terça-feira, 13 de junho de 2017

O que é que pode correr bem com a Santa Casa e o Montepio?

Em vez de assaltar a Santa Casa, a solução é o Montepio Geral deixar de ser caixa económica e passar a ser um banco como os outros, alargando assim o universo dos seus potenciais accionistas.

Dentro de dois meses estaremos a assinalar os dez anos do início da crise financeira, com o subprime nos EUA. Como podemos verificar quase todos os dias, esta crise está muito longe de estar resolvida: ainda a semana passada o Banco Santander comprou o Banco Popular por um euro, precisando de aumentar o capital em sete mil milhões de euros para digerir esta compra, tal a dimensão do buraco naquele que já tinha sido um dos maiores bancos espanhóis.

Em Portugal, andamos ultimamente entretidos com a inacreditável saga da Caixa Económica Montepio Geral, cujo único accionista, a Associação Mutualista Montepio Geral, parece ter feito várias coisas semelhantes àquelas que o Grupo Espírito Santo fez ao seu banco. O Banco de Portugal já conseguiu expulsar o anterior presidente da Caixa Económica, Tomás Correia, arguido em vários (!) processos judiciais, que teve o desplante de passar a presidente da Associação Mutualista. Dúvidas: é possível ter um pingo de confiança e negociar com alguém que se comporta assim? Porque é que o Banco de Portugal não ameaça inibir os direitos de voto da Associação Mutualista na Caixa Económica enquanto o actual presidente se mantiver em funções? Quando é que o ministério da Segurança Social deixa a tutela da Associação Mutualista e a liberta para uma instituição que perceba minimamente do assunto e esteja disposta a agir?

O novo episódio neste filme de terror – três (!) anos depois da resolução do BES – é, ainda não se percebeu bem o sujeito da acção, pretender que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa passe a accionista da Caixa Económica. O que é que pode correr bem?

A Caixa Económica tem sido pessimamente gerida e precisa não só de novos accionistas, mas, sobretudo, de accionistas com um profundo conhecimento do sector bancário e que sejam capazes de melhorar imenso a qualidade de gestão e guiar o Montepio neste período ainda tão difícil para o sector bancário. A Santa Casa não reúne minimamente essas características, iria entrar num sector dificílimo, do qual não percebe patavina, numa posição minoritária, com um parceiro muito pouco digno de confiança. O que é que pode correr bem?

A Santa Casa tem tido até aqui uma gestão do património muito conservadora. No final de 2016, o seu activo era de 743 milhões de euros, cuja quase totalidade (91%) era capital próprio. Este activo está 40% aplicado em imóveis, 27% em caixa e depósitos (quase 200 milhões de euros) e apenas 3% em investimentos financeiros. Na verdade, ter tanto dinheiro em depósito é imprudente, porque 99% deles não deve estar protegido pelo Fundo de Garantia dos Depósitos (por estar acima dos 100 mil euros), fazendo mais sentido trocar a maior parte deles por dívida pública, o que daria juros mais elevados com menor risco, o que é uma raridade. 

Se investisse 140 milhões de euros (o valor de que se fala) no Montepio, a Santa Casa iria aumentar brutalmente o perfil de risco dos seus investimentos, de uma forma totalmente imprudente e contrária à sua experiência passada. Se quisesse aumentar os seus investimentos financeiros em 140 milhões nunca deveria aplicar tudo em acções e muito menos de uma única entidade. O que é que pode correr bem?

Pior ainda, imaginemos que, ao fim de seis meses, a Santa Casa descobre que se meteu num sarilho gravíssimo e quer sair. A quem pode vender a sua participação? Praticamente a ninguém, porque o facto de o Montepio ser uma caixa económica limita brutalmente quem pode ser seu accionista. O que é que pode correr bem?

Parece-me que a única saída viável é que o Montepio Geral deixe de ser caixa económica e passe a ser um banco como qualquer outro, que pode procurar accionistas em todo o mundo. Em termos práticos, o Montepio já há muitos anos que deixou de se comportar como uma caixa económica e muito mais como um banco (vide os negócios ruinosos em que se meteu). Para além disso, é muito provável que o dinheiro da Santa Casa não seja suficiente e, quando for preciso mais fundos, dentro de algum tempo, se tenha que fazer esta mudança. Então que se faça já e se poupe a Santa Casa a uma destruição gratuita de valor.


[Publicado no jornal online ECO]

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