terça-feira, 16 de outubro de 2018

Mais uma oportunidade perdida


Um dos problemas maiores deste orçamento é o diagnóstico errado que faz da economia portuguesa, atribuindo a falta de crescimento a uma suposta falta de procura, que só existiu no período da troika, por um imperativo de ajustamento, mas que não se verificou entre 1996 e 2011, em que o endividamento externo explodiu de uns insignificantes 8% do PIB para uns terríveis 110% do PIB em 2011, a verdadeira razão por que foi necessário pedir ajuda à troika, como já tinha ocorrido em 1978 e 1983, nestes casos apenas ao FMI.

Partindo deste pressuposto errado, a generalidade das medidas constantes do orçamento centra-se na redistribuição de rendimentos, pretendendo assim aumentar a procura e, assim, promover o crescimento económico. Mesmo aí, há contradições, com mais aumentos na função pública, mas congelamento dos escalões do IRS.

O que verdadeiramente escasseia são medidas concretas e eficazes do lado da oferta, para lá das boas intenções. No caso da Administração Pública, “o Governo pretende, em 2019, prosseguir a sua atuação nos três eixos de política para a AP: valorizar os trabalhadores, melhorar os ambientes de trabalho e modernizar a gestão pública.” (p. 16). Há um foco excessivo na função pública e não no serviço que é suposto ser prestado e que justifica, desde logo, que estes serviços existam. O SIMPLEX+ tem sido fonte de muita propaganda, mas continua com resultados muito escassos a nível prático, persistindo queixas de atrasos incompreensíveis nos licenciamentos, um dos mais importantes obstáculos à atracção de investimento estrangeiro.

Tal como os orçamentos anteriores, este é também muito pouco ambicioso em termos de metas, não se prevendo qualquer melhoria no saldo estrutural, ao contrário do que diz o documento oficial.

Num contexto de desaceleração europeia mais pronunciada do que se previa inicialmente, este orçamento é pouco prudente em termos de crescimento económico, ao estimar uma redução de crescimento económico de apenas uma décima. É assim, provável que as cativações venham a ter que ser aplicadas de forma muito dura, deteriorando a qualidade dos serviços públicos, em particular na saúde.

Em resumo, este documento marca o final de um período de condições externas excepcionais, que não foram minimamente aproveitadas pelas autoridades para fazer o que seria essencial para colocar um fim na estagnação das duas últimas décadas, em que Portugal foi sucessivamente ultrapassado por países menos desenvolvidos, sendo hoje o 6º mais pobre da UE.

[Publicado no Observador]

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Acelerar os licenciamentos de habitação


Deve-se diminuir as transferências para as autarquias com prazos de licenciamento superiores a um ano e dar um prémio àquelas onde o prazo é inferior a seis meses.

Na esfera pública (tal como na privada), as más decisões e as más práticas resultam, muitas vezes, de incentivos errados ou mesmo de ausência de incentivos.

A Câmara de Lisboa apresenta indicadores muito maus em relação aos prazos de licenciamento em geral e de habitação em particular.

Estes atrasos nos licenciamentos são extremamente negativos para a economia em geral e para as contas públicas em particular. Eles significam menos investimento, menos PIB e menos emprego. São também uma das duas principais queixas dos investidores estrangeiros (a outra é a elevada taxa de IRC), segundo os inquéritos levados a cabo pelo Fórum Económico Mundial, nas suas ordenações anuais de competitividade.

O défice público resulta maior por causa disso, porque o Estado deixa de cobrar receitas fiscais da mais variada ordem: IVA da actividade de construção; IRS e contribuições para a segurança social dos trabalhadores; IRC das empresas; impostos sobre os combustíveis utilizados no transporte de materiais; etc., etc. Como se tudo isto não fosse já suficientemente grave, o Estado também tem que suportar mais despesas com subsídios de desemprego, pelos empregos que não foram criados, e as próprias autarquias também perdem receita fiscal no IMI.

Ou seja, as autarquias com prazos dilatados de licenciamento provocam estragos profundos na economia nacional e nas contas públicas e é da mais elementar justiça que sejam penalizadas por isso.

Por isso, proponho que, já no orçamento de Estado de 2019, as câmaras com prazos de licenciamento superior a um ano sofram um corte de 5% no total das transferências do Estado, como forma de este se indemnizar pelos prejuízos causados pelos atrasos das autarquias.

Em contrapartida, proponho também que o total de “poupanças” geradas por estes cortes sejam distribuídos pelas autarquias com boas práticas, em concreto, com prazos de licenciamento inferiores a seis meses.

Para limitar o aumento excessivo de novas transferências, cuja dificuldade na gestão poderia motivar maus gastos, este aumento das transferências para as “boas” câmaras estaria limitado a 10% do total de transferências de cada município.

Com estes (novos) incentivos, parece-me fácil adivinhar que a generalidade das “más” câmaras alteraria drasticamente os seus procedimentos, com um claro benefício para a economia, as contas públicas e atractividade de Portugal para todos os investidores.

Gostaria de acrescentar um outro incentivo. O total do bolo a distribuir pelas autarquias com boas práticas sê-lo-ia na proporção dos votos validamente expressos (incluindo brancos e nulos) nas últimas eleições autárquicas. Acabar-se-ia com o actual incentivo a termos cadernos eleitorais fraudulentos, em que os mortos não são apagados, porque as transferências são função da população “oficial” residente nos concelhos.

Este novo incentivo teria duas vantagens: 1) não prejudicar as câmaras mais pobres porque cada eleitor numa região rica valeria o mesmo que outro de uma região pobre; 2) beneficiar as câmaras mais pobres e pequenas, mais próximas do cidadão, onde é mais fácil acelerar os procedimentos.

O que é que estão à espera para criar o “task force” para a habitação que sugeri no artigo de 16 de Setembro?

[Publicado no Observador]