terça-feira, 29 de julho de 2008

De novo o TGV

O Alexandre Brandão da Veiga dá uma achega importante ao debate sobre o TGV, criticando a preponderância dos economistas na matéria. Infelizmente, parece que só agora ouviu um engenheiro falar sobre caminhos-de-ferro. Tem andado distraído, mas adiante.

Permito-me colocar o debate do TGV noutros termos e sair do beco “TGV: sim ou não?”, que me parece a atitude errada. O que nós temos que fazer é começar por definir prioridades nacionais gerais. Na minha opinião, as áreas onde estamos relativamente pior em relação à Europa (ou em relação a uma qualquer utopia que se queira) são a educação e a justiça e não os transportes. Logo, o grosso do investimento deveria ir para educação e justiça e não para transportes.

Passando este passo, dentro da área dos transportes vamos admitir que tinha sido afectado a este sector as verbas necessárias para construir o TGV. Mesmo aqui, temos que voltar a perguntar: o que é prioritário, o que está relativamente pior? E aqui não tenho dúvida em responder que o pior é a circulação nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, que afectam diariamente milhões de pessoas. Imaginem o que se poderia fazer se se gastasse as verbas do TGV em melhorar a condições de circulação nestas áreas! É que o TGV é uma solução caríssima para um problema que não existe.

Ou seja, é completamente ridículo que uma eventual sub-alínea de um plano verdadeiramente geral de investimento público seja o foco da discussão, quando o que se deveria começar por discutir é o conjunto e as suas linhas mestras e só depois as conclusões. Mas o TGV cheira demasiado a decisão tipo rainha de copas na Alice no País das Maravilhas: “Primeiro a sentença, depois o julgamento”.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Imobiliário em queda

O INE acaba de publicar os dados de avaliação bancária de imóveis do 2º trimestre de 2008. É evidente que haverá certamente um efeito de contaminação da crise do subprime nestas avaliações, mas os resultados têm interesse.

Em termos homólogos a avaliação caiu em 4,6%, muito próximo da queda desde o máximo. Mas em termos regionais o Alentejo e o Centro já apresentam quedas de mais de 12% desde o máximo, alcançado no início de 2006.

Talvez o aspecto mais curioso dos dados é que são as habitações mais caras (o top 25%) a cair mais (-5,6%), embora no conjunto do país a diferença seja pequena (no quartil mais baixo a queda é de 3,9%). Em termos regionais, as diferenças são muito mais vincadas. Por exemplo, no Alentejo, a avaliação das casas mais caras caiu 14,6%, enquanto a das mais baratas apenas caiu 4,2%. Se compararmos com os máximos, a queda das casas mais caras já é de 20%. Se usarmos a ideia do mercado accionista de que uma queda de 20% face ao máximo já representa um bear market, então no Alentejo e Centro o mercado imobiliário de topo já entrou nessa fase.

Isto vai um pouco contra as ideias generalizadas de que as casas mais caras estão sempre vendidas; e que há imensas casas baratas em subúrbios pouco valorizadas que não se conseguem vender e que poderiam sofrer fortes quedas de preços.

Mas talvez este perfil seja o mais saudável. Para as classes mais pobres, as perdas potenciais são mais pequenas, enquanto nos imóveis mais caros a “bolha especulativa” está a rebentar. Embora, como é costume no caso do imobiliário, o processo de ajustamento seja lento.

http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=10931576&DESTAQUESmodo=2

terça-feira, 22 de julho de 2008

Défice em risco

A receita fiscal no primeiro semestre está abaixo do esperado, o que não surpreende, dado que a economia está a crescer muito menos do que o previsto em Outubro de 2007. Também a despesa está a correr mal, mas não do lado da Segurança Social, que é onde se desculpariam derrapagens. Confirmam-se assim as suspeitas de que défice de 2,2% do PIB para 2008 é uma miragem. Duas dúvidas: 1) ficará acima dos 2,6% de 2007? 2) ficará acima dos 3,0%? A seguir com atenção…

sexta-feira, 18 de julho de 2008

FMI mais honesto que Banco de Portugal

FMI volta a rever em baixa crescimento para Portugal para este ano (de 1,3% para 1 1/4%) e do próximo ano (de 1,4% para 1,0%). Infelizmente, o documento não está ainda em linha, pelo que ainda não é possível conhecer a previsão para o desemprego, mas adivinha-se que suba este ano e no próximo. Dado o carácter muito desfasado desta variável é possível que o pico só seja mesmo atingido em 2010.

O FMI fala ainda de uma série de temas já aqui tratados, como falta de competitividade, excesso de endividamento externo, etc., basicamente no mesmo sentido.

Claro que a mensagem principal é a que titula o Público na p. 37: “FMI garante que principais problemas da economia portuguesa são domésticos”. Estamos assim muito longe da mensagem recente do Banco de Portugal, que veio justificar os seus erros de previsão exclusivamente com base em questões externas. Percebeu-se a excessiva preocupação do BdP em se justificar, mas aceita-se mal a falta de ênfase nos problemas domésticos, que nos estão a conduzir a uma desgraçada trajectória de divergência estrutural.

Menezes incapaz de aprender

Menezes escreve hoje umas pérolas no Diário de Notícias, p.9, como o inacreditável título: “Depois de mim virá…” Começa por fazer uma leitura enviesada das sondagens e depois insinuar que, se fosse ele, o PSD já estaria nos píncaros.

“Nem quero imaginar o que se escreveria sobre o anterior líder social-democrata se ele, em escassas seis semanas, não tivesse divulgado uma proposta”. Este é ponto essencial que Menezes não consegue perceber, não quer perceber. Como é que uma oposição tão mais contida do que a sua seja mais bem sucedida do que o seu espalhafato?

Comete a proeza de seu auto-proclamar “a direcção mais representativa da história do PSD.” Em que é que se baseia ele para escrever isto? Em 0% de razões objectivas e 100% de narcisismo.

“Em seis meses, definimos uma nova orientação para a política económica.” Já pararam de rir?

“Não tenho dúvidas de que éramos [isto deve ser o plural majestático] mais representativos, intelectualmente mais sólidos, culturalmente mais bem preparados, politicamente mais experientes, ideologicamente mais esclarecidos, mais carismáticos e melhores comunicadores.” Definitivamente, se conseguíssemos comprar Menezes pelo que ele vale e depois o conseguíssemos vender pelo que ele julga que vale, pagávamos de uma assentada a dívida pública e a dívida externa.

E a cantiga ridícula de que foi vítima dos “interesses instalados”… Em primeiro lugar, colocar-se de fora do grupo dos “interesses instalados” só pode ser piada. Em segundo lugar, esta total ausência de reconhecimento de que alguma coisita ele não teria feito bem e que gerasse as tais críticas, isso já é do domínio de um narcisismo autista.
Vejam também no Público

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Banco de Portugal escolhe optimismo

O Banco de Portugal (BdP) acaba de rever em forte baixa as previsões de crescimento económico para Portugal para 2008 (de 2,0% para 1,2%) e para 2009 (de 2,3% para 1,3%). Aparentemente devido à influência de choques externos. Só que antes já a economia revelava um potencial de crescimento muito anémico.

Mas, mais importante do que isso, o BdP não escolheu como estimativa pontual o ponto médio do intervalo de previsão. Como se pode ver do gráfico 7.2.1 da p. 41 do Boletim, o BdP escolheu um ponto ACIMA do ponto médio. Esta escolha, embora transparente, é manifestamente estranha. Dado que o BdP acabou de ser surpreendido por desenvolvimentos inesperados pela negativa, não conviria ser cauteloso e escolher uma estimativa ABAIXO do ponto médio do intervalo de previsão?

sábado, 12 de julho de 2008

Trabalho de casa feito?

Sócrates vem insistir em que os problemas internos estão resolvidos, Portugal está apenas a ser afectado pela crise internacional. Vamos esclarecer umas “coisinhas” sobre hierarquia dos temas. O (pesado) aumento de imposto e a (diminuta) contenção são instrumentos para alcançar o objectivo intermédio da consolidação orçamental, que por seu turno, é uma condição necessária mas não suficiente para alcançar o objectivo final: a convergência com a UE.

Ora, o que Sócrates pode argumentar é que deu alguns passos para nos aproximarmos de atingir o objectivo intermédio da consolidação orçamental. Mas, nem aqui pode verdadeiramente dar-se por satisfeito, porque o trabalho não está verdadeiramente conseguido. Mas, mesmo aceitando que aqui está tudo bem, no objectivo final Portugal está em estado de calamidade. Estamos num processo de divergência estrutural com a UE, que não tem nada a haver com a actual conjuntura, num processo que já leva quase uma década. Não foi este governo que criou o problema, é certo, mas o “optimismo” maníaco de que este governo tem dados mostras, sendo sempre o último a reconhecer publicamente que há problemas, só tem agravado este problema. O tema da divergência estrutural tem sido olimpicamente ignorado por este governo – no governo anterior ainda se tinha ideia que a divergência era meramente conjuntural. De quem não faz um bom diagnóstico, não se pode esperar uma boa terapia.

Este governo julgava que bastava a retoma para tudo se resolver. Ora, com divergência estrutural a retoma só trás mais uns pozinhos de crescimento, não transforma uma divergência em convergência.

Ou seja, o trabalho de casa económico que o governo tinha era duplo: tratar do objectivo intermédio da consolidação orçamental e tratar do objectivo final da convergência. O governo tratou do primeiro e ignorou o segundo. Ou seja, ignorou a parte mais importante do trabalho de casa. Logo, não nos venha entreter com lérias de que os nossos problemas derivam exclusivamente da crise internacional, porque só um idiota pode engolir tamanha patranha.

Quanto à manigância de plano para enfrentar a crise parece uma grande confusão. Não parece ter nenhuma medida substantiva para enfrentar a raiz dos problemas, nomeadamente a excessiva dependência da energia importada, nem a ineficiência na sua utilização. Nos juros, nenhuma medida que induza à contratação a taxa fixa.

Depois, baseia-se em receitas extraordinárias que aparentemente pagam as despesas do pacote no primeiro ano, mas depois não se sabe. Típico da lógica das SCUTs de deixar uma pesada herança para quem vier a seguir. Ainda a maravilha de distribuir dinheiro dos outros, neste caso das autarquias. Finalmente, o montante envolvido: 80 milhões de euros, cerca de 0,05% do PIB. Como se imagina, um aumento da despesas sociais de 0,05% do PIB vai provocar um alívio extraordinário nas famílias, que vão certamente retribuir esta generosidade com profunda gratidão nas eleições de 2009.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Mais palhaçada ambiental

O último grito da palhaçada ambiental deste governo é o automóvel eléctrico. Este é daqueles mais fácil de enganar tolinhos. Carro eléctrico? Soa maravilhosamente. A electricidade soa a limpo, apenas porque a poluição gerada na sua produção fica muito longe do local de consumo. Que esta ilusão surja na cabeça do singelo habitante, ainda vá que não vá, agora patrocinada pelo governo é inadmissível.

É evidente que, tal como em muitos outros casos, o governo não quer resolver problemas. Quer apenas que os eleitores se convençam que o governo está a resolver problemas. Por isso, para o governo não podia ser mais irrelevante que o carro eléctrico não resolva problema ambiental nenhum. O importante é que os eleitores se convençam que isto resolve problemas.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Incêndio na Avenida

Ardeu ontem um prédio devoluto na Avenida da Liberdade em Lisboa, a avenida mais nobre e cara da capital. Segundo a CML existem ao todo 16 prédios devolutos só nesta via. Destes, 11 têm projectos de licenciamento em fase avançada. “Avançada”? Eu diria bastante atrasada. Como é possível que a CML não atribua a prioridade máxima a resolver estas situações na zona mais nobre da cidade? É evidente que a CML é a maior responsável pela situação actual. Se o licenciamento não está concluído, o proprietário nada pode fazer.

Helena Roseta defende que os proprietários deveriam ser responsabilizados pela degradação dos prédios devolutos. E as câmaras? Não deveriam ser também responsabilizadas pelo atraso nos licenciamentos? Bastava que, a partir do momento em que entrasse um projecto de licenciamento até à sua aprovação, todas as obras de preservação ficassem a cargo das câmaras. Assim estas passavam a ter um incentivo a acelerar os processos. Neste momento, dá ideia de que o incentivo é o inverso. Quanto mais demorado o licenciamento, maior o incentivo para uma “ajudinha”.

Quanto aos outros cinco prédios devolutos dos quais não se sabe nada, deveriam ser expropriados e vendidos imediatamente depois. O proprietário teria direito a, digamos, 90% do valor obtido na venda, para evitar a tentação de ser o próprio proprietário a licitar, para tudo ficar na mesma.

Em geral, deveriam ser definidas áreas de intervenção especial, pela sua importância turística, e os prédios devolutos nessas zonas deveriam ser objecto de expropriação e venda imediata posterior, com obrigação de reabilitação rápida. Quando o problema nestas zonas estivesse resolvido, ia-se alargando a zona de intervenção, até atingir a totalidade da cidade.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Sarkozy começa mal

Sarkozy começa mal a presidência europeia em quase tudo. Promete que a França vai continuar a ser o maior empecilho à normalização das condições de comércio agrícola. Ainda vigoram aqui normas do mais desfasado em relação ao que se pratica à generalidade dos outros bens e serviços. O que se pretende não é a liberalização total, mas uma aproximação ao que se verifica nos outros sectores. Por razões hiper-egoístas, a França bloqueia. Uma vergonha.

Depois esteve muito mal em criticar o BCE. A única medida consequente (com a qual não concordo) a fazer é (tentar) mudar os estatutos do BCE, para que ele passe a ter um mandato duplo, sobre crescimento e inflação, como o Fed tem. Outra coisa que não isso, não passam de declarações hipócritas e demagógicas. Sarkozy fica bem com os eleitores ao eleger o BCE como o mau da fita, sabendo de antemão que está a pedir ao BCE uma coisa que este não pode fazer. Uma vergonha. Aliás, porque é que não aproveitaram o Tratado de Lisboa para mudar esses estatutos?

A seguir, pede uma redução do IVA sobre os combustíveis. Está em negação do 3º choque petrolífero que estamos a viver e propõe medidas para fingir que não temos que nos adaptar a ele. Uma vergonha.

terça-feira, 1 de julho de 2008

3º choque petrolífero

A estimativa rápida da inflação na zona do euro atingiu em Junho os 4.0%, o máximo dos últimos 16 anos. O que está por trás desta subida? Claramente, um choque adverso da oferta agregada, centrado nos preços do petróleo e produtos agrícolas. Em relação ao impacto temporal, admite-se que o choque nos preços do petróleo seja mais estrutural, enquanto nos preços agrícolas a capacidade de adaptação é maior e poderemos já este ano assistir a algumas quedas nos preços.

Como o choque petrolífero (o 3º) é estrutural, vamos ter que nos adaptar, passando para um patamar inferior de rendimento, a partir do qual retomaremos uma trajectória ascendente. Há uma perda que temos que assumir, mas não vamos ficar condenados a não a recuperar.

Se estivéssemos perante um choque da procura agregada, o trabalho do BCE seria facílimo, com uma subida das taxas de juro a arrefecer a economia. Mas como estamos perante um choque da oferta, não há respostas inequívocas, porque temos em simultâneo uma subida do desemprego e da inflação. Se o BCE atacar a inflação vai agravar o desemprego. Mas o BCE não é o único actor aqui em jogo: há também governos e sindicatos. Se os governos e os sindicatos forem realistas e perceberem que este choque do petróleo exige uma queda dos salários reais, esta subida da inflação poderá ser temporária e não exigir medidas significativas. Mas se se pretender contrariar o ajustamento necessário e se fizerem reivindicações salariais para repor o poder de compra, vamos assistir a uma escalada de salários e preços que vai obrigar o BCE a subir as taxas de juro para níveis muito mais elevados, o que forçará o desemprego a subir muito mais.

Um choque petrolífero obriga a um ajustamento sempre doloroso. Quanto mais houver tentativas de fugir ao ajustamento, mais violento e demorado será esse ajustamento, que terá sempre que ser feito. Atenção governos e sindicatos: nada de discursos hipócritas sobre o BCE. Aquilo que o BCE vai ser obrigado a fazer vai depender crucialmente da resposta que governos e sindicatos derem a este 3º choque petrolífero.