quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Um tiro no porta-aviões?

A decisão do Tribunal Constitucional alemão deverá trazer problemas para Portugal e dificultar o financiamento futuro

O Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se essencialmente contra a admissibilidade do programa de OMT (de compra de obrigações soberanas de países em dificuldades), que o BCE aprovou no verão de 2012.

De acordo com aquele tribunal, “há importantes razões para assumir que [o programa OMT] excede o mandato de política monetária do Banco Central Europeu e que viola a proibição de financiamento monetário do orçamento.” Apesar disto, este tribunal também “considera possível que, se se a Decisão OMT for interpretada de forma restritiva à luz dos Tratados, se poderá atingir conformidade com a lei primária”.

Só que esta forma restritiva é praticamente equivalente à destruição da lógica e da eficácia do OMT. Segundo o tribunal alemão, tem que se excluir um perdão da dívida e não poderá haver comprar ilimitadas de dívida soberana, entre outras condições.

Mas se não houver a possibilidade de compras ilimitadas, o BCE passa a ficar praticamente proibido de cumprir a sua promessa, de “fazer tudo o que for necessário” para salvar o euro. Convém recordar que o programa OMT tem sido, até agora, apenas uma promessa, ainda que extremamente eficaz em aquietar a turbulência na zona do euro. Ou seja, é como se o BCE ficasse proibido de usar este programa, quando for necessário.

A proibição de um perdão da dívida também tem todas as condições para gerar problemas num futuro próximo, quando se tornar incontornável um segundo perdão à Grécia. Neste segundo caso, os credores oficiais terão que ser necessariamente envolvidos. Pode ser que se consiga que o BCE fique isento deste perdão, mas o Estado alemão jamais poderá ficar à margem destas perdas. Quando isso ocorrer, estão criadas as condições para a constitucionalidade desse acto ser contestada e para termos um recrudescer da crise do euro, com a provável discussão de uma saída da Grécia do euro. Só que a saída de um país nunca será apenas isso, envolvendo necessariamente a perspectiva do fim do euro.

Como explicar, assim, a ausência de reacção dos mercados financeiros ao acórdão?

A primeira explicação julgo que reside numa convicção generalizada (mas, quanto a mim, errada) de que o fim do euro seria um processo tão catastrófico, em termos financeiros, económicos e políticos, que os políticos europeus, quando chegar a hora, tudo farão para o evitar. O problema é que a hora já chegou várias vezes e eles nada fizeram. Os políticos só vão perceber que já não podem adiar soluções quando estiverem em frente de um tsunami financeiro de tal magnitude, que já nada poderão fazer.

A segunda explicação prende-se com a existência de “equilíbrios múltiplos” e de “auto-concretização de expectativas”. Se os investidores acreditarem, como se passa actualmente, que a generalidade das dívidas públicas da zona do euro são sustentáveis, então exigem taxas de juro baixas, o que faz com que as dívidas sejam efectivamente sustentáveis.

Agrupemos os países em três grupos: branco, cinzento e preto. No caso do grupo branco, os países sem problemas, como a Alemanha, há apenas um equilíbrio, o de taxas de juro baixas. No grupo preto, como a Grécia, também há apenas um equilíbrio: o de taxas de juro altas e insustentáveis.

No grupo cinzento, onde as coisas são mais incertas, como Portugal, Espanha e Itália, é que há equilíbrios múltiplos, dois equilíbrios neste caso. Actualmente, estamos no equilíbrio “bom”, de taxas de juro baixas. Mas, se houver qualquer tipo de quebra de confiança na sustentabilidade das contas públicas, então os investidores vão exigir taxas de juro muito mais altas e as contas públicas passarão a ser efectivamente insustentáveis.

Como é que este acórdão alemão pode afectar Portugal? Julgo que o que ele fez foi diminuir a altura da protecção que separa o equilíbrio “bom” do equilíbrio “mau”. Dantes, com a forte protecção do BCE, os investidores tinham uma grande capacidade de aguentar más notícias e permanecer no equilíbrio bom. Agora, vai ser mais fácil saltar o equilíbrio em que a expectativa de insustentabilidade das nossas contas públicas se auto-concretiza.

Como responder a este acórdão? Se o risco aumentou, é evidente que devemos aumentar os seguros contra desastres. Um programa cautelar torna-se mais necessário e um segundo resgate também.


[Publicado no jornal “i”]

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