segunda-feira, 30 de maio de 2016

Brexit

As negociações de saída do Reino Unido deverão ser muito demoradas e a incerteza sobre o seu resultado deverá afectar o crescimento europeu

Estamos a pouco menos de um mês do referendo que terá lugar, a 23 de Junho no Reino Unido, para decidir se este país fica ou sai da UE. As últimas sondagens agregadas, que consideram todas as sondagens realizadas, estão a dar um empate técnico, com 46% a votar pela permanência de 40% pela saída. A diferença está dentro do intervalo de erro das sondagens, ou seja, qualquer resultado ainda é possível, podendo o resultado final depender de um evento mínimo nas próximas semanas.

Existe uma correlação notável entre a idade dos eleitores e a sua posição no referendo. Aos 18 anos, apenas 23% pretendem a saída, valor que vai subindo até os 50% aos 43 anos, chegando a dois terços aos 68 anos. No entanto, dado que os mais jovens têm taxas mais elevadas de abstenção, poderão não conseguir vencer o referendo.

Se a permanência na UE vencer por uma margem mínima que é, neste momento, o cenário mais favorável que os europtimistas podem esperar, isso pode ser encarado como uma derrota a prazo. O que é irónico é que um cenário desses assustaria os parceiros europeus e poderia conduzir a uma série de concessões, que poderiam acelerar uma partida futura. Sobretudo, porque o que se passa na UE é uma deterioração crescente, com focos de tensão, desde o euro aos refugiados, que estão a colocar em causa solidariedades passadas.

Se os britânicos votarem pela saída, isso levará a negociações muito difíceis sobre a relação futura com a UE. Julgo que os analistas têm cometido o erro de colocar em cima da mesa as situações da Suíça, Noruega e outros, porque me parece evidente que a posição singularíssima do Reino Unido terá que conduzir à definição de um estatuto também ele singular. Relembremos, entre tantos outros aspectos, que este país é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a quinta maior economia do mundo e a segunda maior economia europeia, tem o maior centro financeiro da Europa e é a maior potência universitária europeia.

Os negociadores da UE terão uma tarefa dificílima nas mãos. Por um lado, parece-me que, irracionalmente, haverá a tentação de ter uma atitude punitiva sobre os britânicos, por terem tido o descaramento de fazerem a crítica mais dura possível às instituições europeias, que consiste nesta vontade de sair. Por outro lado, também não quererão facilitar a tentação que possa existir noutras paragens para seguir o Reino Unido, o que aconteceria se as condições oferecidas a este fossem demasiado benévolas. Finalmente, não podem ignorar a dimensão e importância deste país.

Não tenho grande esperança que isso aconteça, mas a saída dos britânicos deveria levar a UE a perceber que o erro capital da construção europeia tem sido a obrigação de todos os países ficarem forçados a adoptar (quase) todas as normas comunitárias. O erro mais grave consistiu exactamente na criação do euro, que considero que a história virá a definir como a causa principal da desagregação da UE. Era mil vezes preferível que a UE se tivesse construído “à la carte”, em que os países só adoptavam as políticas com que voluntariamente concordassem.

 Se isso não foi feito no passado, poderia ser adoptado de agora em diante, sendo este princípio usado já na negociação com o Reino Unido.

Infelizmente, parece-me que o mais provável é que sejam acordadas condições que são prejudiciais a ambas as partes, essencialmente por culpa dos negociadores comunitários, já que os britânicos são justamente famosos pelo seu bom senso.


[Publicado no jornal “i”]

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Birras perigosas

A birra de António Costa de não apresentar um plano B orçamental está ao nível de perigosidade da birra de Sócrates de não pedir auxílio à troika

O recuo da ideologia tem levado ao aparecimento de, pelo menos, dois tipos de escolhas, como uma forma pobre de diferenciação política. Por um lado, a criação de um conjunto apreciável de medidas folclóricas, sem substância ideológica, como é o caso da luta do PS, desde 2011, com o IVA da restauração.

Por outro, há as birras ou rivalidades, ao nível da luta de galos. Neste segundo grupo, está a diabolização do FMI, levada a cabo por Sócrates, que trouxe elevados prejuízos ao país. Por ter diabolizado o FMI, o antigo primeiro-ministro adiou muito mais tempo do que seria sensato o pedido de ajuda externa, só o tendo feito quando o país já estava com a corda na garganta, sem qualquer poder negocial. Por isso, o nosso programa de ajustamento teve um caracter punitivo que deve ser assacado a Sócrates. Para além disso, ao ter pintado de negro um pedido de auxílio, transformou este numa derrota política muito mais severa do que se tivesse defendido que aquele decorria de fragilidades estruturais do país.

Neste momento, demonstrando mais uma vez que o PS não aprendeu nada com os seus erros passados, estamos a assistir a uma repetição deste filme, como num velho e decadente cinema de reprise, com a absurda teimosia de António Costa de não apresentar um plano B orçamental, apesar das exigências de Bruxelas.

De novo, tem que se salientar que foi o actual primeiro-ministro que, de forma totalmente imprudente, se encurralou na actual armadilha. A mera existência de um plano B não tem absolutamente nada de ideológico, decorre apenas do mais elementar sentido de prudência e bom senso. O conteúdo do plano B terá, certamente, uma tonalidade ideológica, sendo completamente diferente se for traçado por um governo de esquerda ou de direita, mas a existência do plano em si nada nos diz sobre as opções políticas, mas tão só sobre a qualidade da governação.

Mas António Costa assentou o orçamento de 2016 em duas fantasias: em primeiro lugar, o cenário macroeconómico, que não levou em linha de conta a desaceleração internacional em curso, nem os fortes danos que a sua política anti-empresarial teria sobre o investimento; em segundo lugar, ignorou os impactos negativos das suas medidas orçamentais, em particular o aumento do imposto sobre os combustíveis, que desviaram muitas receitas fiscais para Espanha.

Qualquer pessoa que não fosse destituída do maior elementar bom senso e do mais básico conhecimento de economia, sabia, à partida, que um plano B seria essencial. Talvez fosse difícil prever que apenas um mês e meio após a entrada em vigor do novo orçamento a Comissão Europeia (CE) já estaria a pedir um plano B, mas é totalmente óbvio que uma qualquer versão deste plano teria que ser disponibilizada – e aplicada – dentro de meses.

António Costa, por pura imprudência e irresponsabilidade, colocou-se na posição de recusar divulgar um plano B, mesmo agora que a CE ameaçou aplicar sanções em Julho.

É evidente que a CE não quer aplicar sanções, como já em 2002 evitou aplicá-las à França e Alemanha. Bruxelas teme, com razão, os resultados das eleições espanholas e o referendo inglês de Junho, onde o sentimento anti-europeu impera. No entanto, não pode aceitar a inacção do governo português.

A birra absurda de António Costa, como antes a birra de Sócrates, tem todas as condições de custar caríssimo ao país. Convém recordar que, antes das sanções de Bruxelas, é muito provável que cheguem as sanções dos mercados financeiros, com uma gravosa subida das taxas de juro.


[Publicado no jornal “i”]

domingo, 15 de maio de 2016

Conjuntura em deterioração

A desaceleração do PIB que se espera não pode ser explicada pela conjuntura internacional, mas sobretudo pela acção do actual governo 

Desde meados de 2015 que se tem assistido a uma sucessiva revisão em baixa das perspectivas de crescimento para as economias avançadas, mais nítida nos EUA, embora a zona do euro tenha vindo a revelar perspectivas mais fracas.

Os valores de Maio revelaram nova deterioração na economia americana, com ligeira recuperação na zona do euro, embora as perspectivas sobre a inflação no euro (de 0,3% para 0,2%) continuem a revelar uma impotência do BCE em conseguir afastar o espectro da deflação.

Recordemos que o BCE tem estado sempre atrasado nas suas intervenções: conseguiu a proeza de subir as taxas de juro no Verão de 2008, quase um ano depois do início da crise do subprime e nas vésperas do colapso iniciado naquele ano; quando a crise se instalou, agiu sempre menos e mais tarde do que a Reserva Federal dos EUA.

Este banco continua a dizer que tem instrumentos para evitar a deflação, o que é quase falso e errado. Quase falso porque não se imagina o que é que o BCE possa ainda tirar da cartola: taxas de juro ainda mais negativas ou programa de compras de mais dívida pública? Será apenas mais do mesmo.

Mas, acima de tudo, a atitude do BCE está profundamente errada, porque a política monetária actua com um elevadíssimo desfasamento: cerca de 3 a 4 trimestres sobre o PIB e cerca de 6 a 8 trimestres sobre a inflação. Dado este desfasamento brutal, qual é a lógica de estar à espera de que a calamidade se instale para então tomar medidas?

Na verdade, o BCE já não tem praticamente nenhum instrumento monetário para agir, mas sobra-lhe ainda um dos instrumentos mais potentes ao dispor dos banqueiros centrais: a palavra.

Infelizmente, também aqui, o BCE agiu com atraso e falta de convicção. A Alemanha tem apresentado um superavit externo elevadíssimo (mais de 7% do PIB), tão grande como o da China (em valores absolutos), o que é um dos principais obstáculos à recuperação económica da zona do euro e também da economia mundial.

Este superavit está a debilitar a economia da zona do euro e fazer com que o euro tenha uma cotação muito mais forte do que teria caso ele não existisse. Ambos estes efeitos são claramente responsáveis pelos níveis perigosamente baixos da inflação na zona do euro.

Por tudo isto, já há muito tempo que o BCE deveria pressionar a Alemanha, primeiro em privado e depois em público, para diminuir aquele superavit. Em vez disso, o presidente do BCE apenas referiu estes factos em resposta a acusações totalmente infundadas do ministro das Finanças alemão. Estas palavras de Draghi, apenas como reacção e não como clara posição de princípio, não tiveram nem deverão ter qualquer impacto.

Entretanto, em Portugal, o PIB do 1º trimestre deverá ser conhecido hoje e deverá revelar um valor fraco. No entanto, só no dia 31 deste mês poderemos conhecer os detalhes do PIB e é muito provável que se confirmem as suspeitas de forte e preocupante deterioração do investimento. É evidente que estes fracos resultados terão que ser assacados a este governo.

Para além disso, dados do Ministério do Trabalho indicam que 20% dos trabalhadores recebem o salário mínimo e que nas novas contratações, em 2016, o peso já é de 36%. Esta evolução é altamente preocupante e reforça a convicção de que este referencial tem sido aumentado muito acima dos ganhos de produtividade e que já está a gerar desemprego. Convém que se pondere muito bem qualquer nova subida do salário mínimo e que se dê preferência à criação de um escalão negativo no IRS, como aliás constava do programa eleitoral do PS.


[Publicado no jornal “i”]

terça-feira, 10 de maio de 2016

O desastre dos fundos europeus

O mais claro sinal de que os fundos europeus têm sido aplicados de forma extremamente errada reside no facto de que há cerca de década e meia que o país deixou de convergir com a UE, quando esse era o principal objectivo desta ajuda.

Portugal começou a receber Fundos europeus há mais de trinta anos, ainda antes de aderir à então CEE, em 1986, como forma de acelerar a convergência com os países mais prósperos da Comunidade. Nos primeiros anos, é evidente que estes fundos foram de uma extrema utilidade, bastando lembrar que a mais importante auto-estrada do país, de Lisboa ao Porto, só ficou concluída em 1991, substituindo uma estrada nacional que estava completamente entupida e que era um óbvio travão ao desenvolvimento.

No entanto, após os investimentos mais necessários, começaram as despesas em obras de utilidade cada vez mais duvidosa, que já nem sequer se devem apelidar de investimentos, tal o seu despropósito. O mais claro sinal de que os fundos europeus têm sido aplicados de forma extremamente errada reside no facto de que há cerca de década e meia que o país deixou de convergir com a UE, quando esse era o principal objectivo desta ajuda.

Os erros na utilização destes fundos residem em parte na atitude do país e também na forma como estes fundos são atribuídos pela UE. Em termos nacionais, instalou-se a ideia de que estes fundos são europeus e que se deve “sacar” o mais possível.

Em primeiro lugar, convém relembrar que cerca de metade destes fundos equivale às contribuições portuguesas, pelo que não devem ser encarados como maná caído do céu, antes como contendo uma elevada participação nacional.

Em segundo lugar, “sacar” o máximo pode ser um erro calamitoso, porque se as despesas de manutenção destes “investimentos” forem superiores aos benefícios correntes é preferível nem sequer gastar estes fundos.

Em terceiro lugar, estes fundos criaram uma indústria de pura parasitagem, que beneficia quem conhece as regras e as pessoas certas, devendo também envolver uma dose inevitável de corrupção. Isto é o cúmulo da actividade extractiva, que caracteriza as sociedades que têm pouco sucesso. Aliás, é incrivelmente irónico que fundos que deveriam promover o desenvolvimento, em vez disso, promovam actividades que são o oposto do que é necessário ao desenvolvimento.

Finalmente, há também as regras europeias, que exigem que os fundos sejam utilizados num conjunto muito particular de actividades, limitando fortemente a subsidiariedade de serem as autoridades mais próximas dos problemas a conhecer e decidir melhor onde se deve gastar estes apoios.

Para além do desastre económico que estes fundos europeus se têm revelado, temos que lhe acrescentar o grave problema político que também criaram, já que também têm servido para emudecer a democracia. Dado que o governo em funções tem, apesar de tudo, alguma discricionariedade em atribuir os fundos entre as várias candidaturas, há muitos indivíduos e instituições que silenciam as suas críticas, com medo de perder acesso a esta benesse. Para desgraça nacional, estamos de volta à “compra” de votos tão comum no século XIX, que limita o escrutínio imprescindível a uma democracia saudável.

Por tudo isto, retomo uma proposta que já venho fazendo há anos. Deveríamos negociar com a UE receber menos, digamos, 20% dos fundos europeus a que temos direito mas, em contrapartida, passaríamos a ter liberdade para os gastar. Poderíamos baixar o IRC para atrair investimento estrangeiro, ou baixar a TSU das empresas, mas melhorar a competitividade ou, simplesmente, baixar o défice público. A probabilidade desta proposta ser aceite é nula, mas sempre serviria para chocar a UE e evidenciar a necessidade de rever as regras de atribuição destes fundos.


[Publicado no jornal “i”]

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Novo braço-de-ferro com a Comissão Europeia?

A austeridade está de volta mas, mesmo assim, em doses insuficientes para cumprir a redução do défice estrutural em 0,5% do PIB, como exigido pelo Tratado Orçamental.

O Programa de Estabilidade 2016-2020 recém divulgado começa por se basear num cenário macroeconómico de conto de fadas, ignorando os riscos internacionais e os sinais de deterioração da actividade já visíveis em Portugal nos últimos meses.

Não só a taxa de crescimento é fantasiosa, como a sua estrutura é perigosa, totalmente baseada na procura interna, esquecendo que uma estratégia semelhante foi o que nos conduziu aos braços da troika. Também é muito estranho que se preveja um tão forte crescimento do investimento e que as exportações líquidas tenham um contributo negativo para o PIB. Também aqui pretendem repetir os erros do passado, com maus investimentos?

Nas contas públicas, a austeridade está de volta mas, mesmo assim, em doses insuficientes para cumprir a redução do défice estrutural em 0,5% do PIB, como exigido pelo Tratado Orçamental. Vamos a um novo braço de ferro com a Comissão Europeia?

A estratégia de redução do défice foca-se no lado da despesa, o que é de saudar. Infelizmente, neste capítulo as contradições não podiam ser maiores. O governo quer reduzir sobretudo as despesas com pessoal, mas também quer reduzir o seu horário de trabalho para 35 horas, diminuir o número de alunos por turma, reabrir tribunais, descongelar as progressões na carreira, etc, etc. Como é que pode conseguir tudo isto em simultâneo? Também se fala na redução dos consumos intermédios, mas sem qualquer tipo de detalhes, devendo estar à procura de uma varinha de condão para o obter.

Infelizmente, como todos os seus antecessores, temos mais um Programa de Estabilidade que não é credível, não se percebendo por que razão a Comissão Europeia insiste em aceitar este tipo de fantasias.

Quanto à versão final do Programa Nacional de Reformas, continua com o nome errado, porque não contém nenhuma reforma digna desse nome. O mais extraordinário é que o próprio documento reconhece a sua própria irrelevância ao apresentar estimativas dos “Impactos macroeconómicos das reformas estruturais” (Anexo II).

Para não massacrar o leitor com números, vou-me limitar ao impacto sobre o emprego, que todos reconhecerão que é um problema gravíssimo. A redução dos custos de contexto deve aumentar o emprego em 0,01%, um valor que não podia ser mais ridículo. As reformas no mercado de trabalho aumentam o emprego em 0,02%, um valor tão absurdamente baixo, que quase parece que estão a gozar connosco.

As únicas medidas onde se esperam resultados significativos são na educação, que deverá a levar a um aumento do emprego de 1,38%. Este valor tem que ser encarado com cepticismo porque resulta de um equívoco entre nível de rendimento e taxa de crescimento desse rendimento.

Em termos de nível de rendimento, o nosso problema terá, pelo menos, seis séculos, bastando citar a famosa carta de Bruges do infante D. Pedro, onde se faziam muitas recomendações ao rei D. Duarte, seu irmão, para imitar o que então se fazia na Europa.

Em termos de taxa de crescimento, temos tido períodos bons, como entre 1960 e 1973 e entre 1986 e 2000 e outros péssimos, como desde 2000 até hoje. Ora nos períodos em que crescemos bem tínhamos níveis de formação muito inferiores aos de hoje e nos últimos anos até temos feito grandes progressos na redução do abandono escolar.

É evidente que investir na formação é bom, mas não se espere que isso dê um contributo significativo para resolver o nosso grave problema de competitividade preço.


[Publicado no jornal “i”]