terça-feira, 28 de março de 2017

Convençam os mercados com acções e não com propaganda

Os mercados, o BCE e a Comissão Europeia não estão convencidos de que as contas públicas portuguesas estejam a ficar em ordem e não vale a pena esbracejar palavras, sendo imperioso passar à acção.

É compreensível que o governo esteja muito preocupado com a evolução recente das taxas de juro da dívida pública, embora se perceba menos porque só agora acordou para o problema.

O problema é, de facto, muito sério e dele até pode depender a sobrevivência do próprio governo. Em primeiro lugar, acabou-se o ciclo das taxas de juro baixas. O pontapé de saída foi dado em Dezembro de 2015 pela Reserva Federal dos EUA, com duas novas subidas em Dezembro de 2016 e Março deste ano, numa clara aceleração deste movimento.

A zona euro está mais atrasada, mas as medidas de expansão quantitativa estão a chegar ao fim, prenunciando uma subida de taxas de referência para 2018. Como as taxas de juro de referência da dívida pública são a 10 anos, é suposto elas incorporarem informação para todo esse período, sendo já influenciadas pela alteração de expectativas sobre o futuro.

No caso português, há a questão adicional de, no Verão, o BCE ficar impossibilitado de comprar mais dívida pública do nosso país, por atingir o limite do que pode comprar. Como as taxas de juro já estão acima dos 4%, novas subidas podem ser muito problemáticas, podendo colocar em causa mesmo o nosso acesso ao mercado. Numa primeira fase, poderá haver a tentação de emitir a prazos mais curtos, mas isso irá sobrecarregar os próximos anos, que têm já encargos de amortização muito pesados. Numa fase posterior, poderá tornar-se insustentável.

O nosso problema, ao contrário de Espanha e de Itália, é que desde o final de 2015 (coincidindo com uma certa mudança, que agora não me ocorre) que se alargou muitíssimo o diferencial de taxas de juro com a Alemanha. Dado que o movimento de subida de taxas de juro é inevitável, partindo aliás de mínimos históricos, em que as taxas de longo prazo germânicas chegaram a estar a valores negativos (!), a nossa única saída é encurtar aquele diferencial, de preferência recuperando o que já tínhamos alcançado nos últimos meses de 2015.

Sugiro que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças façam um périplo pelas principais praças financeiras para convencerem os mercados, e já agora o BCE e a Comissão Europeia, de que as nossas políticas nos estão a colocar numa trajectória sustentável, quer em termos de crescimento económico, quer de finanças públicas. É particularmente importante que António Costa acompanhe o ministro, para ver se percebe in loco as verdadeiras preocupações dos investidores e porque é que estes não engolem a propaganda governamental. Nós cá estaremos à espera de ver as consequências dessas visitas no estreitamento do nosso diferencial de taxas de juro com a Alemanha.


[Publicado no jornal online ECO]

quarta-feira, 22 de março de 2017

O derrotado vencedor

Geert Wilders, o líder da extrema-direita holandesa ficou em segundo lugar nas eleições, mas a sua ideologia venceu

Em 1972, com a publicação do relatório Limites do Crescimento, pelo Clube de Roma, o movimento ecologista teve um impulso significativo, mas inicialmente sem grande impacto político. Partidos muito focados neste tema foram surgindo pela Europa mas, passado algum tempo, o seu sucesso significou a sua morte, já que o facto de terem feito com que a sua mensagem tivesse passado a ser consensual esvaziou a sua especificidade.

Nas eleições legislativas holandesas da passada semana tivemos um cheirinho deste efeito, em que o partido da extrema-direita consegui ter um forte impacto na atitude anti-imigração do primeiro ministro, sobretudo na recta final da campanha, e ajudada pela provocação da Turquia.

O partido de Geert Wilders liderou as sondagens quase o tempo todo desde finais de 2015, mas perdeu peso já em 2017, passando a ser o segundo partido mais votado, ganhando cinco lugares, enquanto o partido vencedor perdeu oito mandatos. Julgo que se poderá dizer que Wilders não ganhou, mas a sua ideologia sim, já que contagiou o candidato vencedor.

Para Portugal, a parte mais importante da ideologia da extrema-direita holandesa era a sua posição sobre o euro, de que querem sair. Os mercados financeiros quase não reagiram aos resultados eleitorais, o que parece significar duas coisas: 1) Wilders, com apenas 13% dos deputados eleitos, não deverá ter grande influência nas políticas económicas; 2) em termos do euro, o seu risco de contágio a outros partidos holandeses parece diminuto. Ou seja, parece que a parte ideológica mais atraente da extrema-direita é o seu discurso sobre os imigrantes e não tanto sobre o euro.

Estes resultados terão também tranquilizado um pouco os mercados em relação ao próximo sobressalto que se avizinha, potencialmente mais perigoso: as eleições presidenciais francesas.

A sua primeira ronda terá lugar a 27 de Abril e Marine Le Pen lidera as sondagens há alguns meses, embora a sua vantagem sobre Macron se esteja a estreitar ao ponto de estarem já quase em empate técnico. Na segunda volta já não há qualquer ambiguidade, sendo a vitória do socialista esperada com uma folga significativa.

Aqui de novo se coloca a questão do contágio dos partidos do centro em relação à ideologia dos que os tentam vencer. Em relação à imigração, o Presidente socialista Hollande já tinha mostrado algum contágio, mesmo antes dos vários atentados de que a França foi vítima.

Em relação ao euro, de longe a questão mais grave e aquela que maiores implicações teria para o nosso país e também para o futuro da própria UE, parece que não há praticamente uma contaminação semelhante à verificada sobre a questão da imigração. Esperemos que isto assim continue, mas convém acompanhar esta questão de perto.



[Publicado no jornal online ECO]

quinta-feira, 16 de março de 2017

Perturbações holandesas?

As eleições holandesas poderão criar algumas perturbações, mas não ao nível de um Brexit ou de um Trump.

A poucos dias do evento, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia tentou entrar na Holanda, para participar num comício sobre o referendo no seu país. O governo holandês tentou dissuadi-lo disso, devido à campanha eleitoral holandesa, em que o tema da imigração estava ao rubro, mas o diplomata turco insistiu, pelo que o seu avião foi impedido de aterrar.

A resposta dura do executivo da Holanda foi também uma forma de retirar vantagens políticas, já que essa é a posição defendida pelo partido da extrema-direita, Partido pela Liberdade (PVV), que liderava as sondagens até há pouco.

Mesmo que a extrema-direita ainda venha a ganhar as eleições, não é líquido que consiga formar governo. No entanto, uma coisa se pode dizer: o seu sucesso eleitoral já está a contagiar os outros partidos.

Outros temas de campanha do PVV são a saída do euro e da própria UE, mas não é certo até que ponto o eleitorado se revê neles.

De qualquer forma, o resultado destas eleições e, sobretudo, de qual o governo – necessariamente de coligação – que sairá delas poderá ter uma leitura significativa nos mercados, sobretudo na probabilidade que atribuem à sobrevivência do euro nos seus actuais contornos.

Isso poderá fazer subir os diferenciais de taxas de juro entre os países periféricos e a Alemanha, com destaque para Portugal, onde esse diferencial já se alargou de forma significativa no último ano e meio, por contraste sobretudo com Espanha, onde o diferencial tem mantido uma notável estabilidade. No caso de Itália, tem havido algumas perturbações, desde o fim do governo derrotado no referendo do ano passado, com incertezas inclusive sobre a data das próximas eleições.

As eleições na Holanda poderão não passar de um ligeiríssimo aperitivo sobre as eleições presidenciais francesas, onde a posição da candidata da extrema-direita é muito mais vantajosa e estável.

Portugal está numa posição de grande fragilidade, que deveria estar a ser seriamente corrigida e não a ser colmatada com políticas de fachada. Destaco dois problemas económicos: a estagnação económica e o excesso de endividamento.

Há 16 anos que a economia portuguesa está em divergência estrutural com a UE, tomaram-se medidas tímidas no tempo da troika, mas este governo tomou a decisão incompreensível de reverter algumas delas.

Temos também um excesso de endividamento, interno e externo, público e privado. Por isso precisamos de diminuir claramente o défice público, de forma estrutural e consistente e não com medidas cosméticas. O Presidente da República deveria aliar-se ao Conselho de Finanças Públicas para pressionar o governo neste sentido e não o oposto.

A única forma de impedirmos consequências graves de raízes externas é fazermos o nosso trabalho de casa, procurando frutos duradouros e não fogachos efémeros.


[Publicado no jornal online ECO]

quarta-feira, 8 de março de 2017

Perspectivas para a UE

A Comissão Europeia aparenta uma grande abertura de espírito para pensar a UE a prazo, mas isto não parece um exercício genuíno, mas antes uma resposta tardia e ineficaz ao Brexit.

A Comissão Europeia acaba de publicar “Livro Branco sobre o futuro da Europa. Reflexões e cenários para a UE27 até 2025”, a propósito da comemoração dos 60 anos do Tratado de Roma, que instituiu as Comunidades. Nele se traçam cinco cenários de evolução possível, que não são exaustivos nem mutuamente exclusivos: 1) Continuar como até aqui; 2) Nada para além do mercado único; 3) Os que querem mais, fazem mais; 4) Fazer menos de forma mais eficiente; 5) fazer muito mais juntos.

Antes de prosseguir, gostaria de apresentar a minha avaliação da construção europeia até agora. Penso que a dado passo se gerou um equívoco brutal, em que se esqueceu os dois verdadeiros objectivos da UE – a paz e a contenção do poder da Alemanha – e se erigiu a integração como objectivo, quando não passava de um instrumento.

Este equívoco conduziu, por um lado, a integração excessiva, de que o euro é o exemplo mais claro já que, para além dos problemas económicos, é um gigantesco erro político face aos dois objectivos essenciais da UE (aumentou exponencialmente os conflitos e deu uma hegemonia brutal à Alemanha). Por outro, criou integração forçada, feita a contragosto e gerando muitos anticorpos, cuja consequência mais evidente é o Brexit, a resposta britânica a um conjunto de abusos da UE. Aliás, este Livro Branco é claramente uma resposta tardia e ineficaz à saída do Reino Unido, ainda hoje encarada como uma heresia à doutrina oficial comunitária. Deve também acrescentar-se que é muito duvidoso que os cenários apresentados espelhem uma genuína abertura de espírito para discutir sem tabus o futuro da “Europa”, porque não se fala em reformar para que isso faça os britânicos perderem a vontade de sair.

O cenário 1, de prosseguir como até aqui, parece-me ser de descartar, porque a crise é tal que não faz qualquer sentido deixar tudo na mesma. O cenário 5, de acelerar a integração, é de um irrealismo total e também pode ser ignorado. O quarto, “Fazer menos de forma mais eficiente”, parece uma abordagem tecnocrática pouco inspirada para um problema que é essencialmente político.

O que me parece que seria mais promissor é um misto dos cenários 2 e 3. Ou seja, tudo o que esteja para além do mercado único deveria ser facultativo, com geometrias variáveis de acordo com os temas. Mesmo em relação ao mercado único, julgo que se deveria colocar de lado a uniformização, dada a crescente heterogeneidade da UE, e passar a haver escalões por nível de rendimento. Parece-me absurdo que a Roménia e a Suécia tenham que respeitar os mesmos padrões ambientais, entre outros.

Qual a probabilidade de um tal caminho ter futuro? Depende muito do exame de consciência que as elites comunitárias estejam dispostas a fazer e de até que ponto estão dispostas a abdicar de preconceito de que mais integração é melhor. Não estou muito confiante, até porque – insisto – não me parece que este exercício seja genuíno.


PS. O PCP e BE nunca se converteram verdadeiramente à democracia e o seu apoio ao actual governo começa a apresentar os seus custos, ao tentarem eliminar a existência de um órgão independente como o Conselho de Finanças Públicas, que é, em última análise, um garante de que os governos não estão a enganar os eleitores sobre os verdadeiros custos orçamentais das suas opções políticas.


[Publicado no jornal online ECO]

quarta-feira, 1 de março de 2017

Qual o próximo caso antes do terramoto francês?

Governo e oposição estão a perder-se em casos, quando deveriam a estar a aproveitar o Brexit e a prepararem-se para os resultados das eleições francesas.

As mentiras em torno da contratação frustrada de António Domingues já estavam demasiado complicadas e foi necessário criar-se um novo caso para desviar as atenções.

Este novo episódio, das off-shores, está muito mal definido, sinal de que o governo não fez o trabalho de casa, o que gera a probabilidade de lhe vir a sair o tiro pela culatra.

Estamos na UE e uma das suas quatro liberdades fundamentais é a liberdade de circulação de capitais; não estamos perante movimentos por baixo da mesa, como os referentes a negócios de droga e prostituição, mas antes perante transferências feitas por bancos em Portugal, com a autorização, presume-se, do Banco de Portugal; todos os movimentos foram reportados ao fisco, pelo que não faz sentido que haja impostos em falta, até porque isso em nenhum momento foi referido.

Passando para as dúvidas, gostaríamos de saber: como é possível que desapareçam dados no fisco? Não há cópias de segurança, aquilo é uma bagunça, onde é facílimo haver corrupção? Se um membro do governo obrigar um director geral a cometer uma ilegalidade, este comete-a sem problema? Se este caso não for completamente esclarecido, que trafulhices se pretende esconder?

Antes de surgir o próximo caso, para tentar esconder a trapalhada em que governo se pode estar a meter com este tema das off-shores, gostava de lembrar ao governo e à oposição que há muito trabalhinho de casa a fazer, desde logo pelas incertezas externas que enfrentamos.

O Brexit, para além de todos os riscos, pode ser também uma oportunidade para muitos países, com a deslocalização de serviços financeiros, de Londres para outras paragens. Em quase todos os países da UE, já há grupos de trabalho em acção para atrair alguns destes investimentos. O que é que estamos à espera para fazer algo de semelhante em Portugal?

As sondagens sobre as eleições presidenciais francesas dão a vitória de Marine Le Pen como certa na primeira volta (23 de Abril) e, em relação à segunda volta (7 de Maio), as diferenças face a Macron e Fillion têm-se estreitado. Recordando as surpresas do Brexit e de Trump, é conveniente não colocar de lado a hipótese de uma vitória da candidata da extrema-direita. Tendo em atenção que Trump tem surpreendido por manter o propósito de cumprir as suas promessas eleitorais, também convém não confiar numa Le Pen domesticada pelas instituições após chegar ao poder.

Mesmo que ela não ganhe as eleições, se obtiver, digamos, 45% dos votos, será possível de pensar que as suas ideias não contagiarão os outros partidos políticos, perante uma tal ameaça?

O que estamos a fazer em Portugal para nos prepararmos para estas eventualidades? Nada, esperamos para ver?

Penso que temos que interiorizar que o mundo e a UE estão numa trajectória de fechamento e que temos que ser cada vez mais responsáveis pelo nosso próprio destino, sem contar com miríficas ajudas externas, que podem bem não chegar se (ou quando) forem de novo necessárias. Deveríamos estar focados em prosseguir as reformas estruturais que nos coloquem num caminho de crescimento sustentável (sem endividamento externo) e não distraídos com casos secundários. Este recado tanto é válido para o governo como para a oposição, que parece estar sem Norte.


[Publicado no jornal online ECO]