Em vez de assaltar a
Santa Casa, a solução é o Montepio Geral deixar de ser caixa económica e passar
a ser um banco como os outros, alargando assim o universo dos seus potenciais
accionistas.
Dentro de dois meses estaremos a assinalar os dez anos do
início da crise financeira, com o subprime
nos EUA. Como podemos verificar quase todos os dias, esta crise está muito
longe de estar resolvida: ainda a semana passada o Banco Santander comprou o
Banco Popular por um euro, precisando de aumentar o capital em sete mil milhões
de euros para digerir esta compra, tal a dimensão do buraco naquele que já
tinha sido um dos maiores bancos espanhóis.
Em Portugal, andamos ultimamente entretidos com a inacreditável
saga da Caixa Económica Montepio Geral, cujo único accionista, a Associação
Mutualista Montepio Geral, parece ter feito várias coisas semelhantes àquelas
que o Grupo Espírito Santo fez ao seu banco. O Banco de Portugal já conseguiu
expulsar o anterior presidente da Caixa Económica, Tomás Correia, arguido em
vários (!) processos judiciais, que teve o desplante de passar a presidente da Associação
Mutualista. Dúvidas: é possível ter um pingo de confiança e negociar com alguém
que se comporta assim? Porque é que o Banco de Portugal não ameaça inibir os
direitos de voto da Associação Mutualista na Caixa Económica enquanto o actual
presidente se mantiver em funções? Quando é que o ministério da Segurança
Social deixa a tutela da Associação Mutualista e a liberta para uma instituição
que perceba minimamente do assunto e esteja disposta a agir?
O novo episódio neste filme de terror – três (!) anos depois
da resolução do BES – é, ainda não se percebeu bem o sujeito da acção,
pretender que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa passe a accionista da
Caixa Económica. O que é que pode correr bem?
A Caixa Económica tem sido pessimamente gerida e precisa não
só de novos accionistas, mas, sobretudo, de accionistas com um profundo
conhecimento do sector bancário e que sejam capazes de melhorar imenso a
qualidade de gestão e guiar o Montepio neste período ainda tão difícil para o
sector bancário. A Santa Casa não reúne minimamente essas características, iria
entrar num sector dificílimo, do qual não percebe patavina, numa posição
minoritária, com um parceiro muito pouco digno de confiança. O que é que pode
correr bem?
A Santa Casa tem tido até aqui uma gestão do património muito
conservadora. No final de 2016, o seu activo era de 743 milhões de euros, cuja
quase totalidade (91%) era capital próprio. Este activo está 40% aplicado em
imóveis, 27% em caixa e depósitos (quase 200 milhões de euros) e apenas 3% em
investimentos financeiros. Na verdade, ter tanto dinheiro em depósito é
imprudente, porque 99% deles não deve estar protegido pelo Fundo de Garantia
dos Depósitos (por estar acima dos 100 mil euros), fazendo mais sentido trocar
a maior parte deles por dívida pública, o que daria juros mais elevados com
menor risco, o que é uma raridade.
Se investisse 140 milhões de euros (o valor de que se fala)
no Montepio, a Santa Casa iria aumentar brutalmente o perfil de risco dos seus
investimentos, de uma forma totalmente imprudente e contrária à sua experiência
passada. Se quisesse aumentar os seus investimentos financeiros em 140 milhões
nunca deveria aplicar tudo em acções e muito menos de uma única entidade. O que
é que pode correr bem?
Pior ainda, imaginemos que, ao fim de seis meses, a Santa
Casa descobre que se meteu num sarilho gravíssimo e quer sair. A quem pode
vender a sua participação? Praticamente a ninguém, porque o facto de o Montepio
ser uma caixa económica limita brutalmente quem pode ser seu accionista. O que
é que pode correr bem?
Parece-me que a única saída viável é que o Montepio Geral
deixe de ser caixa económica e passe a ser um banco como qualquer outro, que
pode procurar accionistas em todo o mundo. Em termos práticos, o Montepio já há
muitos anos que deixou de se comportar como uma caixa económica e muito mais
como um banco (vide os negócios ruinosos em que se meteu). Para além disso, é
muito provável que o dinheiro da Santa Casa não seja suficiente e, quando for
preciso mais fundos, dentro de algum tempo, se tenha que fazer esta mudança.
Então que se faça já e se poupe a Santa Casa a uma destruição gratuita de
valor.
[Publicado no jornal online ECO]
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