A decisão do Tribunal
Constitucional alemão deverá trazer problemas para Portugal e dificultar o
financiamento futuro
O Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se essencialmente
contra a admissibilidade do programa de OMT (de compra de obrigações soberanas
de países em dificuldades), que o BCE aprovou no verão de 2012.
De acordo com aquele tribunal, “há importantes razões para
assumir que [o programa OMT] excede o mandato de política monetária do Banco
Central Europeu e que viola a proibição de financiamento monetário do
orçamento.” Apesar disto, este tribunal também “considera possível que, se se a
Decisão OMT for interpretada de forma restritiva à luz dos Tratados, se poderá
atingir conformidade com a lei primária”.
Só que esta forma restritiva é praticamente equivalente à
destruição da lógica e da eficácia do OMT. Segundo o tribunal alemão, tem que
se excluir um perdão da dívida e não poderá haver comprar ilimitadas de dívida
soberana, entre outras condições.
Mas se não houver a possibilidade de compras ilimitadas, o
BCE passa a ficar praticamente proibido de cumprir a sua promessa, de “fazer
tudo o que for necessário” para salvar o euro. Convém recordar que o programa
OMT tem sido, até agora, apenas uma promessa, ainda que extremamente eficaz em
aquietar a turbulência na zona do euro. Ou seja, é como se o BCE ficasse
proibido de usar este programa, quando for necessário.
A proibição de um perdão da dívida também tem todas as
condições para gerar problemas num futuro próximo, quando se tornar
incontornável um segundo perdão à Grécia. Neste segundo caso, os credores
oficiais terão que ser necessariamente envolvidos. Pode ser que se consiga que
o BCE fique isento deste perdão, mas o Estado alemão jamais poderá ficar à margem
destas perdas. Quando isso ocorrer, estão criadas as condições para a
constitucionalidade desse acto ser contestada e para termos um recrudescer da
crise do euro, com a provável discussão de uma saída da Grécia do euro. Só que
a saída de um país nunca será apenas isso, envolvendo necessariamente a
perspectiva do fim do euro.
Como explicar, assim, a ausência de reacção dos mercados
financeiros ao acórdão?
A primeira explicação julgo que reside numa convicção
generalizada (mas, quanto a mim, errada) de que o fim do euro seria um processo
tão catastrófico, em termos financeiros, económicos e políticos, que os
políticos europeus, quando chegar a hora, tudo farão para o evitar. O problema
é que a hora já chegou várias vezes e eles nada fizeram. Os políticos só vão
perceber que já não podem adiar soluções quando estiverem em frente de um tsunami financeiro de tal magnitude, que
já nada poderão fazer.
A segunda explicação prende-se com a existência de
“equilíbrios múltiplos” e de “auto-concretização de expectativas”. Se os
investidores acreditarem, como se passa actualmente, que a generalidade das
dívidas públicas da zona do euro são sustentáveis, então exigem taxas de juro
baixas, o que faz com que as dívidas sejam efectivamente sustentáveis.
Agrupemos os países em três grupos: branco, cinzento e
preto. No caso do grupo branco, os países sem problemas, como a Alemanha, há
apenas um equilíbrio, o de taxas de juro baixas. No grupo preto, como a Grécia,
também há apenas um equilíbrio: o de taxas de juro altas e insustentáveis.
No grupo cinzento, onde as coisas são mais incertas, como
Portugal, Espanha e Itália, é que há equilíbrios múltiplos, dois equilíbrios
neste caso. Actualmente, estamos no equilíbrio “bom”, de taxas de juro baixas.
Mas, se houver qualquer tipo de quebra de confiança na sustentabilidade das
contas públicas, então os investidores vão exigir taxas de juro muito mais
altas e as contas públicas passarão a ser efectivamente insustentáveis.
Como é que este acórdão alemão pode afectar Portugal? Julgo
que o que ele fez foi diminuir a altura da protecção que separa o equilíbrio
“bom” do equilíbrio “mau”. Dantes, com a forte protecção do BCE, os
investidores tinham uma grande capacidade de aguentar más notícias e permanecer
no equilíbrio bom. Agora, vai ser mais fácil saltar o equilíbrio em que a
expectativa de insustentabilidade das nossas contas públicas se auto-concretiza.
Como responder a este acórdão? Se o risco aumentou, é
evidente que devemos aumentar os seguros contra desastres. Um programa cautelar
torna-se mais necessário e um segundo resgate também.
[Publicado no jornal “i”]
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