terça-feira, 25 de setembro de 2018

Porque não se usa Entrecampos para habitação?


Lisboa tem uma zona enorme em Entrecampos onde se poderia aumentar imenso a oferta de habitação na cidade, aliviando a pressão sobre os preços. Como é que se explica que a CML apenas preveja que 30% do edificado ali seja para habitação?

A saga inenarrável dos terrenos da Feira Popular, fechada em 2003, há 15 anos (!) e ainda não reaberta em lado nenhum, parece estar a chegar ao fim, mas o desfecho que se prepara é um erro gigantesco: 70% da área edificada será destinada a comércio e escritórios e apenas 30% a habitação.

A zona de Entrecampos já está hoje saturada de trânsito e colocar tanto escritório ali vai conduzir a ainda mais automóveis a entrar na área, tornando-a infernal. Se não se cria habitação na cidade, isto é um estímulo a mais pessoas viverem fora de Lisboa e mais carros a entrar na capital para o trabalho.

Em contrapartida, se a distribuição de áreas fosse a inversa, 70% para habitação e o resto para as restantes valências, mais pessoas poderiam viver na cidade e aproveitar os excelentes (em número que não em qualidade) transportes públicos que servem a zona.

Isto passa-se na mesma cidade onde há fortes queixas de falta de habitação, que está a fazer subir imenso os preços dos imóveis?

Isto passa-se na mesma cidade que suscitou a proposta (disparatada) da “taxa Robles” contra a “especulação”?

Isto passa-se na mesma cidade em que há queixas (legítimas) de que o aumento do alojamento local está a gerar escassez de habitação?

O que é que a esquerda tem a dizer sobre este absurdo? Vai ficar calada a ver esta oportunidade de ouro de aumentar o número de habitações em Lisboa ser escandalosamente desaproveitada?

E os “bem-pensantes” comentadores não têm nada a dizer? Não se indignam com este absurdo que está a ser perpetrado à vista de todos?

O “país” da comunicação que vive focado em “Lesboa” não tem nada a dizer sobre este assunto?

Muito próximo dali, estava o mercado abastecedor de Lisboa, na Av. das Forças Armadas, fechado em 2000 (ainda há mais tempo que a Feira Popular!)  e deslocalizado para o MARL de Loures. Muitos dos terrenos onde estava o anterior mercado ainda estão hoje por urbanizar, em frente do ISCTE e da Faculdade de Farmácia e pertíssimo de muitas outras faculdades da Universidade de Lisboa.

Como explicar este absurdo? Porque é que aquilo não está hoje cheio de residências universitárias?

Porque é que a cidade de Lisboa é tão mal gerida? Porque é que os problemas ficam um tempo louco à espera de soluções?

O que é que estão à espera para criar o “task force” para a habitação que sugeri no artigo da semana passada?

[Publicado no Observador]

domingo, 16 de setembro de 2018

Cinco soluções para a habitação em Lisboa


O que está por trás da subida dos preços do imobiliário em Lisboa e no Porto é o forte aumento da procura e não alguns malvados “especuladores”, pelo que a solução passa por um forte aumento da oferta, para o qual apresento cinco soluções.

O discurso que aponta para os “especuladores” como os responsáveis pela subida dos preços do imobiliário em Lisboa e no Porto é duma indigência intelectual, ao nível das acusações de Maduro contra os “especuladores”, que seriam os grandes responsáveis pelo desastre que ele criou na Venezuela.

É importante sublinhar que um mau diagnóstico irá sempre dar uma má terapia e é isso que está subjacente quer à “taxa Robles”, quer ao disparate equivalente proposto por Rui Rio, que não resolvem nada, que não vão contribuir para que haja mais oferta, muito pelo contrário.

A verdadeira razão porque os preços dos imóveis estão a subir é porque houve um enorme crescimento da procura, a par de um muito mais tímido aumento da oferta. A procura cresceu pelo crescimento natural da economia e descida do desemprego, pela expansão do alojamento local e por política públicas – deve sublinhar-se – de atracção de residentes estrangeiros, como é o caso do visa gold e do tratamento fiscal preferencial para residentes não habituais.

O que foi feito de equivalente do lado da oferta? Praticamente nada.

Por isso, proponho que as câmaras de Lisboa e Porto criem, com caracter de urgência, uma “task force” (não me ocorre em português um termo com a força equivalente, talvez porque sejamos demasiado meias tintas), que faça um levantamento da maior variedade possível de formas de aumentar a oferta de habitação nestas cidades, bem como os procedimentos pormenorizados para as concretizar.

Deixo, desde já, algumas sugestões para serem trabalhadas por essa “task force”, para o caso de Lisboa:

1. Via verde do licenciamento de habitação. É essencial começar por fazer um levantamento de quantos (milhares de) fogos aguardam licenciamento de construção e reabilitação e qual o prazo médio. Em seguida, é necessário definir metas extremamente ambiciosas de diminuir drasticamente os prazos de aprovação; simplificar processos, de modo a diminuir a necessidade de funcionários camarários e permitir que os actuais despachem muitos mais licenciamentos; em último caso, se forem necessários mais recursos, atribuí-los a estes serviços. A forma de financiar é muito fácil: as novas habitações representam nova fonte de receita fiscal.

2. Urbanizar os “baldios”. É totalmente absurdo a quantidade de terrenos desocupados dentro do concelho de Lisboa (sobretudo na zona oriental), ainda hoje, quando há mais de meio século que as pessoas têm sido empurradas para longe do centro. É preciso identificar os proprietários destes terrenos e perceber exactamente porque permanecem vazios, para resolver os bloqueios existentes. Como é evidente, urbanizar não é só construir prédios, é também criar espaços verdes, áreas comuns, etc., etc.

3. Reabilitar as ruínas e gavetos. Continua a haver um número absurdamente elevado de prédios em ruínas há décadas, para além de espaços vazios onde antes havia edifícios, entretanto demolidos. A penalização do IMI claramente não está a funcionar e suspeito que está a ser mal aplicada. O que a câmara deve fazer é dar um pré-aprovação de um mínimo (que poderá ser aumentado posteriormente) de área edificada para cada destes prédios e áreas e, em seguida, exigir uma reavaliação, muito valorizada pela pré-licença de construção. Isso irá fazer explodir de tal maneira o imposto a pagar, que vai obrigar os (eventuais) herdeiros a porem-se imediatamente de acordo com a venda do imóvel.

4. Realojar quarteis. Há hoje ainda demasiados quarteis em zonas demasiado nobres da cidade, que não desempenham qualquer função militar relevante (poderiam estar ali ou noutra zona qualquer do distrito) e sem grande valor arquitectónico. No caso de haver valor arquitectónico, esse deverá ser preservado, em simultâneo com a urbanização. Aqui, de novo, a câmara deve dar um pré-aprovação de um mínimo de área edificada para cada destes quarteis e sugerir ao ministério da Defesa (ou ao proprietário, caso seja outro) a sua venda, agora extremamente valorizada. Com estas receitas de capital, este ministério poderá construir (se acaso for necessário) quarteis em zonas muito mais baratas e ficar com a diferença, que deverá ser gasta exclusivamente em despesas de capital (modernização do material militar, por exemplo) e nunca em despesas correntes.

5. Realojar serviços públicos. Há imensos serviços públicos que ocupam espaços desnecessariamente caros, que poderiam perfeitamente, e com enorme vantagem, mudar-se para outras localizações dentro da área metropolitana de Lisboa, poupando milhões aos cofres do Estado e disponibilizando espaços para habitação dentro da cidade.

Espero que estas ideias sejam um início de conversa para se avançar com soluções que permitam aumentar muitíssimo a oferta de habitação em Lisboa e que permitam que muitos jovens possam viver na cidade, que tanto precisa da sua energia.

[Publicado no Observador]