sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Jogo perigoso

Os juízes e procuradores anteciparam-se aos sindicatos da função pública e defendem a inconstitucionalidade da descida dos seus vencimentos. Ainda não perceberam que a decisão é inevitável e ainda por cima esquecem que o parlamento inicia um processo de revisão constitucional no dia 29 do corrente mês.

O PS e o PSD devem aproveitar a ocasião para esclarecer as dúvidas dos magistrados e incluir na constituição uma norma que subordina os direitos adquiridos no sector público ao princípio da sustentabilidade das finanças públicas. Assim, não só resolveriam de uma penada o problema do corte dos salários para 2011, como abriam a porta para muitas mais mudanças imprescindíveis para conseguir cortes estruturais na despesa.

Quanto mais aqueles juristas fizerem pressão corporativa, maior será o incentivo dos partidos políticos para tomarem uma decisão radical. Parece-me um jogo muito perigoso para aqueles, mas até gostaria que insistissem, para essa alteração constitucional ser concretizada.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Desperdícios (1)

O que está o Instituto Português da Juventude (IPJ) a fazer na mais cara avenida portuguesa, a Av. da Liberdade, em Lisboa?

Generalizando esta interrogação, quantos serviços, sobretudo do Estado central, estão instalados de forma desnecessariamente luxuosa? Neste caso do IPJ a extravagância nem é o edifício em si, é sobretudo a sua localização.

Seria certamente possível mudar de instalações, possivelmente até para umas mais pequenas, localizadas na zona oriental da cidade, já servidas de metro, mas com uma ocupação muito esparsa. Conseguir-se-ia uma poupança – estrutural – de milhões de euros.

sábado, 16 de outubro de 2010

Coerência

A última esperança que tinha em relação a este orçamento é que o governo apresentasse um défice de 2010 claramente abaixo dos 7,3%, já que usou 1,5% do PIB com o fundo de pensões da PT. Mas não.

Recapitulemos. Em Maio de 2009 o governo previa que a economia caísse 3,4% e o défice se fixasse nos 5,9% do PIB. Afinal a economia não caiu tanto (-2,7%), mas o défice atingiu uns extraordinários 9,3% do PIB.

Depois de forçado a rever a proposta inicial de orçamento de 2010, o governo previa que a economia crescesse 0,7% e o défice fosse de 7,3% do PIB. Afinal a economia vai crescer mais (1,3%), mas o défice vai ser pior (8,8% do PIB sem o truque do fundo de pensões).

Ao contrário da sorte que teve nestes dois anos, é mais do que certo do que a economia cresça menos do que os 0,2% que o governo “prevê”. Se o governo começa por prometer um défice de 4,6% do PIB para 2011, qual deverá ser o défice final?

Cenário macroeconómico de ficção

É interessante comparar as previsões do governo com as do Banco de Portugal. O governo prevê que todas as componentes da procura interna caiam, totalizando uma quebra de 2,5%, quando o banco central (que não podia ter incluído o pacote de 29 de Setembro) previa uma queda de 1,2%. Como é que o governo consegue “prever” crescimento do PIB de 0,2% para 2011? Com as exportações líquidas com um contributo excepcional, mais do dobro do que o Banco de Portugal prevê. Mas a previsão de crescimento das exportações não acompanha a forte desaceleração da “procura externa relevante para Portugal” que, segundo o Relatório do Orçamento deve ver a sua taxa de crescimento baixar de 6,0% para 3,2% (p. 38). Em resumo, a menos que tenhamos um milagre nas exportações, estamos a caminho de uma séria recessão.

O segundo capítulo de ficção está nos dados sobre o emprego e o desemprego. O governo “prevê” que a taxa de desemprego apenas suba de 10,6% para 10,8%. Mas como é que se pode perceber que a economia cresça 1,3% em 2010 e haja uma destruição de emprego de 1,4% e no próximo ano, com os passes de magia descritos acima a economia quase estagne, mas mesmo assim consegue destruir muito menos empregos (apenas 0,4%) do que este ano?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Publicidade

Amanhã, estarei no programa “Sala de Imprensa” da TVI24, à meia-noite, basicamente para falar sobre a proposta de Orçamento de Estado, que deverá ser conhecida no próprio dia.

Ajudem o pobre deputado

O Abelhudo solidariza-se com a campanha lançada pelo Aventar de apoio alimentar ao deputado Ricardo “coitadinho” Gonçalves, que sofre tanto com a falta de cantina nocturna na AR.

É já no próximo Sábado, pelas 16 horas, na cidade do Porto (local a designar), que o Aventar vai promover o seu BANCO ALIMENTAR PARLAMENTO, destinado à recolha de alimentos para o deputado socialista Ricardo Gonçalves, que ainda recentemente confessou com inegável vergonha que o dinheiro não lhe chegava para comer.

domingo, 10 de outubro de 2010

Abstenção no orçamento

Gostaria de acrescentar umas achegas ao debate sobre a posição do PSD no orçamento. Entendo que o PSD se deve abster, demarcando-se do documento apresentando, por razões que exponho em seguida. Devo acrescentar que defendo esta posição, não por ser a posição “responsável”, mas por ser a posição que mais interessa ao país, que precisa de ter um alternativa forte a este governo.

Antes de mais temos o ponto de partida, de total desastre orçamental, em que parece que o governo só se propõe realizar este ano um quarto daquilo a que se comprometeu e tapar o resto com o fundo de pensões da PT. Isso significa que a consolidação necessária para 2011 é uma barbaridade, superior a 4% do PIB, fora a que ainda é necessário fazer em 2012.

Um outro pressuposto no meu raciocínio é que, dada a magnitude da consolidação necessário e o escasso tempo disponível, é praticamente impossível o PSD conseguir um plano alternativo que não implique um aumento de impostos. Peço imensa desculpa, mas pura e simplesmente não acredito.

Outro pressuposto é que quer as medidas do PS quer as do PSD terão um forte impacto recessivo.

No cenário A, de abstenção do PSD, o orçamento seria aprovado, o governo carregaria com toda a impopularidade, os juros não aliviariam, a economia afundar-se-ia, o desemprego continuaria a sua escalada e a direita teria fortes probabilidades de ter maioria absoluta nas próximas eleições.

No cenário B, de voto contra do PSD, há duas ramificações principais. No cenário B1, que tenho dificuldade em imaginar, o governo cortaria mais na despesa e conseguiria a abstenção do PSD na segunda proposta de orçamento. Esta solução poderia ter juros menores que em A, poderia ser potencialmente melhor para as contas públicas a médio prazo, mas colocaria em grave risco os resultados eleitorais do PSD, por ficar demasiado associado a toda a desgraça que se seguiria.

No cenário B2, o governo demitir-se-ia, ficaria em gestão, negociando algumas medidas com o PSD. Este cenário é mais grave em termos económicos do que A e pior em termos políticos para o PSD do que B1, porque este seria ainda mais facilmente responsabilizado pelo descalabro económico e social. Acresce que este cenário deverá quase de certeza vir acompanhado do FMI/fundo europeu, com as correspondentes medidas draconianas, entre as quais estará – de certeza – o aumento de impostos. Seria o mais puro disparate: o PSD chumba um orçamento porque ele traz aumento de impostos; este chumbo cria uma crise, que redunda na subida de impostos.

Mas o pior de tudo ainda estaria para chegar: o PSD ganhar as eleições sem conseguir maioria com o CDS e ser forçado a subir impostos, levando logo uma machadada na sua legitimidade. A vida deste governo seria um massacre permanente e seria expulso mal conseguisse baixar o défice abaixo dos 3%.

É preciso não esquecer que o cenário de trapalhada B2 vai provocar uma escalada de juros com graves consequências orçamentais e sobre a economia. Por uma questão de sobrevivência, a subida dos juros vai forçar os bancos a cortar abruptamente no crédito, agravando ainda mais a recessão com todos os impactos orçamentais que são conhecidos. Ou seja, mesmo que o PSD tenha estudado cortes na despesa para fazer face aos problemas actuais (coisa em que não acredito), eles serão manifestamente insuficientes para fazer face ao descalabro do próximo ano, exigindo um aumento de impostos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PEC 3

1. O governo não apresentou um verdadeiro PEC 3. Por um lado esqueceu os dois anos finais do PEC e por outro lado esqueceu-se de tratar dos problemas gravíssimos da divergência com a UE e da dívida externa galopante.

Em relação às contas públicas, parece que a derrapagem era afinal muito mais grave do que todos suspeitavam. A única forma de os mercados perdoarem o truque com o fundo de pensões da PT é o governo conseguir colocar o défice de 2010 claramente abaixo dos 7,3%. O governo deveria mostrar ser capaz de fazer este ano pelo menos metade do que se propôs, sob pena de dar uma nova machadada na sua credibilidade, fazer subir os juros e deitar todo o sacrifício dos portugueses pela borda fora.

As medidas para 2011 parecem vindas de um governo que chegou ao poder há um mês e que não teve tempo de pensar em reformas estruturais. Do lado da despesa insisto na ideia já aqui descrita de fazer benchmarking sectorial com Espanha. Como é que se explica que Portugal gaste quase o dobro de Espanha em educação (em percentagem do PIB)?

A subida do IVA é uma oportunidade perdida de recuperar competitividade, quando deveria ser usado como contrapartida de uma redução das contribuições patronais para a segurança social nos sectores transaccionáveis (agricultura, indústria e turismo).

A descida dos salários na função pública acaba por ser a medida mais promissora (ainda que seja cega), por quebrar o tabu dos direitos adquiridos. O princípio deveria ser estendido às pensões mais elevadas, mas diferenciando as pensões que resultam de um número significativo de anos de contribuições, daquelas que se baseiam num período ínfimo de contribuições.

Tem havido sinais contraditórios do governo, mas seria uma excelente oportunidade aproveitar esta medida para facilitar descidas de salários no sector privado, como sugeriu o presidente da CIP. Há certamente imensos trabalhadores que prefeririam sofrer uma diminuição de salário do que ser despedidos.

Do ponto de vista macroeconómico, nada poderia ser mais benéfico. Ainda no mês passado defendi aqui o congelamento de salários no sector privado durante muitos anos, para impedir uma escalada imparável do desemprego. Se afinal há condições políticas e sociais para aprovar descidas de salários, isso significará um ajustamento muito mais rápido da economia, com muito menos desemprego.

Se na actual conjuntura o governo insistir no TGV isso será equivalente a bater com um pano encharcado na cara de cada um dos contribuintes, a quem se pedem tantos sacrifícios.

2. É altamente provável que haja eleições em 2011 e que o PSD as ganhe. Seria altamente trágico que os portugueses dessem a vitória pela quarta vez consecutiva desde 2002 a um partido que fez campanha a prometer que não subia os impostos e depois os sobe mal chega ao poder.

Parece que o PSD se comprometeu a apresentar um conjunto de propostas de redução da despesa que evitam um aumento de impostos superior ao já acordado no PEC 2. É muito importante que isso seja feito, com detalhe, porque a nossa democracia não aguenta mais uma vitória eleitoral com uma campanha enganadora. É muito importante que o PSD faça o seu trabalho de casa, que deve incluir alguma folga quer para o carácter recessivo desse mesmo pacote (ou o do governo), quer para uma previsível subida das taxas de juro até às próximas eleições.

Os portugueses não vão querer saber de desculpas do que aconteceu entretanto “e coisa e tal…”. Quem quer assumir o governo do país tem que ser previdente e preparar-se para os problemas que não são difíceis de adivinhar, sobretudo tendo em conta o comportamento a que o actual governo já nos habituou.

É mil vezes preferível condicionar agora a subida de impostos do que recusar liminarmente tal ideia e daqui a alguns meses estar a subi-los na mesma. Portugal não aguenta que lhe mintam mais uma vez.

[No Jornal de Negócios]