segunda-feira, 11 de março de 2019

Tornar a habitação acessível (1)


É inaceitável que quem ganha o salário mínimo (ou pouco mais) não tenha acesso a habitação a preços razoáveis. Neste momento, o valor das rendas está totalmente desfasado dos salários.

Há décadas que o Estado ou intervém mal ou se abstém de intervir no mercado de habitação, ainda que o direito à habitação esteja na Constituição (artigo 65º), desde 1976. O número 3 deste artigo diz: “O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.”
Este preceito nunca foi respeitado, mas hoje estamos hoje particularmente longe do seu cumprimento. Aliás, mesmo que não estivesse na Constituição, é do mais elementar bom senso que os governos se preocupem com que haja habitação acessível para todos.

Em 1974, o congelamento das rendas matou o mercado de arrendamento, gerando uma crise brutal. As reformas posteriores e a descida das taxas de juro permitiram resolver (parcialmente) o problema, promovendo a compra de habitação própria, em que o país se passou a destacar. Diria que a intervenção pública nesta área se tem caracterizado por um misto de intervenção desastrada com demissão.

O problema regressou com a recente forte subida da procura de habitação, sobretudo em Lisboa e no Porto, por via da recuperação da economia, da expansão do turismo, em particular do alojamento local, e por políticas públicas de atracção de residentes não habituais, com elevados rendimentos. É, aliás, um grande contra-senso, que o Estado tenha promovido o aumento da procura e não tenha feito absolutamente nada para estimular a expansão da oferta.

Para se ter a noção da gravidade da questão, dei-me ao trabalho de coligir alguns exemplos de oferta da habitação para arrendamento, no site idealista, que agrega variados outros portais. Fiz pesquisa por concelhos da área metropolitana de Lisboa e do Porto, não colocando qualquer restrição ao tipo de habitação, ordenei pelos mais baratos e escolhi os casos 5º, 10º e 20º, uma forma de diminuir a sensibilidade ao mais barato de todos, que pode ser demasiado invulgar e pouco representativo.

Rendas nos concelhos da área metropolitana de Lisboa

Concelho
Total
5ª mais barata
10ª mais barata
20ª mais barata
Alcochete
11
1 700€
2 500€
-
Almada
106
550€
600€
650€
Amadora
50
630€
700€
780€
Barreiro
18
530€
620€
-
Cascais
1 126
650€
750€
800€
LISBOA
2 603
600€
625€
700€
Loures
59
700€
750€
900€
Mafra
39
800€
950€
1 200€
Moita
9
550€
-
-
Montijo
27
650€
700€
900€
Oeiras
300
600€
700€
800€
Odivelas
39
650€
800€
950€
Seixal
27
600€
675€
1 250€

Para quem não tem andado à procura, isto pode constituir um profundo choque. É quase impossível encontrar habitações por menos de 500€ por mês, quando o salário mínimo é de 600€ e o salário mediano (o máximo que a metade de menores rendimentos consegue auferir) está abaixo dos 1000€. Não tirem ilações erradas, de pensar, por exemplo, que o Seixal é mais caro do que Lisboa. O que se passa é que, havendo apenas 27 habitações disponíveis naquele concelho da margem Sul, a 20ª é das mais caras.

Rendas nos concelhos da zona do Porto

Concelho
Total
5ª mais barata
10ª mais barata
20ª mais barata
Gondomar
20
550€
600€
2 500€
Maia
25
750€
1 000€
1 650€
Matosinhos
115
600€
685€
750€
PORTO
556
500€
550€
600€
Valongo
14
600€
650€
-
Vila Nova de Gaia
155
500€
550€
600€

No caso da zona do Porto, a situação é ligeiramente menos grave, mais continua a ser muito preocupante.

Considero que não faz sentido que se tenha que gastar mais de 50% do ordenado em habitação (até acho que deveria ser menos, mas por agora teremos que ter este objectivo mais realista), pelo que o Estado deveria assumir o compromisso de assegurar um número muito alargado de habitações entre 300€ e 500€ de renda mensal (metade dos salários da metade mais pobre).

Há muitas formas de lá chegar, sendo que a pior e a garantia de fracasso seria o tabelamento das rendas.

(continua)

[Publicado na CapitalMagazine]

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