Sem perceber as razões
estruturais dos incêndios, não há reforma que seja eficaz.
1. Falta de
rentabilidade da floresta. O primeiro facto que o governo não percebeu, e
para o qual não fez qualquer proposta, é que os incêndios decorrem do abandono
a que é votado grande parte do território “florestal”. Há dois tipos de
abandono: i) o esquecimento puro, de que resultam os matos, sem valor
económico, onde se expandem os fogos com mais facilidade, terrenos que nem
sequer deveriam ser considerados “floresta”; ii) terrenos com árvores com algum
valor, mas com exploração amadora, sem meios para cobrir os custos de uma gestão
profissional. Por seu turno, este abandono decorre do facto de a generalidade
dos benefícios sociais da floresta (absorção do dióxido de carbono,
biodiversidade, estabilização das temperaturas e da humidade, espaço de lazer, etc.)
não ser remunerada pelo mercado. O que se impunha é que esta falha de mercado
fosse corrigida pelo Estado, criando uma remuneração para estes benefícios, mas
este governo ignorou completamente este aspecto crucial de qualquer reforma da
floresta digna desse nome.
2. Falta de escala. Mesmo
que a questão anterior fosse acautelada, ela iria esbarrar noutro obstáculo: a
extrema fragmentação da propriedade silvícola, com mais de meio milhão de
proprietários, inviabilizando a sua rentabilização, mesmo com subsídios
ambientais. É fundamental haver mecanismos de agregação da floresta (sugeri
dois tipos, um pelas câmaras municipais, outro por fundos silvícolas, no artigo
da semana passada). Como é possível que o documento do executivo seja
completamente omisso sobre este tema incontornável?
3. Insuficiente
passagem do foco do combate para a prevenção. As medidas apresentadas,
demasiado pressionadas pelas insuficiências no combate (desde o SIRESP, à
promoção de boys na Protecção Civil), acabam por não ter visão de fundo e não
fazer a inversão essencial do trabalho, reforçando a prevenção e, assim,
aliviando o combate.
Para além destas questões essenciais, acrescem os erros
avulsos:
4. Compromissos
vagos. Fala-se em limpeza das estradas. Mas, como muito bem pergunta o
Henrique Pereira dos Santos, “Tem quantos dias [para ser feito]? Quantos meios?
Quem paga? De que forma é que vai ser feito? Vai ser sistemático?”.
5. Estado accionista
do SIRESP. O SIRESP tem funcionado de forma absolutamente vergonhosa e o
que o Estado deveria fazer era exigir indemnizações em conformidade com o
desastre de serviço fornecido. No limite, os actuais accionistas do SIPRESP
deveriam oferecer as suas acções (completamente desvalorizadas) ao Estado. De
forma alguma faz sentido o Estado tornar-se já accionista desta calamidade, o
que corresponde a salvar a pele dos actuais donos (quase todos eles com um belo
cadastro), e, na prática, impedir o Estado no futuro de exigir indemnizações ao
SIRESP, porque estaria a exigir indemnizações a si próprio.
6. Novas centrais de
biomassa. Segundo os industriais do sector, a floresta portuguesa já não
tem capacidade de alimentar as existentes. Querem promover mais incêndios para
promover as novas centrais? Em contrapartida, estes empresários sugerem como
muito mais útil a criação de estufas de preservação da madeira ardida, “para
assegurar uma gradual entrada nos mercados dessa madeira, impedindo a queda
brusca do seu preço”.
Há dois tipos de políticos: os que se preocupam genuinamente
em resolver problemas e os que se preocupam em passar a imagem de quererem
resolver problemas. Em que grupo acha o leitor que este governo deve ser
incluído?
[Publicado no jornal online ECO]
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