A recente capitulação
do Syriza vai condicionar fortemente o novo governo português, mas também
deverá ser fonte de crises futuras
As eleições legislativas foram finalmente marcadas para o
próximo dia 4 de Outubro, tendo Presidente da República manifestado uma clara
preferência por um executivo apoiado por uma maioria absoluta, mas não
enjeitando alternativas.
As sondagens têm estado relativamente estáveis, dando um
empate técnico entre PS e a coligação PSD-CDS. A recente capitulação do Syriza,
com o próprio Tsipras a dizer que não lhe explicaram nenhuma alternativa, poderá
ter fortes consequências em Espanha, onde o Podemos já teve uma considerável
queda nas intenções de voto desde o início do ano.
Em Portugal, como os novos partidos não tem revelado nenhum
sucesso relevante, o impacto do fracasso do Syriza não deverá ser muito
significativo, embora devesse ser desfavorável ao PS, que inexplicavelmente se
colou ao sucesso inicial do novo governo grego, ainda que este tenha destruído
o partido socialista irmão, o PASOK.
Parece ser razoável esperar que a nova AR tenha uma grande
dificuldade em criar um governo de maioria absoluta. Tudo indica que quer o PS,
quer a actual coligação fiquem longe de uma maioria absoluta. Por outro lado, o
PSD-CDS não terá parceiros naturais com que se coligar e o PS apenas poderá
coligar-se com o Livre e o partido de Marinho Pinto, ambos com resultados muito
baixos nas sondagens, que muito dificilmente permitirão uma maioria absoluta à
esquerda, dada a irredutibilidade do PCP e BE em participarem em qualquer tipo
de executivo, ainda por cima num governo que terá que aplicar a tão odiada
austeridade.
Para a criação de um governo de maioria absoluta restará a
opção de um bloco central, para o qual o PSD e CDS parecem mais disponíveis do
que o PS. Curiosamente, parece que o PS não quer uma grande coligação (com ou
sem CDS), quer ganhe ou perca as eleições.
É provável que, no imediato, as eleições produzam um
impasse. Por um lado, o PR deverá pressionar a criação dum bloco central, a que
o PS resistirá ao máximo. Por outro, é possível que os partidos perdedores,
vejam a sua liderança contestada ou que esta tome a iniciativa de sair,
dificultando a formação de um novo governo por falta de protagonista com quem
negociar.
Em relação ao programa e actuação do novo executivo, é
evidente que a recente cedência em toda a linha do Syriza veio colocar grandes
freios naquilo que vai ser possível fazer. Muitas das fantasias do PS nunca
chegarão sequer a ser experimentadas. Mas também se teme que muitas das
reformas, nomeadamente a do Estado, eternamente adiada, também não vejam a luz
do dia.
O Syriza deverá condicionar o novo governo também de uma
outra forma, na medida em que aceitou um acordo em que não acredita. É verdade
que foram impostas condições brutais à Grécia, impossíveis de cumprir, mas a
falta de convicção do executivo só irá dificultar as coisas.
Por isso, é natural que dentro de não muito tempo, o
executivo helénico venha a ser nova fonte de perturbação da zona do euro e que
o cenário de saída deste país volte a estar em cima da mesa. Sempre que isso
ocorrer, as taxas de juro da dívida portuguesa devem sofrer, criando uma
pressão adicional sobre o novo governo, sobretudo se também ele estiver a
aplicar a austeridade a contragosto. Aliás, a atitude do nosso novo executivo
será crucial para os mercados decidirem se estamos mais próximos da Grécia (não
confiáveis) ou da Irlanda (confiáveis).
Qualquer crise grega tem condições de, em algum grau, se
contagiar a Portugal. Curiosamente, na actual conjuntura, não acredito que um
governo de bloco central seja mais estável do que um governo de maioria
relativa que necessite de acordos parlamentares pontuais. Um bloco central
minado por profundas desconfianças mútuas muito dificilmente acabará o seu
mandato. Aliás, dados os resultados eleitorais que se antecipam instáveis e a
continuação da crise do euro, o mais provável é que haja eleições antecipadas
algum tempo depois.
[Publicado no jornal“i”]
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