Há já várias décadas
que a UE mergulhou num grave equívoco, tendo-se esquecido dos verdadeiros
objectivos da construção europeia: a paz e a contenção da Alemanha.
A (actual) UE foi construída com dois objectivos essenciais:
garantir a paz na Europa e conter a Alemanha (então RFA). Para se conseguir
alcançar estes objectivos usou-se o instrumento da integração, aprofundando a
unificação de políticas e alargando o seu espaço geográfico. No entanto, a meio
do caminho, perdeu-se de vista os objectivos primordiais e essenciais e
passou-se a encarar o instrumento “integração” como um objectivo em si mesmo,
tendo-se, com isso, acumulado um número inacreditável de erros, cada vez mais
profundos e graves.
Um primeiro erro – gravíssimo –, decorrente desta confusão, foi
pensar que se deveria caminhar para a máxima uniformização possível, que todos
deveriam partilhar as mesmas regras. Isto foi criando um número sucessivo de
anti-corpos, tendo-se gerado vários braços-de-ferro com diversos Estados
Membros, tendo sido admitidas, com má cara, cláusulas de excepção em alguns
casos, sobretudo o do Reino Unido. Como é que pode pensar pela cabeça dos
eurocratas que obrigar os países a políticas que eles não querem pode ser bom
para promover a paz?
Um segundo erro, entretanto timidamente reconhecido, foi a
criação de uma burocracia europeia, à imagem e semelhança do pior centralismo e
dirigismo francês, a querer meter o bedelho nos assuntos mais ridiculamente
triviais. Se o objectivo era criar animosidade contra a UE, a integração
europeia e as instituições comunitárias, não poderiam ter escolhido uma via
melhor.
O caso mais sério de um erro de integração correspondeu à
criação do euro, a que todos os países seriam obrigados a pertencer, tendo, de
novo, o Reino Unido conseguido uma cláusula de excepção. Vou, neste texto,
passar por cima de todos os problemas económicos do euro e fazer uma avaliação
unicamente política da sua criação. O euro trouxe mais paz à Europa? Nem por
sombras, criou linhas de conflito duríssimo, desenterrou os piores fantasmas da
II Guerra Mundial. O euro serviu para conter a Alemanha? Fez exactamente o
contrário!
A criação do euro foi o maior equívoco europeu das últimas
décadas, decorrente da confusão de se ter passado a considerar que a integração
era um objectivo em si mesmo. Estou em crer, inclusive, que os historiadores no
futuro dirão que foi o euro que provocou a desintegração da UE.
Por tudo isto, considero que o Brexit, inevitável nas
próximas semanas ou um pouco mais tarde, é um sintoma dos males da UE e que
deveria ser usado para reformar as instituições e tratados europeus. Em
particular, que se deveria deixar de lado a ideia de uniformização de políticas
e de pretender avançar mais na integração. Já ultrapassámos o limite da boa
integração. A partir daqui, mais integração vai significar quase sempre mais
conflitos e menos paz, o contrário dos verdadeiros objectivos da construção
europeia.
Ao negociar os novos termos de convivência com o Reino
Unido, depois da saída, julgo que se deve aceitar suspender a liberdade de
circulação de pessoas (um dos pontos de maior divergência), se for esse o
desejo do governo britânico. Mais: acho que a UE deve continuar a permitir a
liberdade de circulação dos britânicos no espaço europeu, mesmo que não haja
reciprocidade, e que isso deveria ser alargado a outros países da UE. É
evidente que prefiro que haja liberdade de circulação de pessoas do que não
haja, mas considero que, mais importante do que isso, é que os países
(sobretudo as democracias maduras) não sejam obrigados a políticas com que não
concordam.
[Publicado no jornal “i”]
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