Quanto menos recuperar
a natalidade, tanto mais profundos serão os cortes futuros nas pensões.
Há muitas décadas que se tem assistido a uma queda da
natalidade por toda a Europa. Há dois padrões comuns: todos os países passaram
a ter um problema de natalidade, uns mais cedo, outros mais tarde; todos
tomaram medidas para inverter a situação, uns com mais sucesso outros com
menos.
Em 1960, a taxa de fecundidade era de 2,73 em França e 3,16
em Portugal. Em 1975, aquela taxa já tinha descido abaixo dos críticos 2,1
(para assegurar a sustentabilidade da população) em França, tendo atingido um
mínimo de 1,66 em meados dos anos 90, após o que recuperou para valores próximo
de 2,0, muito próximo do necessário.
Em Portugal, aquela taxa entrou na zona de risco em 1982, desceu
sempre até 2013, em que atingiu uns baixíssimos 1,21, tendo recuperado
ligeiramente para valores em torno de 1,35. Aliás, é provável que a parte final
da queda e recuperação seja mais devida ao efeito da quebra de rendimento que o
desastre de Sócrates criou a necessidade de introduzir (também conhecida por
“troika”). Ou seja, não estará a mudar nada de essencial e a subida irá
interromper-se em breve.
É um facto extraordinário que o nosso país se saliente por
ter um problema gravíssimo, há quase quatro décadas, e ainda não ter feito
quase nada para o tentar minorar.
Este problema é de uma gravidade extrema, porque tem tornado
o nosso país num dos mais envelhecidos da Europa, com impactos brutais sobre as
contas públicas, quer na área da saúde, quer na das pensões. Com a agravante de
os nossos orçamentos sofrerem também com a estagnação económica das duas
últimas décadas, outro desafio que, quer os políticos, quer a população em
geral, insistem em ignorar.
É urgente que todos os portugueses tomem consciência que o
tema da natalidade está intimamente relacionado com o das pensões: quanto menos
recuperar a natalidade, tanto mais profundos serão os cortes futuros nas
pensões.
Em 2017, já só tínhamos 1,3 trabalhadores empregados por
cada pensionista, um número aterrador, que continua a deteriorar-se, que só
pode inverter-se, a prazo, com a melhoria da natalidade.
Há cerca de cinco anos, num trabalho no âmbito de revisões
de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sugeri que esta
passasse a financiar a produção de livros brancos sobre temas importantes e
sugeri duas hipóteses iniciais: a natalidade e os incêndios.
Até hoje, quase nada foi feito, nem pela sociedade civil nem
pelos sucessivos governos. Não vos parece do mais elementar bom senso tentar
identificar o que já foi experimentado nos outros países europeus e o que teve
mais sucesso e o que foi infrutífero?
Sem tentar, de modo algum, substituir-me a um estudo aturado
do assunto, acham normal que um país com um problema de natalidade, com a
gravidade que temos, ainda não haja uma rede completa de creches desde os
primeiros meses? Acham aceitável que, nas últimas décadas, se tenham gasto
quantias exorbitantes em auto-estradas sem tráfego, estádios de futebol,
rotundas e na “festa” da Parque Escolar (afinal uma grande e “proveitosa” festa
para alguns…), e em tantos outros disparates, e ainda não haja creches
suficientes, para um número cada vez menor de crianças que vão nascendo?
Segundo estimativas do INE, com a manutenção da actual taxa
de fecundidade, a população deverá minguar até apenas 6,5 milhões em 2080.
Vamos baixar os braços e não fazer absolutamente nada até este desastre se
produzir?
Como é possível imaginar que a imigração é a solução (com
todos os seus riscos), se ainda não se fez nada na origem do problema: a
natalidade?
Já se fez um livro branco? Já se aplicaram as melhores
práticas, devidamente adaptadas? Já se ensaiaram medidas inovadoras, adequadas
aos nossos problemas específicos?
Se, depois de realizadas as tarefas atrás enunciadas, se
chegar à conclusão que só conseguimos melhorar a natalidade de forma limitada,
então, e só então, será aceitável pensar em outras soluções.
O que não é, de modo algum, aceitável é desistir sem sequer
se ter começado.
[Publicado na Capital Magazine]