Há demasiadas classes
profissionais que estão ausentes do espaço público e é urgente acabar com esta
demissão cívica.
Há algumas classes profissionais que estão suficientemente
representadas na comunicação social, nomeadamente economistas e juristas, quer
em número quer em diversidade. Isto não quer dizer, infelizmente, que os
problemas económicos e da justiça estejam razoavelmente resolvidos. Muito pelo
contrário.
Portugal vive a mais escandalosa e única divergência da UE,
entre os mais pobres Estados-Membros, há quase duas décadas e poucos
economistas falam sobre isto e o país ainda não está, nem de longe nem de
perto, consciente deste problema. E esta falta de consciência é um obstáculo
gigantesco à tomada de medidas, porque sem tomar consciência da gravidade da
situação, a população em geral não está politicamente disponível para as
reformas essenciais para solucionar esta calamidade.
Em relação à justiça, julgo que não será injusto dizer que é,
no sector público, a área onde as coisas funcionam mais escandalosamente mal.
Chegados aqui, poderíamos ser levados a concluir que a
participação pública é pouco importante, mas acho que podemos ser um pouco mais
optimistas.
Há outros, tais como médicos, engenheiros, professores do
ensino não superior, técnicos superiores da função pública, empresários, para
citar apenas alguns grupos profissionais, cuja escassez de participação pública
é um pouco chocante. E esta participação não teria que ser com grandes teorias,
mas poderia ser de relatos na primeira pessoa, que teriam certamente factos
muito interessantes para nos revelar.
Temos visto demissões em bloco de dirigentes hospitalares,
um gesto sem dúvida corajoso, mas não vemos cartas colectivas e públicas e
explicar, com o maior detalhe, as razões concretas que motivaram esta atitude.
Ouvimos queixas soltas de utentes do SNS, mas não temos tido acesso a relatos
detalhados de quem vive, profissionalmente, estas dificuldades. Parece evidente
que testemunhos deste tipo ajudariam a formar uma ideia mais clara sobre o que
se está a passar. É ou não verdade que a passagem para as 35 horas provocaram
uma grave queda na qualidade dos serviços de saúde?
Todos temos a nítida sensação que o sistema de transportes
em Portugal é uma absurda manta de retalhos, sem a menor visão sistémica, com
propostas de resolução para lá de ridículas. Porque é que não temos artigos
regulares de engenheiros a propor soluções estruturadas, cuja racionalidade nos
conquistaria imediatamente?
Os professores do ensino não superior vivem num inferno
burocrático e com um défice de autoridade, que causa a muitos graves distúrbios
psicológicos, a que os seus sindicatos parecem estar alheios, ainda que tenham
muita força para conseguir outras reivindicações dos sucessivos governos.
Porque não se exprimem mais no espaço público, expondo não só as suas queixas,
mas propostas concretas e viáveis de soluções?
É consensual que a administração pública está
insuportavelmente colonizada por boys (incompetentes que só ocupam lugares
pelas suas ligações partidárias). Porque é que não temos denúncias colectivas
de casos concretos por parte de técnicos superiores da função pública? Se têm
assim tanto medo de represálias, porque é que não exigem que os sindicatos
reivindiquem mais garantias de protecção de denúncias? Porque é que não
envolvem o Procurador de Justiça nestas acusações?
Muitos empresários lastimam, em privado, obstáculos
abstrusos e perseguições pela administração pública. Porque não exigem que os
seus representantes venham a público denunciar estas situações?
Esta – generalizada – demissão cívica custa imenso ao país,
cria imenso descontentamento e perda de qualidade de vida a milhões de
portugueses. É urgente colocar um ponto final nesta demissão.
É neste sentido que a Capital Magazine se disponibiliza para
publicar textos de qualidade que nos enviarem, que dêem voz aos pontos de vista
dos sectores e profissionais até agora arredados da opinião pública e da
participação cívica. Aguardamos a vossa vontade de terminar com esta demissão
cívica.
[Publicado na CapitalMagazine]
Sem comentários:
Enviar um comentário