As grandes obras públicas parecem ter inúmeros defensores em Portugal, pelo menos desde o século XIX. Desde há algumas décadas, há um suporte teórico para as defender: a teoria keynesiana, embora muitas vezes quem a cite lhe conheça mais a caricatura do que o original.
Mas comecemos por comparar um bilião de euros gastos numa grande obra pública com um mesmo bilião de euros gastos numa grande diversidade de obras públicas de menor dimensão. Segundo a teoria keynesiana, ambas teriam o mesmo poder de estímulo económico, em primeira aproximação. No entanto, qual traria maior contributo para um desenvolvimento equilibrado do país e qual contribuiria mais para alargar as desigualdades regionais? Parece óbvio que uma grande obra agrava as desigualdades e muitas pequenas obras têm muito mais condições de estimular a generalidade das regiões do país. Lembrem-se só do novo aeroporto de Lisboa, o TGV a beneficiar sobretudo o litoral.
Há uma outra dimensão essencial nas políticas económicas de gestão da conjuntura: é a questão de serem correctas no tempo. E há aqui dois desfasamentos potenciais: um é o período entre identificação de um problema e a tomada de decisão (chamado desfasamento interno) e outro é o período entre uma tomada de decisão e o seu efeito sobre a economia (desfasamento externo). A política monetária tem um desfasamento interno mínimo (por exemplo, poucos dias depois do 11 de Setembro já os bancos centrais tinham baixado fortemente as taxas de referência), mas demora muito tempo a actuar sobre a economia: quase um ano a actuar sobre o PIB e quase dois anos sobre a inflação. Já com a política orçamental passa-se o contrário. Um aumento da despesa pode demorar até um ano a ser aprovado (grande desfasamento interno), devendo-se esperar pelo novo orçamento, mas, uma vez aprovada a despesa, pode começar rapidamente a ter efeito na economia.
Agora comparemos uma grande obra pública com muitas pequenas obras públicas. Como temos vindo a verificar, uma grande obra pública pode demorar vários anos a ser aprovada, por vezes mesmo décadas! Agora lembrem-se que as políticas de gestão da conjuntura umas vezes devem ser expansionistas (quando a economia está em baixa) e noutros momentos devem ser contraccionistas (quando a economia está demasiado aquecida). Assim, a probabilidade que a grande obra pública se inicie num período errado é elevada. Reparem na contradição clamorosa: começa-se por defender uma grande obra pública porque ela ajuda a suavizar o ciclo económico (estimular uma economia em baixa e arrefecê-la quando em alta) e depois na prática ela ocorre quando a economia já está em alta e acaba por agravar o ciclo económico. Conseguem conceber asneira maior? Conseguem conceber asneira mais cara do que esta? Em contrapartida muitas pequenas obras públicas podem ser decididas de forma muito mais rápida e flexível: não faz sentido construir um quarto de uma ponte, mas faz todo o sentido só executar um quarto dos projectos em cima da mesa (já agora os prioritários).
Mas há mais vantagens em muitas pequenas obras: mais concorrência. Muito poucas empresas estão habilitadas a concorrer à construção de grandes obras, enquanto nas menores muitas mais empresas concorrerão. Outra vantagem é que as pequenas obras correspondem mais facilmente a necessidades evidentes, enquanto as grandes obras podem ser com maior probabilidade elefantes brancos. Veja-se Cabora Bassa (uma louca demonstração de poder, com centenas de linhas eléctricas indefensáveis num território em guerra de guerrilha), o porto de Sines (um megalómano projecto petroquímico posto em causa com o primeiro choque petrolífero e a independência de Angola), etc.
Finalmente, o golpe de misericórdia (espero…). A teoria keynesiana foi originalmente desenhada para uma economia fechada, mas a economia portuguesa é muito aberta e essa característica é essencial na análise da nossa conjuntura. Nos últimos anos a nossa economia não tem mostrado necessidade de estímulos keynesianos porque o seu problema não é o de falta de procura, mas o de falta de competitividade. Se alguma dúvida sobra repare-se no estado anémico do crescimento económico e no nível elevadíssimo do défice externo. Se se estimulasse a economia, essa procura extra iria para importações em grande parte.
Em resumo, se precisássemos de estimular a procura deveríamos fazê-lo com muitas pequenas obras públicas e não com uma grande. Mas como não devemos estimular a procura, nem as pequenas obras devemos fazer (para além de um “mínimo”).
Concretizando: o cenário ideal para o novo aeroporto de Lisboa (necessário a prazo) é a construção de um novo por módulos (para as low cost), mantendo a Portela a funcionar até ao seu limite.
PS. Em relação a uma “boca” que se ouviu recentemente, que o novo aeroporto deveria ser sobretudo eficaz e não “baratinho”, uma resposta: se não for baratinho não será eficaz. Um aeroporto caro terá taxas elevadas, que afastarão clientes, com graves consequências a jusante no turismo.
in Público, 27 Dez 07, p. 35
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