segunda-feira, 12 de abril de 2021

Uma norma-travão a precisar de clarificação

 

Afirmar que o problema das finanças públicas decorre do desrespeito por uma determinada norma, acção que, para além de ilegal, é inconstitucional, não tem lógica, para além de não ser verdade.

 

Parece evidente que a norma-travão sobre o orçamento, definida no número 2 do artigo 167º da Constituição, precisa de ser clarificada, para se tornar evidente o que está vedado por esta legislação. Se “Os Deputados (…) não podem apresentar projectos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam (…) aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado”, então o presidente da AR nunca deveria ter permitido que essas propostas tivessem sido aceites, muito menos votadas.

 

Tem sido aventado que o desrespeito por esta norma-travão por parte da oposição seria a causa principal porque Portugal teria sido forçado a pedir ajuda externa já por três vezes desde 1974 e ter tido – e ter – graves problemas orçamentais.

 

Esta argumentação começa por não ter lógica: se a Constituição não o permite, então não terá sido o seu desrespeito, muito menos o incumprimento reiterado, que terá gerado os nossos problemas.

 

Depois, essa argumentação falta repetidamente à verdade. Os problemas que nos conduziram aos braços do FMI em 1978 e 1983 tinham a ver, sobretudo, com as contas externas e não com as contas públicas. Digamos que a origem principal terá estado numa política cambial errada, que não compensou a nossa inflação excessiva, decorrente de uma política orçamental laxista. Assim, as fortes desvalorizações exigidas pelo FMI resolveram o desequilíbrio externo, num processo muito mais rápido do que os credores externos anteciparam. Como é evidente, não foi a oposição que tinha decidido a política cambial anterior.

 

A adesão ao euro, em 1999, com a perda do instrumento cambial, é que deu às contas públicas o protagonismo de política económica, que antes não tinham.

 

Logo em 2001, o governo quase maioritário de Guterres desrespeitou a regra dos 3% do PIB sobre o saldo orçamental, com défice de quase 5% do PIB. O governo português estreou, assim, o desrespeito por um dos critérios de Maastricht, com duas peculiaridades: enganou os nossos parceiros, que tentou convencer de que o défice estaria apenas em torno de 1% do PIB; não tinha nenhuma desculpa económica para ter um problema orçamental, já que a taxa de desemprego estava muito baixa.

 

O problema seguinte foi gerado por Sócrates, que, num primeiro mandato, governou com maioria absoluta, pelo que a oposição não pode ser responsabilizada pelo que aconteceu. O défice público de 2009 foi – demasiado tarde – revelado como tendo sido 10% do PIB, de novo também escondido de todos, em particular dos eleitores portugueses que foram chamados às urnas em Outubro desse ano.

 

Nesse mesmo mês, houve eleições na Grécia, que deram início à crise do euro, quando se descobriu um défice público muitíssimo superior ao anunciado, um processo com demasiadas similitudes com o nosso.

 

Pouco mais de seis meses depois, Portugal perdeu acesso ao financiamento externo, excepto através do BCE, e Sócrates arrastou o país penosamente durante mais um ano até pedir ajuda externa, faz agora dez anos. Ou seja, foram sempre os governos os responsáveis pelo descalabro orçamental.

 

[Publicado no Jornal Económico]

Atrair investimento estrangeiro de qualidade

Com uma das dívidas externas mais elevadas do mundo, Portugal está “condenado” a atrair capitais externos, mas convinha que fosse atraente para investimento de qualidade.

 

Em 1995, Portugal tinha as contas externas equilibradas, num triplo sentido: tinha uma conta corrente equilibrada; a AutoEuropa iniciou a sua laboração, melhorando muito a qualidade das nossas exportações; praticamente não tínhamos dívida externa, de apenas 8% do PIB.

 

A partir daí, iniciou-se um ciclo de absurdos défices externos, próximos dos 10% do PIB, que fizeram explodir a nossa dívida externa até 110% do PIB em 2011, o que nos fechou o acesso a financiamento externo e nos conduziu para os braços da “troika”. Se não estivéssemos no euro, das duas uma: ou não poderíamos ter conduzido tão imprudentes políticas ou teríamos sido forçados a chamar o FMI dez anos antes.

 

Ficámos assim com uma das dívidas externas mais elevadas do mundo, porque fora da moeda única os investidores estrangeiros já nos teriam fechado a torneira muito antes de chegarmos a tão estratosférico endividamento. Pior ainda: uma parte excessiva desta dívida é financeira, o que a torna extremamente volátil.

 

Uma das consequências mais visíveis deste endividamento foi o termos perdido centros de decisão: quase todas as principais empresas portuguesas passaram a estar nas mãos de investidores estrangeiros.

 

Forçados a reconhecer a dependência de capitais externos, governos de várias cores têm recorrido a meros expedientes: atrair investidores cujo património tem origens pouco claras, das mais altas figuras de regimes cleptocratas; cortejar empresas de capitais públicos de Estados pouco amigos da democracia e dos direitos humanos; incentivar a imigração de luxo, com benefícios fiscais que escandalizam Estados Membros da UE, etc.

 

Mas uma coisa é vender património português já existente, outra é atrair investimento de raiz, que gere emprego, que traga inovação, que contribua para a melhoria da qualidade da produção e da gestão no nosso país.

 

É urgente acabar com os remendos e assumir que temos que melhorar a estrutura da nossa dívida externa, transformando-a em investimento directo estrangeiro (IDE), em novas unidades a construir no futuro.

 

Para isso, precisamos de nos tornar verdadeiramente atraentes para o IDE, como têm feitos os países do Alargamento da UE, que nos têm vindo a ultrapassar. Temos que acabar com esta esquizofrenia de criar condições absurdamente favoráveis para os vistos gold, que envolvem investimentos com pouco interesse, e ter obstáculos absurdos para os novos investimentos, que nos interessam realmente.

 

Destes, destaco apenas dois: as taxas de imposto e a burocracia dos licenciamentos. A nossa fiscalidade sufocante faz com que muitos potenciais investidores nem sequer considerem estudar a sério a hipótese de Portugal, que fica logo fora da “short list”. Em seguida, segue-se o calvário do licenciamento, muitas vezes juncado de cadáveres de intenções. Em suma, impõe-se parar com os expedientes e assumir a vontade de atrair investimento novo de qualidade.

 

[Publicado no Jornal Económico]