Os riscos com origem
na China podem não estar iminentes, mas poderão manifestar-se a prazo.
Enquanto a Europa se vê a braços com os problemas na Grécia,
na China a bolsa teve uma queda muito significativa, cujas implicações não
estão ainda completamente esclarecidas, sobretudo tendo em conta que esta já é
a segunda maior economia do mundo.
A primeira questão que se tem que reconhecer é que este país
tem um modelo de crescimento sui generis e insustentável. Até à crise de
2008, as exportações eram um grande motor de crescimento, mas a desaceleração
das economias avançadas diminuiu a sua importância, tendo havido uma muito
substancial redução do superavit externo, de 10% para 3% do PIB. Faria mais
sentido a eliminação completa deste excedente externo, porque ele só serve para
acumular divisas e o que já foi acumulado até hoje é exagerado e só tem servido
para comprar dívida pública americana. É um contra-senso que a China seja hoje
um dos maiores fornecedores de capital aos EUA, a maior e mais capitalista
economia do mundo. É verdade que uma parte ínfima destas reservas tem permitido
aos investidores chineses fazerem compras muito significativas no exterior,
como tem sido claramente o caso de Portugal, mas não se justifica um tão
elevado montante de divisas.
Houve um reforço do peso do investimento, que já era
excessivo, para 45% do PIB, um valor elevadíssimo, mesmo para uma economia que
precisa de construir infra-estruturas, havendo aqui um forte elemento de
construção imobiliária, surgindo cada vez mais notícias de cidades fantasma,
com habitações de luxo que não são minimamente acessíveis ao cidadão comum.
O parente pobre do crescimento nesta economia continua a ser
o consumo, que não chega aos 40% do PIB, quando o comum na generalidade das
economias são valores da ordem dos 60%-70%.
O que é normal é que se invista para produzir bens de
consumo, mas na China tem-se investido para produzir bens de investimento, o
que é insustentável e irá requerer uma alteração profunda na estrutura da
economia, o que não se consegue de forma rápida e será difícil de conseguir sem
uma transição complicada. Se se chegar a uma situação, que se teme que esteja
próxima, de um excesso de capacidade instalada, sobretudo no imobiliário, é
natural que o investimento caia a pique, por já não ser possível manter os
volumes do passado. Por outro lado, dado o peso exageradíssimo desta componente
da procura interna, será muitíssimo mais difícil lidar com essa queda do que em
outras paragens, embora a China ainda tenha uma margem monetária, que os EUA e
a zona do euro já esgotaram.
Há um elemento que poderá minorar isto, que é o compromisso
governamental recente de lançar um programa de investimento gigantesco em
termos ambientais, em resposta aos elevadíssimos níveis de poluição atingidos,
fazendo com que este país deixe de ser, tal como infelizmente os EUA, um dos
principais opositores a medidas destinadas a prevenir as alterações climáticas.
De acordo com o FMI, a actual queda da bolsa chinesa não
deverá produzir grandes consequências na economia chinesa, porque a bolha
especulativa era muito recente (caiu para níveis de Março passado) e porque não
tem a dimensão relativa das bolsas das economias avançadas.
No entanto, é necessário ter presente que existe o risco
latente de perturbações na China e que uma desaceleração ou mesmo uma recessão aí
podem ter consequências graves no resto do mundo, sobretudo se ocorrer num
momento em que os instrumentos, orçamentais e monetários, de combate à recessão
e à deflação estejam esticados até ao limite, como é o caso presente sobretudo
na zona do euro.
A China é um grande importador de matérias-primas,
beneficiando muitas economias emergentes. Por isso, um abrandamento do
crescimento chinês terá impacto em quase todo o mundo, ao contrário da crise de
2008, que afectou sobretudo as economias avançadas, mas quase poupou as
emergentes.
[Publicado no jornal “i”]
Sem comentários:
Enviar um comentário