Quando a câmara de
Lisboa falir, no próximo ano, os bancos e fornecedores deverão sofrer perdas,
os munícipes deverão assistir a um corte na prestação de serviços e os
trabalhadores autárquicos deverão ver as carreiras congeladas
A Câmara Municipal de Lisboa anda a fazer um conjunto
completamente faraónico de obras, cuja estratégia global nunca foi discutida
publicamente e muito menos submetida a votos. Dadas as alterações estruturais
que introduzem na cidade, são obras sem a menor legitimidade política.
Não se pode tomar medidas sobre uma cidade com a
complexidade de Lisboa sem que os munícipes sejam ouvidos, sem que
especialistas possam produzir as suas análises. Tomar decisões importantes nas
costas dos eleitores, mesmo que com o apoio maioritário de dirigentes de vários
partidos, é mais uma derrota da democracia, em que a partidocracia deste regime
podre se vai progressivamente desacreditando, descendo cada vez mais baixo,
mesmo quando tal se imaginava impossível.
A razão para não ter havido debate público sobre o plano
geral de obras deve-se à imensa hipocrisia que as rodeia. Sob o pretexto de
tornar a cidade mais habitável, dificulta-se o tráfego automóvel nas principais
vias da cidade. Como se fizesse algum sentido passear nas vias mais poluídas e
engarrafadas. Se querem intervir, deveriam escolher as vias secundárias e os
espaços verdes e nunca as vias principais.
Mas insisto neste ponto: o mais grave não é a minha
discordância pessoal com as opções seguidas, mas o facto de os lisboetas nunca
terem tido oportunidade de discutir um tema desta importância, com tempo e
vagar, dispondo de estudos de qualidade para enquadrar a análise.
Também já percebemos que estes estudos não existem, como
ficou claro no caso das mudanças na 2ª circular, em que nem sequer as
autoridades aeroportuárias foram consultadas, o que revela um amadorismo
assustador.
Agora o que temos é um conjunto absurdamente elevado de
obras, o que reforça a minha convicção de há muitos anos: é um urgente cortar
nas transferências para as autarquias, em vez de andar a cortar na saúde e na
educação. Se num período de crise a autarquia lisboeta tem dinheiro para fazer
a quantidade absurda de obras que anda a fazer, então isso deve ser encarado
como sinal exterior de riqueza e motivar uma redução nas transferências do
Estado central para este e outros municípios.
Na verdade, o que suspeito é que estas despesas são tão
excessivas, que ultrapassam qualquer excesso de dinheiro que a autarquia recebe
e que a câmara de Lisboa deverá declarar a sua falência, quando todas estas
despesas forem contabilizadas.
Quando esta falência ocorrer, o Estado central não deve
socorrer a autarquia, que deve ser usada como exemplo para todas as outras,
para não andarem a acumular dívidas que outros pagarão.
Os bancos que forneceram crédito à câmara de Lisboa devem
sofrer na pele e aprender que têm que ser muito mais criteriosos quando
emprestam às autarquias. Os fornecedores também devem sofrer perdas, para
também eles terem mais cuidado com os atrasos nos pagamentos dos municípios. Os
habitantes e todos os que trabalham na capital deverão passar a beneficiar de
menos serviços camarários e os trabalhadores autárquicos deverão ver as suas
carreiras congeladas, durante o período que durar o ajustamento orçamental.
A falência ainda não é o resultado inevitável, se os bancos,
fornecedores, munícipes e funcionários autárquicos perceberem que é do seu
máximo interesse que a câmara esclareça publicamente a sua situação financeira
e o montante total de compromissos que está a assumir, directamente e
indirectamente, com estas obras politicamente ilegítimas.
[Publicado no jornal “i”]