segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Quando é que acordamos para o problema da natalidade?


Quanto menos recuperar a natalidade, tanto mais profundos serão os cortes futuros nas pensões.

Há muitas décadas que se tem assistido a uma queda da natalidade por toda a Europa. Há dois padrões comuns: todos os países passaram a ter um problema de natalidade, uns mais cedo, outros mais tarde; todos tomaram medidas para inverter a situação, uns com mais sucesso outros com menos.

Em 1960, a taxa de fecundidade era de 2,73 em França e 3,16 em Portugal. Em 1975, aquela taxa já tinha descido abaixo dos críticos 2,1 (para assegurar a sustentabilidade da população) em França, tendo atingido um mínimo de 1,66 em meados dos anos 90, após o que recuperou para valores próximo de 2,0, muito próximo do necessário.

Em Portugal, aquela taxa entrou na zona de risco em 1982, desceu sempre até 2013, em que atingiu uns baixíssimos 1,21, tendo recuperado ligeiramente para valores em torno de 1,35. Aliás, é provável que a parte final da queda e recuperação seja mais devida ao efeito da quebra de rendimento que o desastre de Sócrates criou a necessidade de introduzir (também conhecida por “troika”). Ou seja, não estará a mudar nada de essencial e a subida irá interromper-se em breve.

É um facto extraordinário que o nosso país se saliente por ter um problema gravíssimo, há quase quatro décadas, e ainda não ter feito quase nada para o tentar minorar.

Este problema é de uma gravidade extrema, porque tem tornado o nosso país num dos mais envelhecidos da Europa, com impactos brutais sobre as contas públicas, quer na área da saúde, quer na das pensões. Com a agravante de os nossos orçamentos sofrerem também com a estagnação económica das duas últimas décadas, outro desafio que, quer os políticos, quer a população em geral, insistem em ignorar.

É urgente que todos os portugueses tomem consciência que o tema da natalidade está intimamente relacionado com o das pensões: quanto menos recuperar a natalidade, tanto mais profundos serão os cortes futuros nas pensões.

Em 2017, já só tínhamos 1,3 trabalhadores empregados por cada pensionista, um número aterrador, que continua a deteriorar-se, que só pode inverter-se, a prazo, com a melhoria da natalidade.

Há cerca de cinco anos, num trabalho no âmbito de revisões de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sugeri que esta passasse a financiar a produção de livros brancos sobre temas importantes e sugeri duas hipóteses iniciais: a natalidade e os incêndios.

Até hoje, quase nada foi feito, nem pela sociedade civil nem pelos sucessivos governos. Não vos parece do mais elementar bom senso tentar identificar o que já foi experimentado nos outros países europeus e o que teve mais sucesso e o que foi infrutífero?

Sem tentar, de modo algum, substituir-me a um estudo aturado do assunto, acham normal que um país com um problema de natalidade, com a gravidade que temos, ainda não haja uma rede completa de creches desde os primeiros meses? Acham aceitável que, nas últimas décadas, se tenham gasto quantias exorbitantes em auto-estradas sem tráfego, estádios de futebol, rotundas e na “festa” da Parque Escolar (afinal uma grande e “proveitosa” festa para alguns…), e em tantos outros disparates, e ainda não haja creches suficientes, para um número cada vez menor de crianças que vão nascendo?

Segundo estimativas do INE, com a manutenção da actual taxa de fecundidade, a população deverá minguar até apenas 6,5 milhões em 2080. Vamos baixar os braços e não fazer absolutamente nada até este desastre se produzir?

Como é possível imaginar que a imigração é a solução (com todos os seus riscos), se ainda não se fez nada na origem do problema: a natalidade?

Já se fez um livro branco? Já se aplicaram as melhores práticas, devidamente adaptadas? Já se ensaiaram medidas inovadoras, adequadas aos nossos problemas específicos?

Se, depois de realizadas as tarefas atrás enunciadas, se chegar à conclusão que só conseguimos melhorar a natalidade de forma limitada, então, e só então, será aceitável pensar em outras soluções.

O que não é, de modo algum, aceitável é desistir sem sequer se ter começado.

[Publicado na Capital Magazine]

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Negociar o salário mínimo


As empresas devem exigir ao Estado que dê o exemplo, que suba o Indexante de Apoios Sociais (IAS) pelo menos tanto como pede de subida do salário mínimo.

Durante décadas, a negociação do salário mínimo teve dois grandes disciplinadores: o equilíbrio externo e o facto de aquele ser o indexante de múltiplas prestações sociais.

Quando os salários reais (descontando a inflação) subiam acima da produtividade, isso, em geral, provocava um desequilíbrio externo, que obrigava a uma desvalorização, que baixava drasticamente as remunerações reais, em que as actualizações salariais eram muito inferiores à inflação.

Como o salário mínimo era indexante de muita despesa social, o ministro das Finanças era um forte aliado das empresas na disciplina da sua subida.

Em 2007, o governo de Sócrates teve a espertalhice de criar o Indexante de Apoios Sociais (IAS), que substituiu o salário mínimo como indexante, pelo que a subida deste passou a não ter, directamente, qualquer custo para o Estado. Começou aí um extraordinário festival de hipocrisia, em que o IAS foi ficando cada vez mais para trás, enquanto o salário mínimo foi sendo aumentado de forma irresponsável, prejudicando a já frágil saúde da economia e da competitividade da economia portuguesa.

Como se pode ver na tabela abaixo, o IAS começou por ser congelado logo em 2010, ainda antes da “troika”, permaneceu constante durante o período do memorando, como seria de esperar, mas, surpresa das surpresas, manteve-se ainda intacto em 2016, quando o actual governo achou que, muito mais importante do que gastar dinheiro em política social, era dispensar cerca de 350 milhões de euros por ano (agora deve ser substancialmente mais) a baixar o IVA da restauração, um dos sectores que estava mais robusto. Esta descida do IVA há-de permanecer como uma das medidas mais abstrusas e incompreensíveis da actual maioria.

IAS e salário mínimo, 2006-2018

Ano
IAS (€)
Subida (€)
Salário mínimo (€)
Subida (€)
IAS/Salário mínimo
2006
385,90*
-
403
-
100,0%
2007
397,86
11,96
426
23,00
98,7%
2008
407,41
9,55
450
24,00
95,6%
2009
419,22
11,81
475
25,00
93,2%
2010
419,22
0,00
485
10,00
88,3%
2011
419,22
0,00
485
0,00
86,4%
2012
419,22
0,00
485
0,00
86,4%
2013
419,22
0,00
490
5,00
86,4%
2014
419,22
0,00
505
15,00
85,6%
2015
419,22
0,00
530
25,00
83,0%
2016
419,22
0,00
557
27,00
79,1%
2017
421,32
2,10
580
23,00
75,6%
2018
428,90
7,58
403
17,10
73,9%
* era o salário mínimo

Em 2017 e 2018 houve finalmente subidas modestas do IAS, muito inferiores às do salário mínimo, um claro sinal do desprezo deste executivo pelas políticas sociais, excepto quando elas são pagas por outros, como as empresas.

As empresas devem exigir que esta divergência entre IAS e salário mínimo seja estancada, não devendo aceitar aumento deste inferior ao daquele. Se, por hipótese, o governo se propuser subir o IAS em apenas 10€ (talvez até proponha menos que isso), as confederações patronais devem insistir que o salário mínimo só subirá 10€. Se o governo argumentar que não pode subir mais o IAS, as empresas devem ripostar que, se o Estado não tem dinheiro para aumentos maiores, as empresas muito menos.

Os trabalhadores não têm interesse em aumentos salariais que fragilizam as empresas, porque isso pode, a médio prazo, colocar em risco o seu emprego.

Os trabalhadores e as empresas querem aumentos salariais sérios e sustentáveis e para isso há que aumentar a produtividade, sendo essencial diminuir o abismo que nos separa em termos de educação e formação profissional, em particular em relação aos países da Europa de Leste. O recente regresso ao facilitismo na educação só nos poderá conduzir à miséria, no contexto dos desafios brutais da economia digital. É urgente reformar, de alto a baixo, o IEFP, onde se espatifam milhões em pseudo-formação, só para retirar desempregados das estatísticas, em vez de financiar formação dentro das empresas, a única capaz de aumentar a produtividade e criar emprego para os que não o têm.

É muito hipócrita querer grandes aumentos do salário mínimo e não instituir um escalão negativo no IRS, em que os menores rendimento recebem um subsídio, como estava, aliás, inscrito no programa eleitoral do PS. Esta é a via correcta de fazer política social, melhorando o rendimento dos mais pobres, sem criar custos para as empresas.

É essencial não esquecer que foi a nossa dívida externa e não a dívida pública que gerou a necessidade de pedir ajuda à “troika”. Em 2018, estamos a assistir a uma degradação do saldo externo, pelo que esta é a pior conjuntura para inventar mais riscos.

É muito hipócrita fingir-se preocupado com os mais pobres e não querer fazer as reformas estruturais que podem fazer Portugal sair da estagnação das últimas duas décadas, a única forma de se poder aumentar salários, baixar impostos e distribuir mais riqueza.

[Publicado na CapitalMagazine]

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Acabar com a demissão cívica


Há demasiadas classes profissionais que estão ausentes do espaço público e é urgente acabar com esta demissão cívica.

Há algumas classes profissionais que estão suficientemente representadas na comunicação social, nomeadamente economistas e juristas, quer em número quer em diversidade. Isto não quer dizer, infelizmente, que os problemas económicos e da justiça estejam razoavelmente resolvidos. Muito pelo contrário.

Portugal vive a mais escandalosa e única divergência da UE, entre os mais pobres Estados-Membros, há quase duas décadas e poucos economistas falam sobre isto e o país ainda não está, nem de longe nem de perto, consciente deste problema. E esta falta de consciência é um obstáculo gigantesco à tomada de medidas, porque sem tomar consciência da gravidade da situação, a população em geral não está politicamente disponível para as reformas essenciais para solucionar esta calamidade.

Em relação à justiça, julgo que não será injusto dizer que é, no sector público, a área onde as coisas funcionam mais escandalosamente mal.

Chegados aqui, poderíamos ser levados a concluir que a participação pública é pouco importante, mas acho que podemos ser um pouco mais optimistas.

Há outros, tais como médicos, engenheiros, professores do ensino não superior, técnicos superiores da função pública, empresários, para citar apenas alguns grupos profissionais, cuja escassez de participação pública é um pouco chocante. E esta participação não teria que ser com grandes teorias, mas poderia ser de relatos na primeira pessoa, que teriam certamente factos muito interessantes para nos revelar.

Temos visto demissões em bloco de dirigentes hospitalares, um gesto sem dúvida corajoso, mas não vemos cartas colectivas e públicas e explicar, com o maior detalhe, as razões concretas que motivaram esta atitude. Ouvimos queixas soltas de utentes do SNS, mas não temos tido acesso a relatos detalhados de quem vive, profissionalmente, estas dificuldades. Parece evidente que testemunhos deste tipo ajudariam a formar uma ideia mais clara sobre o que se está a passar. É ou não verdade que a passagem para as 35 horas provocaram uma grave queda na qualidade dos serviços de saúde?

Todos temos a nítida sensação que o sistema de transportes em Portugal é uma absurda manta de retalhos, sem a menor visão sistémica, com propostas de resolução para lá de ridículas. Porque é que não temos artigos regulares de engenheiros a propor soluções estruturadas, cuja racionalidade nos conquistaria imediatamente?

Os professores do ensino não superior vivem num inferno burocrático e com um défice de autoridade, que causa a muitos graves distúrbios psicológicos, a que os seus sindicatos parecem estar alheios, ainda que tenham muita força para conseguir outras reivindicações dos sucessivos governos. Porque não se exprimem mais no espaço público, expondo não só as suas queixas, mas propostas concretas e viáveis de soluções?

É consensual que a administração pública está insuportavelmente colonizada por boys (incompetentes que só ocupam lugares pelas suas ligações partidárias). Porque é que não temos denúncias colectivas de casos concretos por parte de técnicos superiores da função pública? Se têm assim tanto medo de represálias, porque é que não exigem que os sindicatos reivindiquem mais garantias de protecção de denúncias? Porque é que não envolvem o Procurador de Justiça nestas acusações?

Muitos empresários lastimam, em privado, obstáculos abstrusos e perseguições pela administração pública. Porque não exigem que os seus representantes venham a público denunciar estas situações?

Esta – generalizada – demissão cívica custa imenso ao país, cria imenso descontentamento e perda de qualidade de vida a milhões de portugueses. É urgente colocar um ponto final nesta demissão.

É neste sentido que a Capital Magazine se disponibiliza para publicar textos de qualidade que nos enviarem, que dêem voz aos pontos de vista dos sectores e profissionais até agora arredados da opinião pública e da participação cívica. Aguardamos a vossa vontade de terminar com esta demissão cívica.

[Publicado na CapitalMagazine]

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Mais uma oportunidade perdida


Um dos problemas maiores deste orçamento é o diagnóstico errado que faz da economia portuguesa, atribuindo a falta de crescimento a uma suposta falta de procura, que só existiu no período da troika, por um imperativo de ajustamento, mas que não se verificou entre 1996 e 2011, em que o endividamento externo explodiu de uns insignificantes 8% do PIB para uns terríveis 110% do PIB em 2011, a verdadeira razão por que foi necessário pedir ajuda à troika, como já tinha ocorrido em 1978 e 1983, nestes casos apenas ao FMI.

Partindo deste pressuposto errado, a generalidade das medidas constantes do orçamento centra-se na redistribuição de rendimentos, pretendendo assim aumentar a procura e, assim, promover o crescimento económico. Mesmo aí, há contradições, com mais aumentos na função pública, mas congelamento dos escalões do IRS.

O que verdadeiramente escasseia são medidas concretas e eficazes do lado da oferta, para lá das boas intenções. No caso da Administração Pública, “o Governo pretende, em 2019, prosseguir a sua atuação nos três eixos de política para a AP: valorizar os trabalhadores, melhorar os ambientes de trabalho e modernizar a gestão pública.” (p. 16). Há um foco excessivo na função pública e não no serviço que é suposto ser prestado e que justifica, desde logo, que estes serviços existam. O SIMPLEX+ tem sido fonte de muita propaganda, mas continua com resultados muito escassos a nível prático, persistindo queixas de atrasos incompreensíveis nos licenciamentos, um dos mais importantes obstáculos à atracção de investimento estrangeiro.

Tal como os orçamentos anteriores, este é também muito pouco ambicioso em termos de metas, não se prevendo qualquer melhoria no saldo estrutural, ao contrário do que diz o documento oficial.

Num contexto de desaceleração europeia mais pronunciada do que se previa inicialmente, este orçamento é pouco prudente em termos de crescimento económico, ao estimar uma redução de crescimento económico de apenas uma décima. É assim, provável que as cativações venham a ter que ser aplicadas de forma muito dura, deteriorando a qualidade dos serviços públicos, em particular na saúde.

Em resumo, este documento marca o final de um período de condições externas excepcionais, que não foram minimamente aproveitadas pelas autoridades para fazer o que seria essencial para colocar um fim na estagnação das duas últimas décadas, em que Portugal foi sucessivamente ultrapassado por países menos desenvolvidos, sendo hoje o 6º mais pobre da UE.

[Publicado no Observador]

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Acelerar os licenciamentos de habitação


Deve-se diminuir as transferências para as autarquias com prazos de licenciamento superiores a um ano e dar um prémio àquelas onde o prazo é inferior a seis meses.

Na esfera pública (tal como na privada), as más decisões e as más práticas resultam, muitas vezes, de incentivos errados ou mesmo de ausência de incentivos.

A Câmara de Lisboa apresenta indicadores muito maus em relação aos prazos de licenciamento em geral e de habitação em particular.

Estes atrasos nos licenciamentos são extremamente negativos para a economia em geral e para as contas públicas em particular. Eles significam menos investimento, menos PIB e menos emprego. São também uma das duas principais queixas dos investidores estrangeiros (a outra é a elevada taxa de IRC), segundo os inquéritos levados a cabo pelo Fórum Económico Mundial, nas suas ordenações anuais de competitividade.

O défice público resulta maior por causa disso, porque o Estado deixa de cobrar receitas fiscais da mais variada ordem: IVA da actividade de construção; IRS e contribuições para a segurança social dos trabalhadores; IRC das empresas; impostos sobre os combustíveis utilizados no transporte de materiais; etc., etc. Como se tudo isto não fosse já suficientemente grave, o Estado também tem que suportar mais despesas com subsídios de desemprego, pelos empregos que não foram criados, e as próprias autarquias também perdem receita fiscal no IMI.

Ou seja, as autarquias com prazos dilatados de licenciamento provocam estragos profundos na economia nacional e nas contas públicas e é da mais elementar justiça que sejam penalizadas por isso.

Por isso, proponho que, já no orçamento de Estado de 2019, as câmaras com prazos de licenciamento superior a um ano sofram um corte de 5% no total das transferências do Estado, como forma de este se indemnizar pelos prejuízos causados pelos atrasos das autarquias.

Em contrapartida, proponho também que o total de “poupanças” geradas por estes cortes sejam distribuídos pelas autarquias com boas práticas, em concreto, com prazos de licenciamento inferiores a seis meses.

Para limitar o aumento excessivo de novas transferências, cuja dificuldade na gestão poderia motivar maus gastos, este aumento das transferências para as “boas” câmaras estaria limitado a 10% do total de transferências de cada município.

Com estes (novos) incentivos, parece-me fácil adivinhar que a generalidade das “más” câmaras alteraria drasticamente os seus procedimentos, com um claro benefício para a economia, as contas públicas e atractividade de Portugal para todos os investidores.

Gostaria de acrescentar um outro incentivo. O total do bolo a distribuir pelas autarquias com boas práticas sê-lo-ia na proporção dos votos validamente expressos (incluindo brancos e nulos) nas últimas eleições autárquicas. Acabar-se-ia com o actual incentivo a termos cadernos eleitorais fraudulentos, em que os mortos não são apagados, porque as transferências são função da população “oficial” residente nos concelhos.

Este novo incentivo teria duas vantagens: 1) não prejudicar as câmaras mais pobres porque cada eleitor numa região rica valeria o mesmo que outro de uma região pobre; 2) beneficiar as câmaras mais pobres e pequenas, mais próximas do cidadão, onde é mais fácil acelerar os procedimentos.

O que é que estão à espera para criar o “task force” para a habitação que sugeri no artigo de 16 de Setembro?

[Publicado no Observador]

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Porque não se usa Entrecampos para habitação?


Lisboa tem uma zona enorme em Entrecampos onde se poderia aumentar imenso a oferta de habitação na cidade, aliviando a pressão sobre os preços. Como é que se explica que a CML apenas preveja que 30% do edificado ali seja para habitação?

A saga inenarrável dos terrenos da Feira Popular, fechada em 2003, há 15 anos (!) e ainda não reaberta em lado nenhum, parece estar a chegar ao fim, mas o desfecho que se prepara é um erro gigantesco: 70% da área edificada será destinada a comércio e escritórios e apenas 30% a habitação.

A zona de Entrecampos já está hoje saturada de trânsito e colocar tanto escritório ali vai conduzir a ainda mais automóveis a entrar na área, tornando-a infernal. Se não se cria habitação na cidade, isto é um estímulo a mais pessoas viverem fora de Lisboa e mais carros a entrar na capital para o trabalho.

Em contrapartida, se a distribuição de áreas fosse a inversa, 70% para habitação e o resto para as restantes valências, mais pessoas poderiam viver na cidade e aproveitar os excelentes (em número que não em qualidade) transportes públicos que servem a zona.

Isto passa-se na mesma cidade onde há fortes queixas de falta de habitação, que está a fazer subir imenso os preços dos imóveis?

Isto passa-se na mesma cidade que suscitou a proposta (disparatada) da “taxa Robles” contra a “especulação”?

Isto passa-se na mesma cidade em que há queixas (legítimas) de que o aumento do alojamento local está a gerar escassez de habitação?

O que é que a esquerda tem a dizer sobre este absurdo? Vai ficar calada a ver esta oportunidade de ouro de aumentar o número de habitações em Lisboa ser escandalosamente desaproveitada?

E os “bem-pensantes” comentadores não têm nada a dizer? Não se indignam com este absurdo que está a ser perpetrado à vista de todos?

O “país” da comunicação que vive focado em “Lesboa” não tem nada a dizer sobre este assunto?

Muito próximo dali, estava o mercado abastecedor de Lisboa, na Av. das Forças Armadas, fechado em 2000 (ainda há mais tempo que a Feira Popular!)  e deslocalizado para o MARL de Loures. Muitos dos terrenos onde estava o anterior mercado ainda estão hoje por urbanizar, em frente do ISCTE e da Faculdade de Farmácia e pertíssimo de muitas outras faculdades da Universidade de Lisboa.

Como explicar este absurdo? Porque é que aquilo não está hoje cheio de residências universitárias?

Porque é que a cidade de Lisboa é tão mal gerida? Porque é que os problemas ficam um tempo louco à espera de soluções?

O que é que estão à espera para criar o “task force” para a habitação que sugeri no artigo da semana passada?

[Publicado no Observador]

domingo, 16 de setembro de 2018

Cinco soluções para a habitação em Lisboa


O que está por trás da subida dos preços do imobiliário em Lisboa e no Porto é o forte aumento da procura e não alguns malvados “especuladores”, pelo que a solução passa por um forte aumento da oferta, para o qual apresento cinco soluções.

O discurso que aponta para os “especuladores” como os responsáveis pela subida dos preços do imobiliário em Lisboa e no Porto é duma indigência intelectual, ao nível das acusações de Maduro contra os “especuladores”, que seriam os grandes responsáveis pelo desastre que ele criou na Venezuela.

É importante sublinhar que um mau diagnóstico irá sempre dar uma má terapia e é isso que está subjacente quer à “taxa Robles”, quer ao disparate equivalente proposto por Rui Rio, que não resolvem nada, que não vão contribuir para que haja mais oferta, muito pelo contrário.

A verdadeira razão porque os preços dos imóveis estão a subir é porque houve um enorme crescimento da procura, a par de um muito mais tímido aumento da oferta. A procura cresceu pelo crescimento natural da economia e descida do desemprego, pela expansão do alojamento local e por política públicas – deve sublinhar-se – de atracção de residentes estrangeiros, como é o caso do visa gold e do tratamento fiscal preferencial para residentes não habituais.

O que foi feito de equivalente do lado da oferta? Praticamente nada.

Por isso, proponho que as câmaras de Lisboa e Porto criem, com caracter de urgência, uma “task force” (não me ocorre em português um termo com a força equivalente, talvez porque sejamos demasiado meias tintas), que faça um levantamento da maior variedade possível de formas de aumentar a oferta de habitação nestas cidades, bem como os procedimentos pormenorizados para as concretizar.

Deixo, desde já, algumas sugestões para serem trabalhadas por essa “task force”, para o caso de Lisboa:

1. Via verde do licenciamento de habitação. É essencial começar por fazer um levantamento de quantos (milhares de) fogos aguardam licenciamento de construção e reabilitação e qual o prazo médio. Em seguida, é necessário definir metas extremamente ambiciosas de diminuir drasticamente os prazos de aprovação; simplificar processos, de modo a diminuir a necessidade de funcionários camarários e permitir que os actuais despachem muitos mais licenciamentos; em último caso, se forem necessários mais recursos, atribuí-los a estes serviços. A forma de financiar é muito fácil: as novas habitações representam nova fonte de receita fiscal.

2. Urbanizar os “baldios”. É totalmente absurdo a quantidade de terrenos desocupados dentro do concelho de Lisboa (sobretudo na zona oriental), ainda hoje, quando há mais de meio século que as pessoas têm sido empurradas para longe do centro. É preciso identificar os proprietários destes terrenos e perceber exactamente porque permanecem vazios, para resolver os bloqueios existentes. Como é evidente, urbanizar não é só construir prédios, é também criar espaços verdes, áreas comuns, etc., etc.

3. Reabilitar as ruínas e gavetos. Continua a haver um número absurdamente elevado de prédios em ruínas há décadas, para além de espaços vazios onde antes havia edifícios, entretanto demolidos. A penalização do IMI claramente não está a funcionar e suspeito que está a ser mal aplicada. O que a câmara deve fazer é dar um pré-aprovação de um mínimo (que poderá ser aumentado posteriormente) de área edificada para cada destes prédios e áreas e, em seguida, exigir uma reavaliação, muito valorizada pela pré-licença de construção. Isso irá fazer explodir de tal maneira o imposto a pagar, que vai obrigar os (eventuais) herdeiros a porem-se imediatamente de acordo com a venda do imóvel.

4. Realojar quarteis. Há hoje ainda demasiados quarteis em zonas demasiado nobres da cidade, que não desempenham qualquer função militar relevante (poderiam estar ali ou noutra zona qualquer do distrito) e sem grande valor arquitectónico. No caso de haver valor arquitectónico, esse deverá ser preservado, em simultâneo com a urbanização. Aqui, de novo, a câmara deve dar um pré-aprovação de um mínimo de área edificada para cada destes quarteis e sugerir ao ministério da Defesa (ou ao proprietário, caso seja outro) a sua venda, agora extremamente valorizada. Com estas receitas de capital, este ministério poderá construir (se acaso for necessário) quarteis em zonas muito mais baratas e ficar com a diferença, que deverá ser gasta exclusivamente em despesas de capital (modernização do material militar, por exemplo) e nunca em despesas correntes.

5. Realojar serviços públicos. Há imensos serviços públicos que ocupam espaços desnecessariamente caros, que poderiam perfeitamente, e com enorme vantagem, mudar-se para outras localizações dentro da área metropolitana de Lisboa, poupando milhões aos cofres do Estado e disponibilizando espaços para habitação dentro da cidade.

Espero que estas ideias sejam um início de conversa para se avançar com soluções que permitam aumentar muitíssimo a oferta de habitação em Lisboa e que permitam que muitos jovens possam viver na cidade, que tanto precisa da sua energia.

[Publicado no Observador]

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Coincidências a mais


O juiz Ivo Rosa está sempre presente em casos suspeitos. É uma “coincidência” tramada. A última é ordenar destruir emails, impedindo o avanço na investigação da EDP. Não há instâncias superiores para resolverem este problema?

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Conversas de salão?

Agora que o regime está a ganhar um pingo de vergonha (um "pingo" e não um "mínimo"), será que já se pode falar de Noronha do Nascimento, Pinto Monteiro e Cândida Almeida? Não se arranja uma comissãozinha de inquérito? Uma entrevistazita? Não há uma curiosidadezita em saber melhor o papel destas pessoas no atraso de todas estas investigações? Não há uma instituição ou outra a precisar de ser investigada? Não há - talvez - a necessidade de recorrer a investigadores estrangeiros para se esclarecer alguma coisa que valha a pena? Alguém no regime está interessado nisto? Ou é só conversa de salão?

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Poupar é preciso!

As pensões do futuro estão muito longe de estar asseguradas e era importante que as famílias interiorizassem isso e poupassem mais.

Aproveitando o facto de hoje ser dia mundial da poupança, escrevo hoje sobre a poupança das famílias, que está em mínimos. Neste momento temos um ligeiro superavit externo (possivelmente inferior a 1% do PIB em 2017), que se poderá rapidamente transformar num défice, se o investimento subir do seu actual nível muito deprimido para valores mais próximos da sua média histórica. É, aliás, imperioso que o investimento suba, porque o seu nível é insuficiente para compensar o desgaste do investimento passado.

Haverá quem justifique o baixo nível de poupança com, por um lado, as baixas taxas de juro e, por outro, com o deprimido valor dos rendimentos. Se taxas de juro diminutas tornam a poupança pouco atraente, elas também exigem que se poupe mais para conseguir reunir um determinado valor de poupança. Mais ainda, se o objectivo de poupança for conseguir um certo rendimento do dinheiro aforrado, uma baixa taxa de juro obrigará a poupar ainda mais.

Aliás, as taxas de juro ainda são mais baixas na Alemanha do que em Portugal, mas este país poupa muitíssimo mais do que o nosso, tendo, em termos agregados, um excesso de poupança (medido pelo superavit externo) de 8% do PIB, o que é muitíssimo elevado. Ou seja, as baixas taxas de juro não podem servir de desculpa para pouparmos pouco.

Em relação ao nível de rendimentos, estamos próximo do máximo histórico, já que a economia portuguesa se tem desenvolvido quase continuamente no último século e meio. Com a queda do desemprego, até se pode dizer que as condições de poupança teriam melhorado.

Parece que o problema maior reside na falta de consciência de que as pensões do futuro estão muito longe de estar asseguradas e que os trabalhadores deveriam investir o quanto antes em complementos de pensão para minimizar as quebras que são largamente expectáveis nas reformas que venham a ser atribuídas nas próximas décadas.

Como fomentar este investimento? A primeira solução seria avisar as populações destes factos, embora seja difícil de acreditar que isso possa ser feito por políticos que passam a vida a dizer que a n-ésima reforma das pensões é a última e que agora já está tudo resolvido. Não está nem nunca vai estar, porque os políticos (e os eleitores…) não estão, nem nunca vão estar, disponíveis para ter custos políticos hoje para resolver um problema que vai surgir daqui a 20 ou 30 anos.

Uma segunda solução, que muitos são logo tentados a propor, é a criação de benefícios fiscais para estes complementos de reforma, eventualmente feitos em conjunto entre o trabalhador e a empresa. É uma resposta fácil, aquela que todos imaginam ser a resposta para todo e qualquer problema.

Chamo a atenção para dois tipos de problema, que é necessário garantir que são resolvidos. O primeiro é não criar um mero desvio de poupança de um instrumento para outros, o que será difícil. A pessoa está mesmo a prescindir de consumo ou está apenas a substituir depósitos a prazo por aplicações que proporcionam benefícios fiscais?

O segundo problema é garantir que existe total mobilidade e concorrência na gestão dos complementos de reforma. Lembro-me bem do caso dos depósitos poupança habitação (viram alguém deixar de fazer férias no Brasil para fazer um depósito poupança habitação?), que davam benefícios fiscais e, por isso, os bancos remuneravam com taxas de juro muito mais baixas do que os depósitos a prazo. Ou seja, os bancos apropriavam-se indirectamente dos benefícios fiscais, porque não havia concorrência entre eles em relação a estes produtos, após a sua constituição.

Sem acautelar estes problemas, a criação de benefícios fiscais (que são poupança pública negativa) pode bem ter o efeito perverso de diminuir a poupança nacional.


[Publicado no jornal online ECO]