Nem com receitas fiscais excedentárias o governo respeita o investimento público orçamentado, em particular no SNS, bloqueando a convergência com a UE.
Entre 2000 e 2010, o investimento público representou 4,2%
do PIB. Durante os anos de austeridade, provocadas pelos excessos anteriores,
houve naturalmente uma quebra nestes indicadores e o investimento público
baixou para 2,5% do PIB.
Desde então, surpresa das surpresas, o investimento público
degradou-se, tendo diminuído para 2,1% do PIB. A partir de 2015 e do anunciado
“fim da austeridade”, o corte no investimento público foi um dos instrumentos
utilizados para controlar as contas públicas. Trata-se, obviamente, de uma das
piores escolhas porque, a prazo, se traduz numa degradação da capacidade de
lidar com as mais prementes questões sociais e económicas, e qualquer cidadão
tem tido a oportunidade de sentir na pele esta degradação do investimento
público.
O mais extraordinário é que, mais recentemente com a
inflação elevada e concomitante aumento excepcional das receitas públicas, este
caminho continuou a ser trilhado. Em 2022, as receitas fiscais e contributivas
excederam em 3114 milhões de euros o orçamentado, mas o investimento público
ficou 1022 milhões abaixo do projectado.
Mais inacreditável ainda, o investimento no SNS era suposto
subir 172% e caiu 18%(!). Após o período excepcional da pandemia, em que muitas
terapias foram sacrificadas, quando se acumularam inúmeras situações de atrasos
ainda maiores do que aqueles que já são intoleravelmente longos, como é possível
não ter cumprido o que estava previsto na saúde? É frequente haver a desculpa
de falta de dinheiro, mas se houve ano em que esse “argumento” não poderia ser
usado foi em 2022.
O mais extraordinário é tudo isto se passar com um governo
que enche a boca com a defesa do SNS e nem sequer cumpre o orçamento que não
teve que negociar com nenhum partido. Também é incompreensível os partidos da
oposição ficarem silenciosos perante este escândalo e a comunicação pouca
atenção lhe prestar.
Em 2023, o padrão repete-se: até Julho, o investimento
público continua misteriosamente esquecido. O investimento no SNS ainda só foi
executado em 16,7% do total do ano e o governo nem se dá ao trabalho de um
simulacro de desculpa para este absurdo.
Finalmente, refira-se ainda que apenas falámos sobre a
quantidade de investimento público, sem avaliar a sua qualidade e relevância
para melhorar o nível de vida no país. Como é evidente, tudo isto é – mais um –
travão para a convergência com a UE.
[Publicado no Jornal Económico]