É inaceitável que quem
ganha o salário mínimo (ou pouco mais) não tenha acesso a habitação a preços
razoáveis. Neste momento, o valor das rendas está totalmente desfasado dos
salários.
Há décadas que o Estado ou intervém mal ou se abstém de
intervir no mercado de habitação, ainda que o direito à habitação esteja na
Constituição (artigo 65º), desde 1976. O número 3 deste artigo diz: “O Estado
adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com
o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.”
Este preceito nunca foi respeitado, mas hoje estamos hoje particularmente
longe do seu cumprimento. Aliás, mesmo que não estivesse na Constituição, é do
mais elementar bom senso que os governos se preocupem com que haja habitação
acessível para todos.
Em 1974, o congelamento das rendas matou o mercado de
arrendamento, gerando uma crise brutal. As reformas posteriores e a descida das
taxas de juro permitiram resolver (parcialmente) o problema, promovendo a
compra de habitação própria, em que o país se passou a destacar. Diria que a
intervenção pública nesta área se tem caracterizado por um misto de intervenção
desastrada com demissão.
O problema regressou com a recente forte subida da procura
de habitação, sobretudo em Lisboa e no Porto, por via da recuperação da
economia, da expansão do turismo, em particular do alojamento local, e por
políticas públicas de atracção de residentes não habituais, com elevados
rendimentos. É, aliás, um grande contra-senso, que o Estado tenha promovido o
aumento da procura e não tenha feito absolutamente nada para estimular a
expansão da oferta.
Para se ter a noção da gravidade da questão, dei-me ao
trabalho de coligir alguns exemplos de oferta da habitação para arrendamento,
no site idealista, que agrega variados outros portais. Fiz pesquisa por
concelhos da área metropolitana de Lisboa e do Porto, não colocando qualquer
restrição ao tipo de habitação, ordenei pelos mais baratos e escolhi os casos 5º,
10º e 20º, uma forma de diminuir a sensibilidade ao mais barato de todos, que
pode ser demasiado invulgar e pouco representativo.
Rendas nos concelhos da área metropolitana de Lisboa
Concelho
|
Total
|
5ª mais barata
|
10ª mais barata
|
20ª mais barata
|
Alcochete
|
11
|
1 700€
|
2 500€
|
-
|
Almada
|
106
|
550€
|
600€
|
650€
|
Amadora
|
50
|
630€
|
700€
|
780€
|
Barreiro
|
18
|
530€
|
620€
|
-
|
Cascais
|
1 126
|
650€
|
750€
|
800€
|
LISBOA
|
2 603
|
600€
|
625€
|
700€
|
Loures
|
59
|
700€
|
750€
|
900€
|
Mafra
|
39
|
800€
|
950€
|
1 200€
|
Moita
|
9
|
550€
|
-
|
-
|
Montijo
|
27
|
650€
|
700€
|
900€
|
Oeiras
|
300
|
600€
|
700€
|
800€
|
Odivelas
|
39
|
650€
|
800€
|
950€
|
Seixal
|
27
|
600€
|
675€
|
1 250€
|
Para quem não tem andado à procura, isto pode constituir um profundo choque. É quase impossível encontrar habitações por menos de 500€ por mês, quando o salário mínimo é de 600€ e o salário mediano (o máximo que a metade de menores rendimentos consegue auferir) está abaixo dos 1000€. Não tirem ilações erradas, de pensar, por exemplo, que o Seixal é mais caro do que Lisboa. O que se passa é que, havendo apenas 27 habitações disponíveis naquele concelho da margem Sul, a 20ª é das mais caras.
Rendas nos concelhos da zona do Porto
Concelho
|
Total
|
5ª mais barata
|
10ª mais barata
|
20ª mais barata
|
Gondomar
|
20
|
550€
|
600€
|
2 500€
|
Maia
|
25
|
750€
|
1 000€
|
1 650€
|
Matosinhos
|
115
|
600€
|
685€
|
750€
|
PORTO
|
556
|
500€
|
550€
|
600€
|
Valongo
|
14
|
600€
|
650€
|
-
|
Vila Nova de Gaia
|
155
|
500€
|
550€
|
600€
|
No caso da zona do Porto, a situação é ligeiramente menos grave, mais continua a ser muito preocupante.
Considero que não faz sentido que se tenha que gastar mais
de 50% do ordenado em habitação (até acho que deveria ser menos, mas por agora
teremos que ter este objectivo mais realista), pelo que o Estado deveria assumir
o compromisso de assegurar um número muito alargado de habitações entre 300€ e
500€ de renda mensal (metade dos salários da metade mais pobre).
Há muitas formas de lá chegar, sendo que a pior e a garantia
de fracasso seria o tabelamento das rendas.
(continua)
[Publicado na CapitalMagazine]
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