O governo prepara-se
para andar sem cinto de segurança e rasgar a apólice de seguro contra terceiros
Há um condicionamento da opinião ao designar o fim do
programa da troika como uma saída
“limpa”, porque esta formulação sugere que todas as alternativas seriam
“sujas”. No entanto, parece-me muito mais adequado designar aquela alternativa
como uma saída “sem cinto de segurança”, “sem extintor contra incêndios”, “sem
barcos salva-vidas”, “sem rede”, “sem seguro contra catástrofes”, etc., etc.
Como já aqui referi, há três razões porque me parece
imprudente não só uma saída sem cinto de segurança, como apenas um programa
cautelar. Em primeiro lugar, a excepcional dependência de Portugal face a
investidores estrangeiros; em segundo lugar a condição insustentável da nossa
dívida pública, que só com muita sorte poderá estar corrigida em 2016; em terceiro
lugar, a manutenção de um rating de
lixo, que deverá permanecer durante ainda um período alargado.
A estas razões acrescento agora uma quarta, a insuficiência
de resultados do primeiro programa com a troika,
quer em termos de finanças públicas, quer em termos de reformas estruturais.
Infelizmente, já se percebeu que, quer no plano interno,
quer no plano externo, seria suicidário para o governo pedir um segundo
resgate. Desde logo, porque ele exigiria eleições antecipadas, que não
interessam agora à maioria parlamentar.
Mas os piores rumores chegam-nos da Europa. É com a maior
surpresa que sou forçado a concordar com António José Seguro, que disse que se
a Europa empurrar Portugal para uma saída limpa não estará a ser solidária. Mas
sou também forçado a discordar do líder do PS, quando este defende uma saída
“limpa”, o tal condicionamento do raciocínio.
A confirmar-se esta posição europeia, ela reforça a
indisponibilidade para “fazer tudo o que for necessário” para salvar o euro,
por mais juras que façam do contrário. Isto não constitui uma verdadeira
novidade, porque há muito que estou convencido de que o euro não tem hipóteses
de sobrevivência a médio prazo.
Porque terá existido esta pressão europeia? Parece claro que
terá sido o medo de assustar o eleitorado dos países contribuintes para os
programas de ajuda, sobretudo com a aproximação das eleições europeias, onde os
partidos anti-imigração, anti-euro e anti-UE se preparam para conquistar um
máximo histórico.
Se sairmos da forma irresponsável, como parece que sairemos,
poderemos vir a ser afectados no acesso aos mercados por uma questão
estritamente externa. Esta perturbação até pode não impedir a colocação de
dívida pública junto de investidores, mas apenas exigir níveis elevados de taxa
de juro, que agravarão as nossas contas públicas durante muitos anos.
Há ainda outro aspecto que gostaria de chamar a atenção. De
acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2014 (p. 40), a dívida
pública deverá cair de 127,8% em 2013 para 126,7% do PIB em 2014. Isto acontece
apesar de a dívida estar insustentável, recorrendo-se a uma marosca. A primeira
dúvida que surge é: será que o governo imagina que os investidores são patetas
e acreditam que a dívida já atingiu o nível de sustentabilidade só porque começou
a descer? Não será antes que este estratagema levará os potenciais investidores
a desconfiar da dívida portuguesa?
O que o ministério das Finanças tenciona fazer é levar a
Segurança Social a comprar mais 1,2% do PIB em dívida nacional, o que não tem
nada de mal. Não se pode querer que os investidores estrangeiros confiem na
nossa dívida, mas a nossa Segurança Social não. Se acontecer alguma coisa à
nossa dívida é porque as nossas contas públicas estarão péssimas e isso irá
provocar muito mais danos à Segurança Social do que qualquer perda neste
modesto investimento, que não representa mais do que alguns meses de prestações
sociais.
Mas o grosso da redução da dívida pública acontecerá com a
redução dos depósitos do Estado (em cerca de 2% do PIB). No momento em que mais
precisamos de uma almofada financeira é o momento em que a vamos reduzir?
Recusar um programa cautelar e, em simultâneo, diminuir a almofada de segurança
é o equivalente a andar sem cinto de segurança e rasgar a apólice de seguro
contra terceiros.
[Publicado no jornal “i”]
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