sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

BCE atento

O BCE prepara-se para financiar os défices públicos resultantes da pandemia e estará atento a novas dificuldades. 

Na sua reunião de 10 de Dezembro, o BCE anunciou a promessa de compra de mais 500 mil milhões de euros de títulos, o que totaliza 1,85 milhões de milhões de euros, por um período adicional de nove meses.

 

Este montante é semelhante ao de novos défices que os países da zona euro serão levados a ter, em resultado da pandemia, que decorrem de dois grupos de razões: porque a recessão diminuiu as receitas fiscais e aumentou as despesas sociais, os chamados “estabilizadores automáticos”; porque foram tomadas novas medidas, quer de combate às questões sanitárias, quer de apoio às famílias e empresas, quer outras destinadas a contrariar as tensões recessivas, designadas de “anti-cíclicas”, por terem a função de contrariarem a evolução do ciclo económico.

 

O BCE também reviu as suas previsões económicas, estimando um impacto um pouco mais profundo da segunda vaga da pandemia, e prevendo que a retoma seja mais forte em 2022 (crescimento do PIB de 4,2%) do que em 2021 (3,9%). Mesmo assim, a inflação prevista para 2023 (1,4%) ainda deverá continuar bastante longe do objectivo de próximo mas abaixo dos 2%. O leitor poderá pensar que a diferença não será muita, mas é necessário ter atenção que, considerando a lentidão com que se prevê que ela suba, ainda faltarão vários anos até ser alcançada, isto se for sequer possível atingi-lo, dada a incapacidade que o BCE tem revelado há demasiados anos a esta parte.

 

As decisões do BCE conduziram a uma significativa descida das taxas de juro, que, no geral, se traduzem numa redistribuição de rendimento, dos poupadores para os devedores. Para uma economia como a alemã, com níveis de poupança muito superiores aos de dívida, isto resulta numa perda significativa, que ainda poderá vir a ter consequências políticas. Para Portugal, passa-se o oposto, com os benefícios para os devedores, em particular o Estado português, a serem muito superiores às perdas incorridas pelos aforradores.

 

Ainda que o BCE não tenha falado explicitamente sobre isso, é importante salientar que estas novidades apresentam dois tipos de riscos para a banca portuguesa. Em primeiro lugar, taxas de juro muito baixas são más para a rentabilidade da banca, que deixa de beneficiar da habitual diferença entre não pagar juros pelos depósitos à ordem e emprestá-los com um juro “normal”. Quanto mais tempo durar este período de juros muito baixos (e mesmo negativos), maiores as dificuldades da banca. O segundo risco decorre do prolongamento da pandemia, que criará mais dificuldades às empresas, aumentando a probabilidade de não conseguirem honrar os créditos que solicitaram. Por isso, um eventual novo adiar do fim das moratórias poderá revelar-se uma surpresa bem desagradável.

 

Mas talvez o mais importante seja que o BCE reforçou a sua disponibilidade para responder a qualquer surpresa, sobretudo se for negativa.

 

[Publicado no Jornal Económico]

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Neo-proteccionismo?

A política comercial da UE tem exportado empregos e poluição e “importado” nacionalismos

A forma como não se prestou atenção aos subgrupos prejudicados pela última vaga de globalização, iniciada nos anos 80, gerou inúmeros descontentes, que estão actualmente a alimentar partidos nacionalistas e a gerar apelos ao proteccionismo, nas suas versões mais antigas.

Não se contestam as vantagens do comércio livre, que ajudaram a retirar centenas de milhões de pessoas da pobreza, em particular na China, mas sim a falta de cuidado com a forma como ela afectou e afecta os diferentes segmentos dos países avançados.

Para além da liberalização comercial, desde a primeira hora, que a UE tem estado na linha da frente das alterações climáticas, e das preocupações ambientais em geral, em particular no caso do Protocolo de Quioto, adoptado em 1997, com o objectivo de diminuir a emissão de gases com efeito de estufa.

No entanto, tem que se reconhecer que, em alguns aspectos, de forma deliberada ou não, o facto é que nem sempre isto tem resultado em acções coerentes. As exigências ambientais da UE foram uma das razões (não a única) por que muita produção industrial foi deslocalizada para paragens com menores exigências ambientais, em particular para a China, que se transformou na fábrica do mundo.  

Na verdade, o “bom” comportamento ambiental europeu não é tão bom como aparenta, já que a poluição que não é feita na UE é realizada noutros países, a que acresce a pegada ecológica do transporte, sobretudo quando é feito do outro lado do mundo. Na verdade, podemos estimar que o efeito sobre os gases estufa é triplamente negativo devido a esta deslocalização: 1) porque a produção industrial na Europa é energeticamente mais eficiente (gasta-se menos energia para produzir o mesmo bem); 2) porque a produção de energia na UE tem um maior peso das renováveis; 3) porque a ela se somam as emissões que decorrem do transporte de longo curso.

Podemos ficar muito contentes com as exigências ambientais que impomos aos produtores europeus, mas a verdade é que, como consumidores, que é o que verdadeiramente conta, somos muito mais poluidores do que queremos admitir.

Neste momento, fala-se em novo aumento das exigências ambientais na UE, o que pode deixar-nos muito bem na fotografia, mas sem que isso seja, em última análise, verdade. Corremos o risco de perder empregos e, em simultâneo, contribuir para agravar a poluição a nível mundial. Para além da questão política, extremamente grave, de estar a alimentar os extremismos políticos.

Por isso, impõe-se algum tipo de consideração em relação às importações com origem em países com regras ambientais muito menos exigentes do que a UE. Não se trata de inventar pretextos espúrios para mascarar um novo proteccionismo, para promover a reindustrialização europeia, mas antes de corrigir uma evidente incoerência das actuais políticas, que são, em última análise, inimigas do ambiente.

 

[Publicado no Jornal Económico]