As soluções para o
problema da habitação passam, quase todas, por um – brutal – aumento da oferta.
Na primeira
parte desta série, vimos que havia um enorme desfasamento entre o valor das
rendas e os salários praticados em Portugal. Na segunda
parte, fiz o diagnóstico do problema, que decorre do triplo aumento da
procura de habitação, a par de uma – incompreensível – estagnação da oferta.
Nesta terceira parte, com título autónomo, passo às
propostas de terapia, que passam, quase todas, por um – brutal – aumento da
oferta, envolvendo sete recomendações.
1) Via verde do
licenciamento de habitação. Os tempos de espera destes licenciamentos são
absurdamente longos, especialmente em Lisboa, sem nenhuma boa razão que o
justifique, basta falar com qualquer arquitecto para se ter uma noção do mundo
desvairadamente kafkiano (a descrição mais prudente). Recomendo que as câmaras
passem a ser obrigadas a revelar, trimestralmente (para enfatizar a urgência de
resolver este problema), o número de habitações, novas ou a recuperar, que
aguardam autorização municipal, bem como os tempos médios de espera. Espera-se
que a obrigatoriedade de divulgação pública deste descalabro force as câmaras a
curar este cancro.
2) Urbanizar os
“baldios”. Mesmo em Lisboa, ainda há imensos terrenos abandonadas, que nem
espaços verdes são, em particular na zona oriental da cidade. Em Londres e
Paris não há nenhum espaço livre na cidade, o que tem empurrado as pessoas para
a periferia. Não é esse o caso de Lisboa, em que a população foi, desde há
cerca de 50 anos, inexplicavelmente forçada a ir morar longe do local de
trabalho. Há, assim, amplo espaço livre onde se pode construir muita nova
habitação, para além de tudo o resto que complementa o espaço urbano, incluindo
jardins.
3) Reabilitar ruínas
e espaços vazios. Peço desculpa por insistir no caso lisboeta, mas não é só
o que conheço melhor, como foi, em simultâneo com o Porto, a cidade que sofreu
a maior destruição de património com o congelamento das rendas de 1974. É
extraordinário que, ainda hoje, haja tantos prédios em ruínas e espaços vazios
onde já houve prédios, mesmo em zonas cobiçadíssimas. É urgente acabar com este
absurdo e reconstruir aí os alojamentos que já existiram.
4) Realojar quarteis.
Os quarteis no centro de Lisboa (peço desculpa pela repetição) não exercem
aí nenhuma função militar e poderiam, com enorme vantagem, ser deslocalizados
para longe ou mesmo trocados por investimento em material militar. A sua
urbanização, aproveitando os casos (não muitos) em que existe valor
arquitectónico, permitiria também ajudar muito a aumentar a oferta de habitação.
5) Realojar serviços
públicos. Aqui, o caso da capital é inevitável, porque é consequência do
nosso malfadado centralismo. Concordo, em tese, com a saída de ministérios de
Lisboa, mas, para começar por alterações que provoquem menos disrupção nas
vidas dos funcionários públicos, sugiro apenas que se mudem para outras
localizações na área metropolitana de Lisboa, bem servidas por transportes
públicos.
É importante sublinhar que, até aqui, propus medidas que, ou
não custam nada ao Estado (as três primeiras), ou até geram novas receitas (as
outras duas). No entanto, com elevada probabilidade, estas medidas não serão
suficientes para garantir que se consegue ter um número elevado de habitações a
preços acessíveis. Serão, assim, necessárias medidas adicionais, que passo a
descrever:
6) Promoção da construção
de habitações de renda limitada pelos privados. Tem que se ir para lá da
habitação social e assumir a necessidade da criação de rendas limitadas, como
já existiram no passado. Há muitas formas de conseguir isto, desde cedência de
terrenos públicos, até muito generosas isenções e benefícios fiscais.
7) O Estado e as autarquias construírem um
número significativo de habitações de renda limitada. Esta solução só
difere da anterior no sentido em que não necessita de qualquer alteração
legislativa, basta a vontade política e o desvio de verbas de outras tarefas
menos importantes para esta.
8) O Estado e as autarquias assumirem o
subsídio de rendas, de modo que os inquilinos paguem em função dos seus
rendimentos. Como é evidente, não poderão ser habitações nem muito espaçosas,
nem muito luxuosas, nem muito bem localizadas, mas deverão ser muito numerosas,
para fazer face à procura.
Há muitos fundos imobiliários que estão desejosos, há
décadas, de construir milhares de fogos e os alugarem ao sector público, para
que não fiquem com o risco de não pagamento das rendas, um risco caríssimo,
dada a inoperância da “justiça” portuguesa.
A Câmara de Lisboa, em particular, tem-se especializado em
espatifar rios de dinheiro em obras incompreensíveis, quando esses fundos
deveriam, com muito mais óbvia utilidade, ser utilizados na construção de novas
habitações a preços módicos, em terrenos de que o município já é hoje
proprietário.
Estas propostas geram a pergunta óbvia: como é que se
financia isto? Em primeiro lugar, eliminando as duas medidas mais disparatadas
do actual governo: reverter a descida do IVA na restauração (custa cerca de 400
milhões de euros por ano) e reverter a semana das 35 horas na administração
pública que, como já expliquei aqui, são um luxo de países ricos, só sendo
aplicadas em poucos dos países muito mais ricos do que Portugal.
Considerando apenas os 400 milhões do IVA da restauração,
estes poderiam, com muitíssimo maior utilidade, servir para dar um subsídio de
100€ mensais (tem que se começar por algum lado e é preferível um subsídio
limitado a muitas pessoas do que um apoio generoso a muito menos famílias) a
333 mil rendas, o que abrangeria um número ainda maior de indivíduos.
As poupanças geradas com as recomendações 4 e 5 também podem
ser encaminhadas para esta tarefa.
(continua)
[Publicado na Capital Magazine]