uma excepção para o período em que fomos governados pela “troika”, que não foi tão contrário aos nossos interesses de longo prazo.

Para não entrar na discussão inquinada das claques partidárias, vou, em geral, evitar falar de exemplos muito concretos, mas tipificar alguns dos tipos de decisões contra o interesse nacional, deixando ao leitor o desafio de identificar situações concretas, o que, nalguns casos, será muito fácil de fazer.

Não se alegue que só estou a dar exemplos de patologias raríssimas, porque tudo isto parece ser o quotidiano da governação das últimas décadas, ou não estaríamos na miserável situação em que estamos, a ser ultrapassados pela generalidade dos países de Leste, que entraram na UE quase duas décadas depois de nós.

Aliás, usando uma definição recente de “boys”, por Pacheco Pereira: “Observam-se os curricula e todos têm um traço comum: quase nenhuma experiência profissional genuína, no Estado ou em empresas, percursos académicos medíocres ou inacabados, na maioria das vezes em escolas privadas cujo grau de exigência é pequeno, contrastando com uma sucessão de cargos políticos.” Não será exagero presumir que os “boys” (e “girls”, para ser muito inclusivo) são pessoas pouco inteligentes, muito ignorantes, sem experiência e, acrescento eu, com padrões éticos muito baixos. Podemos ficar verdadeiramente surpreendidos por esta gente se especializar em tomar más decisões?

É verdade que é urgente expulsar os “boys” das administrações públicas, mas parece que é ainda mais importante expulsá-los dos partidos políticos.

Passemos então a elencar os tipos de más decisões (sem grandes preocupações de estrutura) mais frequentes dos últimos governos portugueses.

1. Curto prazo versus longo prazo. Um dos casos mais frequentes é a escolha de benefícios de curto prazo, com prejuízo dos resultados a longo prazo. Cabem aqui todas as ocasiões em que se escolheu fazer despesa excessiva no curto prazo, aumentando a dívida pública, que nos colocou à beira da bancarrota, pelo nível excessivo de dívida, em particular externa, que levou os investidores externos a cortarem-nos a financiamento e nos forçou a pedir ajuda à “troika”. Repito o que já devia ser óbvio: foram os erros dos nossos governos que nos colocaram na necessidade de austeridade, não foi a “troika”, que, por pura maldade, inventou esta necessidade.

Mas os exemplos deste tipo não se esgotam aqui: adjudicar uma obra pública (ou equipamento, ou etc.) por quem oferece preço mais baixo, mas sem garantias de qualidade, o que no longo prazo sai mais caro.

2. Ignorância. Quando o ministro, os secretários de Estado, os assessores e o director-geral são um bando de “boys” ignorantes, que nem sequer quer ouvir quem sabe, não se pode dizer que as suas opções o são por escolha ideológica, mas por pura ignorância. Aliás, o efeito Dunning-Kruger explica muito bem isto: “fenómeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros mais bem preparados, fazendo com que tomem decisões erradas e cheguem a resultados indevidos”. É a sua incompetência que restringe a sua capacidade de reconhecer os próprios erros.

3. Erro consciente, por cobardia. Quando um ministro está totalmente consciente de que uma medida que vai tomar está completamente errada, que vai produzir como resultados o exacto oposto do anunciado, mas o faz por cobardia, por temer afrontar a opinião pública (e sobretudo a opinião publicada) não estamos perante um caso de ideologia, mas de mera falta de coragem. Um ministro, que mereça sê-lo, tem a obrigação (moral quanto mais não seja) de adoptar uma atitude de pedagogia serena, de explicar porque a medida correcta é o oposto do que é “pedido”.

(continua)

[Publicado na CapitalMagazine]

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Hipocrisia no Estado Social


Há uma enorme hipocrisia no Estado social, quando os governos não querem pagar a factura do “social”, impondo a alguns privados, escolhidos de forma arbitrária e – demasiadas vezes – da forma mais injusta, o custo destas ajudas.

Esta hipocrisia tem dois aspectos. O primeiro é, desde logo, a vergonha de o Estado se dizer muito empenhado em certo tipo de auxílio, mas não querer pagar a factura.

O segundo aspecto, demasiadas vezes negligenciado, é a criação de incentivos perversos, que destroem as boas intenções.

Se, por hipótese, o Estado legislar no sentido de pessoas com mais de 60 anos passarem a usufruir de contratos de arrendamento permanentes, está-se a criar uma barreira brutal ao arrendamento a pessoas que estejam a alguns anos de completar aquela idade. Como o senhorio sabe que, a partir daí, é como se perdesse a sua propriedade, quase de certeza que não vai aceitar este tipo de inquilinos. Ou seja, uma legislação aparentemente bondosa, produz os efeitos opostos daqueles que se pretende alcançar.

Uma das maiores hipocrisias diz respeito aos aumentos diferenciados entre o Indexante de Apoios Sociais (IAS) e o salário mínimo. Como já expliquei detalhadamente aqui, entre 2006 e 2018, o IAS foi aumentado em apenas 43€, enquanto o salário mínimo foi aumentado em 194,10€. Qual é a lógica do Estado “social” aumentar muito menos os rendimentos que dependem directamente de si do que aqueles que dependem das empresas?

Aquela que foi, até hoje, sem dúvida, a mais cara, para os privados e para a economia como um todo, de todas estas hipocrisias foi o congelamento das rendas em 1974, em que os senhorios foram forçados a subsidiar fortemente os inquilinos, num ambiente de elevadas taxas de inflação.

Esta medida foi injusta para os senhorios, porque a transferência não era função do nível de rendimento ou riqueza deles; e foi injusta para os inquilinos, porque também não dependida do seu estado de necessidade económica. Aliás, os inquilinos mais ricos, a viver em habitações maiores, mais luxuosas e em melhores localizações receberam subsídios maiores. Para além disso, os novos inquilinos, por mais pobres que fossem, não tinham direito a qualquer subsídio de renda, sendo obrigados a desterrar-se nos mais recônditos subúrbios.

Para além das injustiças pessoais, esta medida teve efeitos devastadores a nível macroeconómico. O investimento em habitação representa, tipicamente, cerca de metade do stock de capital dum país e, em Portugal, isto deve representar algo na ordem dos 150% do PIB. Sem rendimentos para realizar obras de manutenção, muitos senhorios foram forçados a assistir à degradação sucessiva do seu património e a perda para o país andará na ordem de um múltiplo de 10% do PIB. Ainda hoje, sobretudo em Lisboa e no Porto, podemos assistir ao descalabro provocado por esta política, com inúmeros prédios em ruínas.

É importante – e legítimo – perguntar: quanto custa este Estado “social” paralelo que é imposto aos investidores, empresas, etc.? É que este Estado “social” adicional tem que ser somado ao Estado (despesa pública) que já nos custa 44% do PIB (em 2018).

[Publicado na CapitalMagazine]

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Direita a acordar


A direita portuguesa está finalmente a acordar, com o surgimento de novos partidos, e com o PSD em vias de mudar de liderança e de passar a fazer oposição, que faz uma falta brutal perante um governo tão pernicioso.

Por toda a Europa se assiste a uma recomposição do espectro partidário, com recuo dos partidos que dominaram a cena política do pós-guerra e ascensão de novos partidos. Os partidos velhos, associados a demasiados fracassos, não se souberam renovar estão a ser substituídos ou encolhidos.

Portugal ficou (demasiado) tempo longe disso, não porque os nossos partidos tenham percebido a mensagem e se tenham renovado – longe disso – , nem, como alguns acusam, porque o nosso sistema seja demasiado fechado ao surgimento de novos partidos, como o BE e, mais recentemente, o PAN, o ilustram.

Parece que as coisas estão, finalmente, a mudar, sobretudo na área da direita. Dois novos partidos já foram formalizados, a Aliança e a Iniciativa Liberal, e é possível que outros ainda surjam a tempo das legislativas do Outono.

A semana passada foi singular em dois aspectos: a primeira reunião do Movimento Europa e Liberdade (MEL) e o anúncio de Luís Montenegro de querer candidatar-se à liderança do PSD, a que se poderão somar outras.

A direita estava com problemas inegáveis. O CDS tem-se apresentado numa confusão ideológica, mais casuística do que sistemática, fazendo oposição nos dias pares e adormecendo nos dias ímpares. Já o PSD, sob a batuta de Rui Rio, embarcou num projecto totalmente lírico, de se perfilhar para secundar o PS num novo governo, abstendo-se, por isso, de fazer qualquer tipo de oposição digna desse nome. Os socialistas agradecem, encarecidamente, a estratégia de capacho dos sociais-democratas, mas jamais recompensarão essa submissão, dada a proverbial ingratidão na política.

O MEL é mais um elemento da sociedade civil, que se saúda, e ao qual desejo uma vida longa, porque o principal defeito deste tipo de eventos é a sua falta de continuidade, bastando referir a promessa que foi o Compromisso Portugal, que se desfez em muito pouco tempo. A primeira convenção do MEL teve uma agenda ambiciosa, mas talvez demasiado generalista, não sendo este um grande defeito num primeiro encontro. Seria muito útil que, pelo menos, as principais intervenções fossem passadas a escrito e disponibilizadas online, para memória futura e para servir de base a trabalhos futuros.

O líder da Aliança, Pedro Santana Lopes, apresentou aí um esquisso do seu programa, que teve a (enorme) vantagem de fixar como meta principal do país o crescimento económico robusto, que é, de longe, o mais grave problema económico – e, em parte importante também político – do país.

O líder da Iniciativa Liberal, Carlos Guimarães Pinto, teve uma intervenção (gravada, por estar, por motivos profissionais, ausente do país) mais circunscrita, ao tema da liberdade, esperando-se novas oportunidades para uma mensagem mais abrangente e de fundo, pese embora o boicote generalizado que está a sofrer da comunicação social.

Esperemos que a direita se revitalize, porque é essencial desfazer a actual maioria de esquerda, que está a fazer muito mal ao país, que desperdiçou condições excepcionalmente favoráveis (juros baixos, recuperação europeia, etc.) e se recusa a reconhecer a divergência da UE das últimas duas décadas, impedindo qualquer esforço para a reverter.

[Publicado na CapitalMagazine]

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Construir o civismo


Para construir o civismo que queremos será necessário: educar mais para o civismo; regras mais claras e divulgadas; fiscalização consistente e sistemática.

Existe uma queixa recorrente sobre a falta de civismo de muitos portugueses, que, infelizmente, tem muito fundamento. No entanto, parece que há aqui três falhas importantes do Estado.

Em primeiro lugar, há a falha na educação. Desde o final dos anos 70 que a questão ambiental é tratada no ensino e ainda hoje os jovens deitam, com a maior displicência, o lixo para o chão. Como é possível que, ao fim de mais de 40 anos, não se tenha sequer alcançado o mais básico dos básicos? Reparem que não estou sequer a falar na separação do lixo, nas apenas da sua colocação nos recipientes próprios.

Talvez seja de colocar o letreiro “chão” nos caixotes de rua, a ver se, pela via do humor, conseguimos o que ainda não alcançámos de outra forma.

Um segundo problema é a falta de publicidade de algumas regras de civismo, que poderão estar ou não legisladas. Detesto o excesso legislativo português, prefiro que uma regra seja cumprida porque é para o bem comum, do que por ser obrigatória, mas convém que seja explicitada e divulgada.

No início dos anos 80, lembro-me que, na Alemanha, havia avisos nas escadas rolantes, a dizer para estar parado do lado direito e andar do lado esquerdo, o que proporcionava uma boa disciplina na sua utilização. Ao verem todos os dias estes letreiros, era muito fácil interiorizarem esta regra.

Em Portugal, ainda hoje não há o hábito de explicitar esta regra (começam a ver-se alguns destes avisos no Metropolitano de Lisboa), pelo que se tem sempre de pedir licença, esperar que as outras pessoas nos deixem passar e, por vezes, é quase impossível conseguir isso e perde-se imenso tempo.

O terceiro problema é o da fiscalização, que ou é inexistente ou caprichosa, não sistemática. Durante anos, a polícia permite que, num determinado local, se estacione, em desrespeito pela sinalização. Qualquer condutor fica convencido que aquela norma não precisa de ser cumprida, naquele local. Um belo dia, multam todos os automóveis naquela situação. Ficamos convencidos que, a partir dessa data, é necessário cumprir aqueles sinais. Mas não. Foi só uma intervenção avulsa, sem qualquer consistência. Se multaram, é porque seria grave desrespeitar a regra, mas, se é grave, porque é que não há uma fiscalização consistente?

Esta aplicação casuística da lei é particularmente irritante, porque a lei não é só o que está escrito no texto legal, mas também a sua prática. Se o seu incumprimento permanece anos sem sanção, os cidadãos convencem-se, legitimamente, que este não é importante.

Em resumo, para construir o civismo que queremos será necessário: educar mais para o civismo; regras mais claras e divulgadas; fiscalização consistente e sistemática.

PS. Não consegui apurar a fonte da fotografia, espero que não considerem falta de civismo a sua utilização…


[Publicado na CapitalMagazine]