sexta-feira, 25 de março de 2016

Atentados

A inacção da Europa dará força aos piores nacionalismos

Antes de mais, tenho de dizer que as minhas orações estão com as vítimas do atentado de Bruxelas, não só as vítimas directas e suas famílias, mas também todas as vítimas do medo, na Bélgica e em muitos outros países europeus, incluindo Portugal, onde já houve uma ameaça de bomba no metro de Lisboa.

Em seguida, sem ter soluções fáceis nem óbvias para o problema do terrorismo, que pode ser desencadeado por uma minoria das minorias, julgo que temos que reconhecer que o Ocidente tem questões a resolver com o Islão, pelo menos na sua versão radical.

Em primeiro lugar, o Ocidente tem-se sentido autorizado (por si próprio…) a intervir em demasiados países muçulmanos, com uma atitude tão colonialista quanto incompetente, gerando muitas vezes mais problemas do que aqueles que se propunha resolver. Recordo-me, em particular, da catastrófica invasão do Iraque, em 2003, a que em má hora Durão Barroso quis associar o nosso país. Como é evidente, estas intervenções desastradas criam um capital de queixa, que se estende muito para lá da zona afectada, que acaba por ser pretexto para actos de terrorismo como retaliação.

No Médio Oriente, a UE também tem errado, ao enviar copiosos meios financeiros a organizações que, se não praticam directamente o terrorismo, estão muito próximo de o fazer e financiar.

Em segundo lugar, temos a forma como temos tolerado a não integração do Islão no próprio território europeu (felizmente não em Portugal), permitindo a criação de espaços em que as polícias nacionais se demitiram de intervir, a tolerância da incitação à violência e a tolerância da violação de valores essenciais do Ocidente, como a igualdade de direitos das mulheres e minorias. Em alguns casos extremos, chegou-se a permitir a repressão de práticas cristãs seculares, para não “ofender” os sentimentos de muçulmanos.

Há indicação de que, em alguns dos últimos atentados, os terroristas contaram com o claro e importante apoio das suas comunidades, o que é muito grave.

Que soluções, para um problema tão complexo? Em relação ao primeiro problema, a solução poderia passar pelo recuo da intervenção ocidental. No entanto, subsistiriam as questões que foram ampliadas pela anterior intervenção ocidental, como é o caso da Síria.

Já em relação ao segundo problema, poderia haver a tentação de uma imediata e forte redução da tolerância aos excessos do Islão na Europa. Infelizmente, o mais provável é que isso geraria um clima de guerra civil nos bairros já actualmente problemáticos.

Sendo muito difícil de conceber e, sobretudo, de concretizar, penso que uma outra solução teria que passar pelo envolvimento do Islão moderado e pela construção de soluções que permitam ultrapassar a actual situação de muitos jovens sem perspectivas de futuro, os recrutas ideais do terrorismo.

Finalmente, há as questões logísticas do espaço de Schengen, aparentemente mais tratáveis. Por um lado, não é concebível que os países da linha da frente na recepção de refugiados, como a Grécia, ainda por cima já terrivelmente fustigada pela crise do euro, sejam forçados a suportar uma fracção totalmente desproporcionada dos custos, quer financeiros quer humanos, o que só pode criar deficiências de fiscalização, pelas quais pagaremos um alto preço.

Por outro lado, é com enorme espanto que somos informados que não existe um sistema centralizado de informação de segurança no espaço de Schengen, estando o mesmo dependente da cooperação informal entre diversas polícias e serviços de fronteiras. Como é evidente, isto precisa de ser corrigido o mais brevemente possível. 


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 18 de março de 2016

Desumanidade

O actual governo quer sufocar o mecenato social, mesmo prejudicando crianças doentes

A liberdade e a prosperidade andam intimamente ligadas. Para além disso, a liberdade está muito correlacionada com o grau de autonomia com que vivemos e como sentimos que podemos inovar e explorar novos caminhos.

Infelizmente, em Portugal, existe a regra não escrita de que tudo o que não está explicitamente autorizado é proibido, o que retira muito poder às pessoas e atribui um poder excessivo ao Estado e, sobretudo, a todos os seus pequenos agentes, como o contínuo da repartição entre outros.

Nas últimas décadas, temos assistido a um aprofundamento da microregulação, abrangendo novas áreas meritórias, como a poluição (sonora e outras) e a segurança, mas também a desvarios como a regulamentação de galheteiros e, uma nova loucura europeia, de autoclismos.

Estes ataques à liberdade, sempre em nome dos melhores princípios, têm vindo a diminuir a nossa margem de manobra e até o nosso livre-arbítrio.

É interessante referir que vários estudos têm revelado que um dos traços mais marcantes dos pobres é o sentimento de falta de poder que os caracteriza, o que faz com que se sintam, à partida, incapazes de mudar a sua condição. Em contrapartida, os self made man que saíram de meios humildes não têm aquele sentimento, o que lhes permite melhorar muito as suas condições de partida, por mais desfavoráveis que elas possam ter sido.

Por tudo isto, quem trabalha com os meios mais pobres sabe que uma das intervenções mais importantes, para além de conseguir meios mínimos de subsistência, é intervir no sentido de alterar aquele sentimento de falta de poder. Dar poder aos pobres é, entre outras coisas, dar-lhes o poder de escolher.

Este aumento de poder pessoal poderá estar associado a uma maior prosperidade futura, mas estará certamente associada a uma maior liberdade de conduzir a sua própria vida e libertar-se de um sentimento de escravidão e ignorância. Do meu trabalho de voluntariado ficou-me a frase, quase poética, de uma senhora imigrante que dizia que “a vida de pobre é escura”, que estava relacionada com o sentimento de desconhecido, de nem sequer conhecer os seus direitos.

Ou seja, sempre que tenha que haver intervenção pública, ela deve ser promotora da liberdade individual e da emancipação dos cidadãos e nunca da sua escravidão ao Estado e seus agentes.

Esta introdução, um pouco longa, serve de enquadramento para uma notícia recente, oriunda do blog portugalcontemporaneo.blogspot.pt e assinado por Pedro Arroja, que nos conta um filme de terror nosso Estado e sobretudo deste novo governo.

Este economista dirige uma acção mecenática de edificação de uma nova ala pediátrica no Hospital de S. João no Porto para substituir uma construção provisória feita de contentores metálicos.

Depois de muita burocracia, a obra iniciou-se em Novembro passado para ficar paralisada a partir do mês seguinte, porque o Hospital deixou de fazer o pouquíssimo que lhe cabia, que era desimpedir o espaço.

Pedro Arroja tentou insistentemente averiguar as causas desta mudança de comportamento, em várias instâncias, tendo recebido como resposta apenas silêncio. É natural associar estas alterações à substituição de governo entretanto ocorrida. Este executivo, tão lesto defensor das corporações públicas, tornou-se um inimigo do mecenato social, mesmo neste caso em que os beneficiários são crianças doentes.

É impossível isto ser mais chocante, quer por se atacarem este tipo de beneficiários, quer por se querer derrotar as mais saudáveis iniciativas da sociedade civil, para manter os cidadãos o mais possível escravos do Estado e seus agentes.

[Publicado no jornal “i”]

sábado, 12 de março de 2016

Primavera tensa

Os próximos meses antecipam-se particularmente tensos e não é seguro que este governo lhes consiga sobreviver

O governo tem gerido a questão orçamental de forma extremamente deficiente, tendo-se embrulhado numa polémica estéril com a apresentação de um “Esboço” de orçamento, que era obviamente inaceitável. Foi obrigado a recuar em toda a linha, com a agravante – nada despicienda – de deitar por terra muita da credibilidade que tinha sido recuperada nos quatro anos anteriores, o que se traduziu num forte agravamento das taxas de juro.

Mas a atracção pelas guerrinhas sobre irrelevâncias continua. Agora, é o debate absurdo sobre medidas adicionais e saber se devemos discutir “quando” devem ser aplicadas ou “se” serão sequer necessárias. É evidente que é altamente provável que elas venham a ser necessárias e já nos próximos meses. Que interesse é que tem perder tempo com uma matéria que dentro em breve deixará de ter qualquer razão de ser (a diferença entre o “quando” e o “se”)?

Sobretudo porque caminhamos a passos largos para questões conexas e muitíssimo mais importantes. É já em Abril que os governos nacionais da zona do euro têm que apresentar dois documentos muito importantes: o programa nacional de reformas e o programa orçamental de médio prazo, 2016-2020.

Entretanto, no contexto do chamado Semestre Europeu sobre a economia e contas públicas, foram publicados esta semana os alertas europeus sobre os vários países, em que Portugal continua a ocupar uma das posições de maiores desequilíbrios macroeconómicos (elevadíssimas dívidas pública e externa), o que significa que deverá ser objecto de uma vigilância particularmente atenta.

Em Maio, a Comissão Europeia anunciará as recomendações específicas para cada Estado Membro, que serão discutidas e aprovadas nos dois meses seguintes.

Ou seja, é já no próximo mês que este governo terá que apresentar as suas propostas de reformas, em que será forçado a recuar nas suas tentativas de reverter reformas concretizadas durante a intervenção da troika. Antecipam-se fortes conflitos dentro da coligação de esquerda, agravados pelas dissidências sobre a trajectória do défice público até 2020, que terá necessariamente associado novos pacotes de austeridade.

Para compor o ramalhete, será também no final de Abril que a DBRS, a única agência de rating que ainda nos permite ter acesso ao mercado, deverá publicar a actualização da avaliação do risco de Portugal.

Espero bem que as propostas nacionais a apresentar nesse mês não sejam a repetição do erro associado ao Esboço de orçamento, porque isso elevaria grandemente a probabilidade de Portugal ver as portas dos mercados fechadas.

O executivo de António Costa continuará, assim, entre dois fogos, dum lado Bruxelas e as agências de rating e, do outro, o BE e o PCP. Se a aprovação do orçamento para este ano foi muito difícil e nem sequer se encontra já concluída, a aprovação de documentos de médio prazo será muito mais difícil.

Teremos também um novo protagonista na Presidência da República, que se antecipa muito mais dinâmico e não quererá certamente iniciar o seu mandato com Portugal a perder acesso a financiamento externo e a ser obrigado a voltar a chamar a troika

Em resumo, os próximos meses antecipam-se particularmente tensos e não é seguro que este governo lhes consiga sobreviver.


[Publicado no jornal “i”]

sexta-feira, 4 de março de 2016

Imaturidades democráticas

Os últimos dias têm, infelizmente, sido pródigos em episódios que revelam uma democracia ainda frágil

1. O BE será provavelmente o partido com um eleitorado mais volátil. Entre as eleições legislativas de 2009 e de 2011 conseguiu perder 48% dos votantes, conseguindo quase recuperar a quase totalidade daqueles votos nas últimas eleições.

Para além disso, é impossível dissociar a recuperação eleitoral do BE em 2015 da alteração estrutural que se passou no partido, que decidiu passar de um partido de protesto para um partido de governo.

Ou seja, os dirigentes do BE devem prestar atenção particular a duas questões. Em primeiro lugar, é extremamente conveniente não assumirem o seu sucesso eleitoral recente como algo de garantido, porque bastam algumas asneiras para perderem metade dos votantes. Em segundo lugar, a sua recuperação deve-se a terem deixado a atitude de mero protesto adolescente, para uma atitude mais adulta, de querer contribuir para construir verdadeiras soluções, pelo que um regresso ao modo anterior pode ser muito duramente penalizado.

Como já adivinharam, vem isto tudo a propósito do recente cartaz do BE, sobre a adopção dos casais do mesmo sexo. O cartaz é de um mau gosto atroz e tem uma mensagem ridícula.

Antes de mais, devo dizer que concordo genericamente com a lei recém aprovada. Anteriormente, se um casal de (bons) pediatras se candidatasse à adopção de uma criança, ficaria provavelmente num dos lugares mais favoráveis, caso fosse heterossexual, mas ficaria impossibilitado de concorrer se o casal fosse homossexual. Isto parece-me carecer de sentido. Que haja discriminação na aplicação da lei, será talvez inevitável, agora que haja discriminação na própria lei, sem conhecer as pessoas em concreto, as suas competências emocionais em particular, isso parece-me uma violência.

Voltando ao cartaz do BE, pergunto quantos católicos que não concordavam com a lei esperava este partido converter com este slogan tão pateta? Julgo que a resposta só pode ser uma: zero. Em contrapartida, quantos dos novos (ou recuperados) eleitores do BE é que este cartaz irritou, pela absoluta falta de senso? Certamente mais do que zero. Para além do péssimo negócio político, este cartaz revela também imaturidade democrática, pela falta de respeito pelos sentimentos religiosos da maioria dos portugueses.

Em resumo, ou o BE ganha juízo, também em termos orçamentais, ou arrisca-se a repetir o desastre eleitoral de 2011, em eleições que até nem poderão estar assim tão longe.

2. O Henrique Raposo publicou recentemente o livro “Alentejo prometido”, com chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos, anunciado como “uma incursão ao Alentejo profundo, através das memórias e experiências familiares do autor”, o que prenuncia já o tom e justifica grande liberdade de escrita. Nele, o autor pronuncia-se sobre a naturalidade com que o suicídio é aceite naquela região, sobre a violação de mulheres, comum no passado e mais outros temas incómodos.

Para além disso, o Henrique esteve também num programa de televisão, o que terá sido o mote para o disparate viral nas redes sociais, que levou à queima de livros, uma petição para proibir a venda do livro (!), o cancelamento do lançamento e posterior mudança de local, etc. Enfim, todo um excesso, bem revelador da falta de amor à liberdade e de uma verdadeira imaturidade democrática de que o país ainda padece.

O 25 de Abril já foi há 42 anos, já deveríamos ter atingido a maioridade democrática mas, infelizmente, temos que constatar que ainda há muito trabalho a fazer e, também, muitos silêncios de complacência com este desvario que urge confrontar.


[Publicado no jornal “i”]