Haverá ainda uma saída airosa para o imbróglio do euro? Talvez.
A primeira ideia a reter, essencial para o cenário que vou descrever, é que uma depreciação é um mal menor e corrente e que uma bancarrota (mesmo nas suas formas mais benignas como a reestruturação) é uma situação de uma gravidade extrema e raríssima, ao nível da dívida soberana. Só para falar do caso português, a última situação de bancarrota (parcial) ocorreu em 1892, ao passo que desde então os episódios de depreciação da moeda foram inúmeros, sem terem um impacto significativo na nossa imagem externa.
Tendo esta preocupação em mente, vou descrever um cenário de solução que não envolve qualquer bancarrota soberana.
Imaginemos então que os países periféricos com dificuldades devido à força do euro ou por outras razões (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália) se juntavam e solicitavam aos restantes (Alemanha, França e outros) uma forma peculiar de cisão do euro. Seria este segundo grupo de países a retirar-se colectivamente do euro, formando algo que vou designar por “marco europeu”.
No momento da cisão este marco valeria um euro, devendo apreciar-se logo de seguida em, digamos, 10% face ao dólar, e 30% face ao euro. Ou seja, o novo espaço não deveria ver a sua competitividade muito afectada no contexto internacional, embora claramente diminuída face ao euro restante.
Os alemães e seus parceiros veriam os seus empréstimos aos membros restantes do euro fortemente desvalorizados. Isso seria o preço a pagar para criar uma nova moeda única limpa de países que recorrentemente têm problemas. É bom salientar que o que está actualmente em cima da mesa é ter que fazer transferências por cada nova crise que surja, num processo sem fim.
Numa segunda etapa, o euro desapareceria, voltando os países periféricos a recuperar as suas moedas nacionais na proporção de um para um com o euro, que sofreriam depreciações modestas, já que o grosso da depreciação já teria ocorrido aquando da primeira cisão.
Com as novas moedas depreciadas, os países periféricos deveriam conhecer um surto de crescimento e diminuição de desemprego, que ajudaria a contrabalançar a perda de poder de compra que acompanharia a depreciação.
Durante algum tempo, conviria que os movimentos de capitais de curto prazo fossem suspensos, para não se estar a substituir a luta contra os especuladores de taxa de juro soberana, com a luta com a taxa de juro monetária.
Um aspecto decisivo que permite evitar a bancarrota é que as dívidas pública e externa dos países periféricos passam a estar denominadas na sua própria moeda. Então passa a estar disponível um outro mecanismo para reduzir a dívida: a inflação.
É certo que em todo este processo há transferência de poder de compra dos credores para os devedores, embora não haja bancarrota formal.
É importante recapitular o conjunto da proposta: os países mais fortes sofrem perdas, os mais fracos perdem poder de compra mas conseguem voltar a prosperar e uma certa forma de moeda única é salva, num processo relativamente pacífico. É evidente que quem perde vai ficar insatisfeito, mas a comparação que tem que ser feita é com o cenário em que as perdas são ainda maiores e o próprio casamento e divórcio são muito mais litigiosos.
3 comentários:
Pela minha parte agradeço esta série de grande qualidade e capacidade de esclarecimento. Clarifica um pouco mais esta possibilidade, acrescentando vários aspectos ao artigo que tinha publicado em jornal. Fiz uma leitura apressada no Cachimbo. Corrigirei em comentário e perguntas a deixar aqui.
Pedro Panarra
Caro Pedro,
Muito obrigado pelas suas palavras.
Pedro Braz Teixeira
Assisti à sua prestação no Prós e Contras e não deixei de registar o silêncio com que receberam a sua proposta de saída da crise.
Queria deixar-lhe alguns apontamentos que poderão ajudar no debate sobre a crise do euro.
a)O equivalente, para os estados, à falência das empresas é o incumprimento soberano. Dito isto, Portugal em 900 anos de história esteve em bancarrota 12 vezes, metade das quais enquanto unido a Espanha. O Reino Unido "faliu" umas 6/7 vezes.
Por isso, ao contrário do que afirma, não é um acontecimento anormal nem único. No entanto, o efeito nas economias dos estados é duradouro no médio/longo prazo.
b) O euro é uma questão política/económica e não o contrário. Colocar, como pretende a versão da escola de Chicago do fundamentalismo financeiro anglo saxónico, é obnubilar a realidade.
Desde o início que o projecto foi um projecto político/económico, porque, lido à inversa o euro não tem viabilidade. Vou poupar-lhe a teoria das uniões monetárias que, explicam a impossibilidade económica.
c)Desde há mais de cem anos que, no mundo ocidental, ninguém é preso por dívidas; também, desde os anos 1920 que os banqueiros não respondem ilimitadamente pelas responsabilidades dos bancos. Por outro lado, é um dos elementos essenciais do ordenamento capitalista ocidental que existem obrigações iníquas. Veja o Mercador de Veneza de WS para perceber o alcance do tema. o que se passou com a Islândia é um modelo do que se pode passar.
d) Nos seus post anteriores alude à possibilidade de uma guerra europeia. A crise do euro poderia ser um prenúncio dessa guerra, O problema é que, no século passado a Europa passou por duas guerras “civis” que, pelos efeitos que teve, faz com que ninguém esteja interessado em repetir. No entanto existe crise.
e) A história das uniões político/económicas quando existem fracturas antropológicas essenciais (Norte e Sul dos EUA), aponta para que, numa esquina da história, uma prevaleça sobre a outra. Isto é o que se passa neste momento na U.E.: existe uma fractura (traduzida em performance económica diversa) entre o Norte (desigual, individualista ou comunitário) e o Sul (igualitário, comunitário ou individualista). Fora deste quadro explicativo encontra-se a Irlanda: a origem do mal reside numa imitação temerária de práticas financeiras norte americanas.
f) Existe um problema com esta crise: foi encontrado um líder: a Alemanha; o problema é que esta não sabe se quer nem, está preparada. Por outras palavras, existe um chefe indigitado sem business plan. Mas continua a existir um perigo para a sustentabilidade futura do modelo económico do “Norte”. Nesse sentido, o seu cenário é o esqueleto do plano B dos homens do Norte; plano esse que não querem aplicar mas que, o porão em prática se, isso, significar manter o euro.
Os países do Norte não querem comprometer a sustentabilidade do seu modelo e, os do Sul não querem impor sacrifícios insuportáveis aos seus eleitores; em última análise, estamos a discutir política e sobrevivência política com, sublinho o com, um custo económico.
Como irmãos siameses que o são, entre os do Norte e os do Sul, ir-se-á encontrar uma nova solução onde, os do Sul pagarão um preço (segundo a perspectiva deles) mais elevados do que os do Norte e, nesse processo, largarão mão do controle que tinham no processo político europeu.
Como nota última, a moeda que, a verificar-se o seu cenário, for criada nunca, mas mesmo nunca, será chamada “marco europeu”
Cumprimentos
João
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