quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Os salários na banca são excessivos

Os salários na banca continuam muito inflacionados por políticas artificiais e insustentáveis do passado e precisam de cair de forma generalizada

Em 1995, as contas externas portuguesas estavam equilibradas num triplo sentido: o saldo corrente era equilibrado; a dívida externa insignificante (menos de 10% do PIB); a AutoEuropa começou a produzir e a exportar, melhorando a qualidade das nossas exportações.

A partir daí, encetou-se um ciclo de foco na procura interna, com os piores resultados possíveis: explosão da dívida externa (até mais de 100% do PIB); a pior década de crescimento dos últimos cem anos (a partir de 2000); a necessidade de pedir ajuda à troika.

O sobre-estímulo da procura interna levou a uma expansão insustentável da dimensão do sector não transaccionável (essencialmente serviços e construção), bem como dos seus preços e salários. Para além deste estímulo genérico, o sector financeiro recebeu mais um e inventou um outro, que se viria a verificar como totalmente ilusório.

O benefício adicional consistiu na extraordinária descida das taxas de juro, associada à caminhada para a adesão ao euro, que geraram uma enorme expansão do crédito, que seria sempre necessariamente temporário. Mais grave do que a própria expansão do crédito foi a sua absurda concentração nos sectores da construção e imobiliário, que jamais poderiam gerar receitas externas para pagar a dívida externa que foi necessário incorrer para que o crédito crescesse tanto.

O benefício inventado foi a concessão imprudente de crédito e a aplicação em produtos complexos, com riscos muito camuflados.

Com estes três estímulos o sector financeiro, em particular a banca, aumentou excessivamente a sua dimensão e permitiu-se pagar salários muito superiores, em todos os escalões, ao que seria possível pagar em outras circunstâncias. Há quem tente afirmar que foi o mercado que decidiu esses valores, mas este mercado foi completamente distorcido por uma política macroeconómica tão errada quanto insustentável.

Para se ter uma ideia mais clara disto, imaginem recalcular os resultados dos bancos dos últimos sabendo o que sabemos hoje. Muitos lucros se transformariam em prejuízos, teriam sido distribuídos muito menos bónus e muito menores aumentos salariais.

Se há sector em que a média histórica não pode ser guia, ele é o da banca, que ainda não fez o ajustamento necessário. Alguns bancos já fizeram adaptações na quantidade, fechando balcões e dispensando funcionários, mas ainda não corrigiram o preço, em particular nos salários, que deveriam sofrer cortes significativos, sobretudo nos escalões mais elevados.

O referencial de salários para a banca deveria ser as remunerações nas grandes empresas exportadoras, porque essas é que são o referencial da competitividade do país. A CGD, como grande banco público, em vez de ser seguidor do que os privados fazem, deveria ser o líder da adaptação que todos os bancos necessitam de fazer e ajustar os seus salários em conformidade.

Aliás, dado que a banca está em situação muito precária, deveria baixar claramente os salários de topo, para que estes dirigentes entendessem ser mais atraente trabalhar noutros sectores, em particular os sectores transaccionáveis (agricultura, indústria e turismo), onde são muito mais necessários ao país. A redução generalizada dos custos salariais da banca também permitiria melhorar a sua rentabilidade e diminuir a sua actual fragilidade.

Director do Gabinete de Estudos do Forum para a Competitividade
As opiniões expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor


[Publicado no jornal online ECO]

sábado, 22 de outubro de 2016

Destruir a credibilidade

A má execução do orçamento de 2016, as incertezas sobre o resultado final do corrente ano, quer na economia, quer no orçamento, e o conjunto de afirmações neste novo relatório em choque com a realidade não inspiram confiança nem credibilidade.

Desde o início que este governo teve um problema de credibilidade, não só pelo facto de estar aliado a parceiros com os quais esteve sempre contra, nas grandes questões do regime, como o sistema económico, a UE, e o euro, como pelo primeiro “esboço” de orçamento de 2016, repleto de desonestidades.

A estratégia económica, focada na procura interna em vez das exportações, e a estratégia orçamental, mais baseada no aumento da receita do que no controlo da despesa, estavam ambas erradas e já revelaram os seus maus resultados. A economia afundou logo no 1º trimestre do ano e as contas públicas só aparentemente estão controladas, por uma contenção excepcional e não prevista da despesa que, sem corresponder a qualquer reforma, não pode ser sustentável.

Infelizmente, o executivo não só não aprendeu nada, como começa o Relatório do Orçamento de 2017 com um parágrafo bizarro. Diz que, após a recessão de 2011 a 2014 se seguiu um crescimento “ténue”, o que é estranho porque em 2015 a economia cresceu 1,6%, mais do que, segundo o OE17, deverá crescer no próximo ano (1,5%).

É falso que tenha havido “uma paragem brusca no semestre imediatamente antes da tomada de posse do XXI Governo Constitucional.” Foi exactamente no semestre posterior e não no anterior.

Não é verdade que “Desde então encetou-se uma recuperação da actividade e da confiança”. A actividade desacelerou fortemente e a confiança dos empresários, nacionais e estrangeiros, caiu tanto que levou a uma quebra do investimento.

Fala-se também na estabilidade fiscal, num orçamento que cria, pelo menos, três novos impostos: sobre o imobiliário, sobre a alimentação e sobre as munições.

O conjunto de desonestidades é tal que é impossível fazer aqui a sua recensão integral, mas é evidente a quebra de credibilidade que lhe está associada. É suposto a “geração mais preparada de sempre” engolir isto?

Não me vou alongar a comentar os números deste documento, porque considero altamente provável que nesta sexta-feira ele fique desactualizado, quando a DBRS passar as perspectivas de rating de “estáveis” para “negativas”.

Gostava de sublinhar que o orçamento de 2017 se inicia com dois problemas de base, nos resultados finais de 2016. É muito provável que a economia não cresça os 1,2% estimados, que implicariam que, a partir do 3º trimestre, o crescimento “saltasse” para 1,5%, para aí permanecer durante os cinco trimestres seguintes. Também é duvidoso que o défice do corrente ano consiga permanecer nos 2,4% do PIB, dada a péssima evolução da receita pública, como é muito difícil de acreditar que a despesa pública possa permanecer tão artificialmente contida como até agora.

As medidas discricionárias tomadas vão no sentido de aumentar o défice, esperando-se que o crescimento económico e outros efeitos façam todo o trabalho de consolidação orçamental, para reduzir o défice para 1,6% do PIB o que, no mínimo, é imprudente.

Apesar de tudo, no papel, esta proposta de orçamental não é tão desfasada da realidade do que a anterior. No entanto, a má execução do orçamento de 2016, as incertezas sobre o resultado final do corrente ano, quer na economia, quer no orçamento, e o conjunto de afirmações neste novo relatório em choque com a realidade não inspiram confiança nem credibilidade.

As opiniões expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor


[Publicado no jornal online ECO]

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O Banco de Portugal não aprende

Há fortes indicações que o Banco de Portugal não aprendeu nada com o caso BES e que continua a permitir que os bancos vendam aos seus clientes, de forma encapotada e desequilibrada, dívida muito arriscada do próprio banco.

O Banco de Portugal diz preocupar-se com a literacia financeira dos portugueses, tendo um programa activo nesse sentido, cujo alcance desconheço, mas que suspeito ser diminuto.

Há um princípio básico da gestão de património que é o da diversificação que, em linguagem corrente é formulado como “não pôr os ovos todos no mesmo cesto”. É assustador como ainda hoje se houve dizer, por exemplo por parte de alguns lesados dos BES, que puseram em papel comercial desta instituição todas as poupanças de uma vida. Isso é um erro terrível, uma violação total do princípio da diversificação.

Dependendo do montante do património, o ideal é reparti-lo entre, por um lado, activos reais, tais como imobiliário, ouro, jóias e obras de arte e, por outro, activos financeiros, tais como depósitos, obrigações, acções e fundos de vária índole. Dadas as facilidades permitidas hoje em dia, é preferível diversificar os países e as moedas em que fazem estas aplicações e, também, os próprios bancos com os quais trabalham, devido aos limites de protecção dos depósitos e, agora também, devido à ameaça de devassa fiscal.

Vem isto a propósito de um pedido de aconselhamento financeiro de um amigo, que me deixou inquieto. O curioso é que esta solicitação surgiu do facto de ele ter visto o nome “Espírito Santo” na carteira de participações de um produto que tinha subscrito, que lhe fez soar todas as campainhas de alarme, o que diz tudo sobre o que aconteceu àquela marca. No entanto, como verifiquei, não havia razões para alarme aí, porque essa participação estava registada a 0,01% do valor nominal, ou seja, já tinha sido assumida uma perda de 99,99%, havendo a hipótese de ainda se receber alguma coisa.

O problema era, em primeiro lugar a opacidade e falta de informação prestada pelo banco, numa clara tentativa de explorar a falta de literacia financeira dos clientes. Era apresentada a carteira de investimento dos dois produtos em causa, mas não a sua estrutura, para além de não ser referida o número de unidades de participação do cliente, o que permitia mascarar perdas de capital.

Em segundo lugar, havia a questão de as carteiras serem completamente desequilibradas, desrespeitando o tal princípio da diversificação. Numa havia quase 90% de obrigações do próprio banco e noutra havia “só” 50% de obrigações do banco, com o “detalhe” de estas obrigações serem subordinadas, ou seja, o tipo mais arriscado de obrigações.

É impossível que o Banco de Portugal não saiba o que os bancos andam a vender aos seus clientes e é incompreensível como é que produtos tão desequilibrados possam ser comercializados. Deveria haver limites conservadores à exposição a uma única entidade e mais fortes ainda quando essa entidade é o próprio banco. Para o caso de produtos anteriores a uma eventual nova regulamentação poder-se-á admitir um período de transição, para não forçar movimentações demasiado bruscas, que possam colocar em causa os próprios valores dos produtos.

Além disso, o Banco de Portugal deveria ser muito mais exigente na forma como os bancos apresentam a informação que prestam aos seus clientes o que, em si mesmo, será uma forma de melhorar a literacia financeira de todos.

PS. Com este artigo, despeço-me dos meus leitores neste jornal, agradecendo as vossas leituras e comentários e esperando que me possam acompanhar muito em breve, num novo jornal digital especializado em economia, o ECO.


[Publicado no jornal “i”]